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A barata no banheiro


            Existem três momentos na vida de um homem em que ele é colocado à prova. Desde o seu caráter e seu valor, até suas aspirações para o futuro e seu verdadeiro papel neste mundo. E se você tiver sorte, poderá presenciar um amigo, um parente ou um conhecido seu vivenciando um destes desafios homéricos. Só não digo que seja possível enfrentar os três de uma vez porque as chances disto acontecer são consideravelmente pequenas – para não dizer, apocalípticas, só de pensar.
            Enfim, existem três momentos definitivos na vida de um homem: quando um vidro de azeitonas (ou qualquer outro alimento engarrafado) precisa ser aberto, quando uma barata aprece no banheiro, e quando ele quer conquistar uma mulher. Até a presente data não foram constatados relatos de homens em situações de extremo perigo fazendo força para abrir a tampa de um vidro de palmito enquanto tentam firmar um dos pés em cima de um inseto rastejante e ainda querendo se mostrar como um macho alfa para a Vandicreuze.
            Digo que são momentos definitivos porque, pelo menos para mim, foram instantes de grande tensão e ansiedade, tanto pelas ameaças externas que estavam me pressionando quanto pelo meu próprio instinto de competição que não dorme nunca, alarmando-me constantemente de que minha integridade está em risco e precisa ser defendida. Porque se aquele vidro de picles não for aberto por mim, depois de ser piedosamente repassado para minhas mãos pelas da Vandicreuze, que moral eu ainda teria para acometer medo nas baratas que surgem do ralo do meu banheiro? Que moral eu teria com a Vandicreuze? E que picles eu colocaria no meu sanduíche? Ok, estes exemplos são fictícios, a Vandicreuze não existe (pelo menos, não na minha lista de amigos do Facebook), e eu espero que a barata que eu acabei de matar não tenha chamado as amigas para uma festa no meu box.
            Mas se parar pra pensar, um homem se manterá em seu estado natural de inércia (seja assistindo televisão, bebendo cerveja, jogando baralho ou qualquer outro exemplo estereotipado que você queira pensar em colocar aqui), até que algo aconteça para trazê-lo de volta à realidade. Como alguém cutucando seu ombro para pedir ajuda com um jarro emperrado de pêssegos em calda para... terminar de fazer algo que envolva um jarro de pêssegos em calda aberto. Seja lá para o que for, aquela missão caiu no seu colo e cabe a você mostrar para o mundo o quanto é forte – como se outras coisas na vida já não nos testassem o bastante, como tentar manter uma boa saúde, um relacionamento estável ou a hora certa no microondas. Mas jarros de pêssego em calda com um pouco de força, suor, lágrimas e batidas na mesa, podem abrir e te condecorar com uma medalha de bronze neste pódio de honra ao mérito; o problema são os outros dois desafios.
            E agora você deve estar se perguntando o que é pior: tentar conquistar uma mulher ou matar uma barata. Claro que é a barata. Porque a barata não vai ignorar suas mensagens, ou te envolver em joguinhos psicológicos patéticos para colocar à prova suas intenções com ela, ou te atrair com pequenas indiretas e artimanhas para te convencer que ela está na sua, só para dizer depois que é só legal e não estava te dando mole. A barata, apesar de asquerosa, é sincera. É curta e grossa, direta e pragmática quanto a quem ela é o que ela quer. Quem ela é? Um inseto asqueroso. O que ela quer? Te matar enquanto você dorme. Mais simples, impossível.
            Conquistar uma mulher que despertou seu interesse envolve tempo, estratégia, comprometimento, foco, força, fé, determinação e muito, mas muito mais esforço do que aquele que você descarregou na tampa daquele vidrinho de champignon. Com a mesma delicadeza, ela é capaz de retocar a maquiagem e te dizimar com indiferença, literalmente num piscar de olhos. Ela pode te fazer suar frio, duvidar das suas capacidades, questionar toda a sua existência e fazer você se arrepender de ter nascido – muito similar à barata quando ela se esconde atrás do guarda-roupa. A diferença está na desconstrução emocional que cada uma causa: a mulher é desafiadora, porém apaixonante; a barata é honesta, porém aleatória. Talvez o mais sincero mesmo seja o vidro de gordura vegetal que a sua avó guarda para reutilizar; ele é o que é, te obriga a se esforçar e provar que pode sim abri-lo, mas não exige mais nada de você depois que já está trabalhando na panela.
            Talvez tudo isso seja mesmo besteira, resultado de uma noite anormalmente quente de Fevereiro que me impede de desistir de tentar fazer sentido e simplesmente ir dormir. Mas uma coisa é certa: quando aquele jarro de maionese cede em minhas mãos, ou quando a Vandicreuze me manda mensagem de “boa noite”, ou quando extermino uma barata que mal saiu do ralo, não há como negar o quanto aquilo me faz sentir um homem melhor.

            Ou, no mínimo, um homem que não foge de um desafio.

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