“Minha
dor é silenciosa. Sinceramente, acho que nem minha dor sente que dói. Ou então
se sente, acho que não liga mais. Minhas lágrimas, quando existem, são secas.
Evaporam em questão de segundos, antes mesmo que alguém seja capaz de perceber
que havia sofrimento neste olhar, nesta alma amaldiçoada pela comodidade que a
melancolia há tempos lhe proporcionava. Meu coração não está partido. Meu
coração está quebrado, esmigalhado, estraçalhado e espatifado no chão,
refletido somente através de um milhão de cacos impossíveis de se reajuntarem.
Mas não é por sua causa. Ah, não. Definitivamente não é por sua causa. É por
mim mesmo. Fui eu. Fui eu quem te fez abrir as mãos para segurar a chave da
minha casa, o número do meu telefone, o endereço do meu prédio, a contradição
da minha alma e toda a esperança que ainda ecoa dentro de mim, rezando
solenemente por abrigo na eternidade da minha existência amargurada e
inconsistente sem o ardor do seu olhar. Eu amo você, mas eu entendo
completamente você não me amar de volta. Não porque eu não mereço – ora, pois,
senão o que haveria aqui para aspirar pelo amor de outra pessoa, senão a priori
prezasse pela delícia de existir como si mesmo, apesar dos apesares e de tudo
mais que esta essência cansada e ofegante carrega consigo para permanecer de
pé. Correndo enloquecidamente para manter-se no mesmo lugar, e esperando
incansavelmente pelo dia em que você decida juntar-se a mim, mão à mão,
bochecha com bochecha, até que a morte nos separe. Eu não sei pedir ajuda. Não
sei pedir socorro. Tampouco sei admitir derrota, ou que o peso está acabando
com as minhas costas. Honestamente nem sei se estou disposto a abrir mão da
ilusão da minha autosuficiência, o que confesso que me confunde um pouco: pois
não estava inconsistente sem o seu amor? Como pode alguém querer existir
sozinho, ao mesmo tempo em que deseja viver com outra pessoa? Enfim, chegamos
ao problema. E o dilema das partículas do meu coração não parece parar por
aqui. Ainda existem outros quinhentos fragmentos somente esperando para furarem
os pés de alguém que se atreva a percebê-los, e para desmascarar a fraude da
minha desilusão. Eu amei você, sem antes amar a mim mesmo. Não deve existir
pecado maior do que abandonar a si mesmo para cuidar de outra pessoa. O começo
de uma lágrima espaireceu pelo meu rosto. Agora sim, estamos chegando a algum
lugar...” (Igor Costa Moresca)
***
Não há força mais
destrutiva no universo
capaz de me afligir mais intensamente do que eu mesmo. Não há desilusão
avassaladora o bastante para estraçalhar as minhas esperanças, porque afinal de
contas fui eu mesmo quem as plantou, colheu e soltou no mundo achando que
vingariam. O mundo não tem nada a ver com o que eu espero dele, especialmente
quando o que eu espero dele vai contra o que ele pode me oferecer. Não existem
piadas ao meu respeito que você possa fazer sobre mim, que eu mesmo não me
proponha a criar. Você não pode me ferir mais do que eu consigo exterminar a
mim mesmo, sonho por sonho e lágrima por lágrima.
Não me olhe assim. Como se eu estivesse
falando alguma besteira. Todos nós temos algum tipo de botão de auto-destruição
que nem sempre guardamos para emergências. Como os pedaços de pizza que
sobraram da janta e já estão resfriados na geladeira, que você ataca de
madrugada mesmo sabendo o que isso vai fazer com a sua dieta – ou com os seus
planos de começar alguma dieta um dia. Ou como as oportunidades que surgem para
ampliar os seus horizontes, te apresentar pessoas e lugares novos, e podem
transformar uma noite de Sábado em algo mais memorável do que afundar-se no
sofá ao som da novela e os carros que passam pela rua da sua casa com o funk no
volume máximo. Ou, quem sabe, amar alguém que você simplesmente não pode ter,
mas insiste na fantasia que o mundo do “quase”
te proporciona. Nós quase demos
certo. Nós quase nos entendemos. Nós quase funcionamos.
Eu acho que, de todas as maneiras
que nós mesmos nos atingimos e demolimos a estrutura do nosso equilíbrio
emocional, amar alguém que não está ao seu alcance é provavelmente a pior de
todas. A única diferença entre suicídio assistido e amor não-correspondido é
que, no primeiro, as pessoas reconhecem a necessidade de um velório e uma
prisão, enquanto no segundo de nada adianta se você não quer rever o sol; você
ainda precisa sair de casa amanhã para trabalhar, cumprir os seus prazos,
passar no mercado e comprar mais sabão em pó, retornar as ligações da sua mãe
que você não ouviu, por mais que a sua alma tenha sido dizimada. E não foi por
menos; como se já não fosse o bastante termos embutido em nós um botão de
autodestruição, alguns ainda o encarregam a outra pessoa que nada tem a ver com
o nosso bem estar – ou pior, não se importam com ele. E ainda se surpreendem
quando outra pessoa aperta o botão e acaba conosco num piscar de olhos. As
batidas do seu coração se aceleram, até se aquietarem e começarem a deixar a
vida passar batido pelos destroços que agora compõe o que sobrou de você.
Eu acabo comigo constantemente de
tantas maneiras que sequer consigo parar para reconhecer o que estou fazendo,
até que algum espectador preocupado me faça perceber a altura em que estou e me
impeça de pular lá embaixo e acabar com tudo. Eu como demais, bebo demais, falo
demais, brigo demais, excluo pessoas da minha vida quando dão defeito – ou, em
uma concepção mais realista, acabam mostrando que são humanas – e mais vezes do que deveria prefiro ficar sozinho e
derramar todos os meus problemas ao meu redor. Não necessariamente para tentar
resolvê-los por conta própria, mas para ter ao menos uma ilusão de controle
sobre eles.
Eu li em algum lugar da minha vida
que nossos maiores inimigos são nós mesmos e não é mentira. Há um motivo pelo
qual nossas expectativas detonam na nossa cara quando trombam com a contradição
da realidade à nossa volta, ou porque são os nossos próprios medos que muitas
vezes impedem que a gente quebre padrões, ultrapasse limites e descubra
exatamente do que somos feitos e até onde podemos chegar. Estamos ocupados
demais nos prendendo a nós mesmos, e nos sentindo desesperados por isto ao
mesmo tempo. Não culpe outra pessoa pelo seu dia ruim, ou pela sua frustração
com algo que não deu certo, ou até mesmo pelo seu coração partido. A pira vem
de dentro, e não há nada mais fácil do que permitir ser sugado pelo nosso
próprio vórtex de drama interior, que
preza mais pela deliciosa sensação de mártir do que pela capacidade de auto-realização
por tomar mais atitudes e assumir a responsabilidade dos seus atos. A culpa não
é da pizza, nem da vodka, e nem sua. Sou eu quem esteve ocupado demais atirando
em meus próprios pés, enquanto deveria estar mais preocupado em seguir adiante.
Chega de martírio, de sadomasoquismo
compulsivo e de chorar pelo amor derramado. Se existe alguém tão ruim capaz de
me derrubar como eu mesmo, então este mesmo alguém é capaz de me elevar ainda
mais do que eu ainda desconfio que sou capaz. Só espero que isto não seja uma
bomba-relógio disfarçada de promessa-de-fim-de-ano-que-vence-logo-no-dia-seguinte,
mas por ora digamos que sim, eu vou ficar bem.
Sabotagens à parte, eu vou cuidar de
mim.
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