Baseado, teoricamente, em
fatos reais. Ou não.
Quatro
amigos em um bar, já na quinta rodada de cerveja. Uma mulher morena, alta e
generosamente encorpada passa por eles.
Amigo #1, o pega-todas: Viu só aquela ali?
Amigo #2, o desligado: Aonde?
Amigo #3, o filósofo: Aquela que acabou de
levantar pra ir ao banheiro e passou por aqui.
Igor, o paranóico facilmente impressionável que vos fala: Que
bunda! (Obs.1: O termo utilizado não foi “bunda”, mas foi modificado aqui para fins
educativos)
Amigo #1: O que achou, Igor?
Igor: Gata, hein. De baixo pra cima, não de cima pra baixo. Não
consegui ver o rosto dela.
Amigo #3: Melhor não ver. Não perdeu nada. De
baixo pra cima, de trás pra frente só. Frente e cima, acabamento pobre. Baixo e
trás é onde o ouro está.
O
Amigo #2 concordou em silêncio
Igor: Mesmo assim, parece gata. Dá pra perder um tempo. Uns 10,
15 minutos. Uns dois ou três meses, quem sabe. Nada sério. Sabem da minha
teoria de que namorar seria bom se fosse só de segunda à quinta de tarde; de
quinta à noite até domingo, liberdade de expressão.
Amigos #1 e #3
concordaram e beberam mais um gole de cerveja.
Amigo #1: Aí sim, seria bom. Mas às vezes em uma
semana morna, fraca, faz falta aquele outro corpo ali. Fazendo companhia,
brincando um pouco, esquentando uma pipoca pra ver um filminho...
Igor: Claro, mas isso é coisa do que? Segunda à noite, né.
Dentro dos parâmetros da regra. Agora, sexta à noite, vai me dizer que ficar em
casa enrolado na coberta assistindo Globo
Repórter com aquela ali era tudo que você queria? Se te conheço bem, nem
iria levar ela pra casa, pra não arriscar ter ela aparecendo lá de madrugada
berrando que você nunca mais ligou e que o amor de vocês é pra valer.
O
Amigo #2 concordou mais uma vez,
entre um gole e outro. (Obs.2: Vale ressaltar que quando quatro caras se
reúnem em um bar, a divisão do debate é clara: sempre há o mediador, o
argumentador, o radical, e o Amigo #2, que só concorda e a cada 3 garrafas,
paga uma rodada.)
Amigo #1: Mas aí você já ta exagerando, Igor. Vai
dizer que não rolava com aquela ali?
Igor: Claro que rolava. Quer dizer, ainda não vi a cara dela.
Espera ela voltar do banheiro, aí te digo se a lenda dessa paixão me faz sorrir
ou faz chorar. Entendeu agora?
Amigo #3: A pergunta principal não é essa. É a
teoria das mãos dadas no shopping.
O
Amigo #1 não reagiu, como se já
fosse um velho aprendiz daquela filosofia. O Amigo #2 interrompeu seu gole para prestar mais atenção, como se
sua ingestão de álcool o impedisse de absorver toda a sabedoria que estava por
vir. Eu, pelo contrário, tomei outro
antes de procurar saber mais.
Igor: A teoria das mãos dadas no shopping?
Amigo #3: Exatamente. Para qualquer mulher, o
homem mentalmente diz “sim” ou “não”, “vou” ou “não vou”. Mas
isso é a teoria. Na prática é o seguinte: aquela menina da bunda é pra você
sair hoje e não ligar nunca mais, ou pra andar de mãos dadas com ela no
shopping?
O
Amigo #2 manteve-se em inércia. O Amigo #1 pediu outra garrafa.
Igor: Mas por que o shopping
exatamente?
Amigo #3: O shopping
não é o shopping. O shopping é uma pequena amostra da sociedade, dependendo do
horário que você for. Se for no horário nobre, tem de tudo. Tem casais, tem novinhas, tem avós, tem petistas, tem
religiosos, tem ambientalistas, ambidestros, alienados... Andar de mãos dadas
no shopping é como assumir pra sociedade que você está levando a sério o
comprometimento com aquela pessoa, e que você se orgulha disso. Essa teoria só
perde pro teste da primeira vez em que você leva ela pra conhecer a sua mãe.
O
Amigo #2 arregalou os olhos de tanta
surpresa. O Amigo #1 estava
vasculhando os bolsos pra tentar pagar o garçom com dinheiro trocado.
Igor: Tudo bem, agora eu entendi. Bom, eu não vi ela ainda, mas
te digo que não. Não andaria de mãos dadas com ela no shopping. Pelo que
parece, ela não é dessas. Ela parece mais ser do tipo carro-parado-em-estacionamento-de-shopping-depois-da-sessão-das-duas-horas-em-uma-terça-feira-gorda.
Só fricção, sem romance.
Os Amigos #1 a #3 riram. Eu
tomei um gole pra facilitar a descida da frivolidade que havia expressado pela
minha garganta abaixo. Felizmente, esta nova rodada estava estupidamente
gelada.
Amigo #1: E com quem você andaria de mãos dadas
no shopping, Igor?
Igor: Boa pergunta. E por enquanto te digo que não há nenhuma
boa pretendente para passar por esse teste.
Amigo #1: Você anda muito exagerado. Precisa sair
mais. Vai que você conhece alguém, e semana que vem já está de mãos dadas com
ela por aí, esfregando seu comprometimento na cara da sociedade?
No
meio do novo debate, os Amigos #2 e #3 mantiveram-se na platéia.
Igor: Agora, dessa teoria eu manjo. “Vai Que”. “Vai Que” é o
que já me fez sair muitas vezes por aí, crente de que valeria mais a pena do
que ficar em casa com uma reprise de algum seriado, um copo de uísque e uma
pizza de pepperoni. Até agora, “Vai Que” só me criou esperança que
brotou arrependimento. Só que até a presente data, nunca “Foi Que”. Agora, a reprise, o uísque e o pepperoni nunca decepcionam.
Amigo #1: Então fica em casa só com o pepperoni, já que é isso que você curte!
(Risos embriagados de todos)
Amigo #1: Você precisa conhecer alguém.
Igor: Você precisa conhecer alguém!
Amigo #3: Eu preciso pegar alguém.
O
Amigo #2 concordou com tudo. Eis que
finalmente a morena encorpada sai do banheiro e passa novamente por eles. Todos
tentam ser sutis ao acompanhá-la, sem sucesso.
Amigo #3: E aí?
Igor: É, definitivamente vale a pena de baixo pra cima, de trás
pra frente. Não é pra andar de mãos dadas em lugar nenhum.
Amigo #1: Dá pra dar uns “pega”. Não é de jogar fora, mas também não adotaria. Parece
judiada, mas esforçada.
Igor: Acho que agora acabamos de vez com ela, e com o jeito que
a gente fala de mulher mesmo. Mas aquela ali parece mesmo experiente.
Amigo #2: Era a minha irmã...
Silêncio
constrangedor. O Amigo #3 pede a
conta.
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