Uma
semana antes de me mudar
para Cascavel, eu me lembro de estar conversando com um dos meus melhores
amigos na sacada da casa dele. E durante uma das nossas últimas madrugadas de
tereré, arguile e filosofia enquanto eu ainda morava lá, eu tive um pensamento
ridículo:
- Eles vão me odiar lá.
- Por que acha isso?
- Porque sim. Não sei se vou conseguir
fazer amizades por lá. Eu sou difícil...
- Sim, você é. Mas você vai fazer novos
amigos sim. Só não se esqueça dos antigos...
E por um tempo eu acreditei nele,
especialmente durante os primeiros meses de adaptação em uma nova cidade que
decididamente não parecia se importar muito com o quanto era difícil para mim
me acostumar com todos aqueles novos rostos, ruas e compromissos. Talvez eu
fosse mesmo difícil demais para cativar outras pessoas fora do meu habitat
natural. Ou talvez eu estivesse com medo
demais. Medo de abrir a porta para que alguém pudesse entrar e se sentir a
vontade com a minha bagunça, tanto física quanto emocional, e que, por incrível
que parecesse, isto fosse o bastante para ser acolhedor e dar sentido e
importância a outras pessoas para compartilharem a minha nova vida. Coisa que
hoje parece ridiculamente irônica pra mim, visto que com o passar dos anos e
das lágrimas, minha casa não só se tornou acolhedora para as vidas de muita
gente, como eu também me tornei confiável o bastante para fazer você se sentir
bem vindo.
A verdade é que eu sou mesmo
difícil. E egoísta. E demasiadamente incapaz de lidar com mudanças como um
processo natural da vida, mas como uma calamidade que cruzou o meu caminho (ou
que caiu na minha cabeça, como eu senti recentemente). Eu tenho problemas em
abrir mão do passado, e ainda mais em abrir a porta para o futuro. Por mais que
eu a deixe destrancada a maior parte do tempo, de nada adianta se não há alguém
que se sinta vontade para entrar sem bater e reconhecer a minha bagunça também
como algo natural, e não como o fim do mundo que muitas vezes é o que me
parece. Cada um tem a sua bagagem, os seus momentos de fragilidade em que
parece que tudo o que o compõe é desorganizado e inconsistente, e é isso que
dificulta tanto expandir meus horizontes, cumprimentar pessoas desconhecidas e
– infelizmente – aprender a conviver com diferenças e aceitá-las como o revés
que inevitavelmente nos torna humanos ao fim do dia.
Mas eu conheci pessoas novas que não
só foram capazes de olhar além da dificuldade intransigente do meu ser, como se
sentem a vontade dentro do lar que eu construí e às vezes não veem a hora de
voltar a sentar no meu sofá ou na minha sacada. Para conversarmos sobre como
foi o dia, ou para tentarmos procurar juntos pela solução de um problema, ou
para sermos ouvidos um pelo outro quando a irreverência da vida se sobrepõe
sobre a nossa própria e nos atrapalha a respirar. O que também é irônico,
porque sempre acabamos fazendo isso enquanto alternamos a vez para fumar o
arguile.
Eu tenho pessoas insubstituíveis na
minha vida. Pessoas que acompanham as vitórias que eu conquisto e os dramas que
eu crio quando saio de casa todos os dias, e que se dispõe a me ajudar quando
acabo chorando por causa de um amor quebrado, ou cansado por uma causa que
parece ter sido em vão, ou enfaixado por causa de uma telha. E chamo estas
pessoas de amigos, porque foi a sorte que a vida nos permitiu e que a intimidade
e a cumplicidade nos mantém.
Eu tenho pessoas que enfeitam
porta-retratos na minha estante, que arranjam festas-surpresa, que mandam
mensagens aleatórias só para não perdermos o contato e que fazem o esforço para
que a gente continue sendo a gente. Mas também tenho pessoas que erram, que
esquecem, que tem suas dificuldades, impaciências e inseguranças também. Tão
desesperadoras e diferentes quanto as minhas. A diferença é que estas pessoas
ainda são capazes de aceitar as minhas falhas, meus limites e minhas
dificuldades. Eu, por outro lado, não ando conseguindo ser tão bom quanto a nova
caneca de café que ganhei diz.
Quatro
anos atrás, eu tinha medo de não conhecer vocês. Agora tenho medo do que
poderia ter sido se isto tivesse mesmo acontecido. O que seria de mim sem
aquelas festas loucas de sexta-feira? Ou sem as mesas redondas que fazíamos
para tentar encontrar sentido nos nossos relacionamentos, nossos problemas,
nossos corações... Eu tenho essa mania de querer fazer tudo sozinho. Conseguir
tudo sozinho, porque parte de mim acredita é que neste patamar que eu preciso
me manter para ser capaz de ajudar vocês. Como se minhas diferenças, meus
desenganos, minhas angústias precisassem ficar guardadas no bolso para que eu
possa ajudá-los com as de vocês. E o meu erro foi crer que eu precisava mesmo
fazer isso, por mais que ninguém tenha pedido. Pelo contrário, vocês estão
sempre aqui, entrando sem bater, colocando os pés na mesinha de centro,
reclamando que não tem nada de bom na geladeira, e me ajudando a assimilar a confusão
constante que eu chamo de vida. Eu sou grato por isto, mas não acho que tenho
dito isso o bastante.
Amizades são como jardins nos fundos
de uma casa. Precisam ser cuidados, mas sempre acabamos adiando para o próximo
fim de semana. Mas até onde vão os nossos fins de semana, sendo que eu já não
faço nada demais durante os meus, tampouco sei por onde vocês andam. O que nós
criamos é especial. Uma comodidade preciosa em tempos de relacionamentos
abstratos e superficiais, mas que ainda precisa ser cuidada. Bom, eu estou
aqui. Cometi erros, fui impaciente, briguei, argumentei, esquentei a cabeça e
irritei todo mundo até o ponto de decidir fazer falta do que criar caso. O
problema em querer dar conta de tudo sozinho, foi perceber que era exatamente
isto o que está me deixando sozinho.
Eu não quero ficar sozinho. Muito
menos quero tirar os porta-retratos da estante. Se eu sou um grande amigo, foi
graças a vocês. E agora é hora de retribuir a comodidade. Obrigado.
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