Quem
vê data de nascimento não vê coração. Digo isso porque é incrível o quanto
a idade de alguém parece tão importante para coisas como dados cadastrais em
formulários ou audiências disciplinares caso aquela menininha tão experiente
que você pegou na balada na verdade nem concluiu o ensino fundamental ainda.
Mas não é culpa nossa. Nós vivemos em um sistema social que ainda prende o
caráter das pessoas à idade que elas tem, e depois as categoriza em ordem
crescente de modo que organizações possam lidar melhor com essa gente sem
correr o risco de enfrentar problemas legais. Porque inventaram que pessoas não
podem responder por si mesmas ou por seus atos até completarem 18 anos. 18 anos
é o primeiro degrau da escadaria rumo à responsabilidade legal, mas está longe
de alcançar algum nível real de moralidade realmente exemplar. Mas isso é uma
generalização, claro. Tão incoerente quanto a que o governo instituiu para
separar os jovens dos adultos. 18 anos é a divisa entre "Eu não sabia que não podia..." e
"Ok, fui eu, droga". E
depois desse aniversário em particular, um novo mundo se abre diante da gente.
Um mundo de direitos e deveres que somos agraciados e amaldiçoados a carregar
nas costas, que às vezes nos cai bem, e às vezes só nos derruba.
Ao contrário dos meus companheiros
de guerra de 91, completei 18 anos com todo o medo do mundo. Porque aquele era
o limite; de agora em diante, em termos legais e morais, eu estou sozinho. Não
posso mais contar com a mamãe e o papai para me livrarem da culpa por algo que
eu fiz, por mais que agora eu esteja livre pra fazer o que quiser. Como é da
minha natureza pessimista sempre esperar pelo pior e planejar por uma saída de
emergência, foi como finalmente ser empurrado do lado raso da piscina e me debater
loucamente com todas as responsabilidades do mundo até que eu fosse capaz de me
acalmar e descobrir até onde eu conseguiria firmar o pé. Bem vindo ao lado
fundo da piscina, rapaz. E dali em diante foram só problemas como registros em
carteira de trabalho, acordar de madrugada para prestar contas ao serviço militar,
enquanto pensava em aonde iria arrumar tempo para tirar a carteira de
motorista. O lado bom é que agora não preciso de ninguém para comprar vodka por
mim. Nem tudo está perdido.
A terra da maioridade é estranha
quando se pisa nela pela primeira vez. Não há nada que você não possa fazer,
mas pode ser condenado por tudo também. Pelo menos foi assim que eu a
enfrentei, o que - olhando em retrospectiva - explica muito sobre alguns dos
meus comportamentos de hoje em dia. E o que também serviu para a construção de
um caráter deveras duvidoso em termos de equilíbrio emocional, mas
inquestionável em se tratando da minha responsabilidade sobre as coisas que eu
faço neste mundo. Coisa que eu não havia parado pra perceber há anos, até que
algo começou a acontecer.
- Você é casado?
- Não, por que?
- Não acha que já está na hora de assumir
um compromisso com alguém?
- An, não? Acho que ainda tenho muito
tempo pra pensar nisso ainda...
- Quantos anos você tem?
- Vinte e dois, por que?
- O QUE?!
- Vinte e dois... Quantos anos você achou
que eu tinha?
- Não sei... Uns vinte e cinco, talvez?
- Quantos anos você realmente achou que
eu tinha?
- Uns trinta. Sei lá. Você parece mais velho...
Sério mesmo? Trinta anos? Nada
contra as pessoas de trinta anos. Vou alcançá-las em breve; é só uma questão de
aniversários e invernos que nos separam. O que me surpreendeu foi o
reconhecimento das pessoas de um grau de maturidade meu que nem eu sabia que
podia passar. Pessoas de trinta anos são assim? Perdidas, contraditórias,
neuróticas e teimosas? Porque este sou eu, e quando me olho no espelho sequer
vejo vinte e dois anos nos meus olhos. Vejo uns quinze, dezesseis no máximo. O
que os outros veem de maturidade aqui, eu vejo de crianssisse exacerbada. Ainda
mais depois de fazer a barba. É como se tivesse ficado preso nos doze anos, só
que com a voz mais grossa e sem as espinhas.
Eu não me acho cronologicamente
capaz ainda de encher um livro com histórias de todos os absurdos e calamidades
da minha vida - e de momentos bons que tive entre um acidente e outro - mas
acho que consigo entender o suposto ar de maturidade que as pessoas veem em
mim, apesar de não necessariamente concordar com isso. Ao contrário dos trinta
anos, parte de mim realmente sente como se ainda estivesse adentrando os
primeiros dias dos 18; completamente perdido com tamanha responsabilidade que
agora tenho em mãos, acompanhado de um medo perverso que se dá quando se
percebe o tamanho do universo além do portão da minha casa, assim como a minha
verdadeira medida dentro dele. Então é a esse ponto que cheguei; com meu corpo
se desgastando de maneira caótica, com um rosto de vinte e dois anos, um
coração de 18, e uma maturidade aparente de trinta. Isso não me incomoda mais
tanto assim, porque todo mundo sabe que não é a idade na sua CNH que importa,
tampouco a idade mental que esses testes de Facebook
geram e te convidam a compartilhar. É a idade sentimental que você carrega
consigo que conta.
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