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O horário de funcionamento


            Eu decidi que este vai ser o meu ano. O ano das mudanças. O ano de deixar o que já foi, realmente ir, para que coisas novas apareçam em meu caminho e para pessoas novas aprenderem como se abre os dois portões – que, era uma vez, foram automáticos – do meu prédio. E eu decidi isso do mesmo modo que decido um lema para todos os anos.
            Em 2009 a meta era abraçar o desconhecido, em 2010 foi tentar limpar a bagunça que 2009 fez, em 2011 foi decidir tirar tudo do lugar de novo porque não era mais possível que as coisas dessem tão errado, e 2012 foi misto: foi a limpeza e a desordem em um ano só, e parecia tudo tão indescritível que até hoje eu ainda não sei explicar porque. Apesar dos apesares, 2012 tirou uma nota boa o bastante para ser aprovado como um bom ano – mesmo que tenha sido o ano em que não publiquei uma palavra sequer por aqui. E então veio 2013, que me trouxe de volta, deu alguns loops que me deixaram surpreso e enjoado, mas que, convenhamos, também não foi nada mal.
            Pode parecer que eu estou disfarçando reclamações infames da vida com filosofias abstratas, mas entendedores entenderão que ano passado conseguiu ser o melhor das nossas vidas. E que, por incrível que pareça, eu tenho a sorte de vivenciar um ano cada vez melhor que o outro. E sim, eu sei o quanto isso parece pornográfico caso você leia muito rápido com esse olhar despreocupado e mente poluída. Também sou desses.
            Enfim, é por essas e outras que eu decidi que este vai ser o meu ano. Quando digo por outras, é porque estou diante de momentos definitivos mais uma vez. A última vez foi em 2009, quando descobri que o mundo não era achatado mas sim redondo, e que eu não iria cair num precipício sem fim se decidisse me mudar de Londrina para criar uma vida tão boa quanto aquela em outro lugar. Cinco anos, quatro empregos, três apartamentos, duas faculdades e uma experiência trágica com uma telha de amianto depois, eu finalmente consegui outra boa vida pra chamar de minha.
            Talvez minha paixão por retrospectivas já tenha ficado claro para muitos, mas eu simplesmente não posso evitar. Sou irremediavelmente fascinado por rever a vida que passou pelo retrovisor, mas agora já cresci o bastante para aprender que de vez em quando isto é bom, mas não focar na estrada adiante mais cedo ou mais tarde vai me fazer quebrar a cara em um muro. Ou, em certos casos, causar algum estrago na vida de outra pessoa que não tinha nada a ver com o meu passado, mas que agora está emocionalmente paraplégica demais para querer descobrir um futuro do meu lado.
            Maior do que o caso que mantenho com minhas lembranças, só o meu amor platônico por metáforas. Salve meu alarme interno de insights movido a egocentrismo, e meu manual de formação de condução veicular, que tem mostrado a mim mais do que nunca qual é o caminho certo a seguir. Até porque, tem sido difícil prestar atenção da estrada adiante e nos retrovisores ao mesmo tempo. Ah, a ironia.
            Mas este vai ser o ano. Aquele ano. O ano em que você promete pra si mesmo que vai dar o melhor de si, vai experimentar coisas novas, vai se desprender do que te faz mal e empobrece sua alma, vai quitar o seu cartão da Renner, emagrecer os cinco quilos que você ganhou naquela semana entre o Natal e o Ano Novo, e fazer jus a todas as promessas que você fez durante aquela meia noite fatídica enquanto os fogos iluminavam o céu e as gotas de champanhe manchavam a sua calça. Enfim, o ano que você sempre jura que vai ter, mas sempre adia pro ano que vem por quaisquer razões que convenham a sua eventual preguiça e ressaca do dia primeiro em diante.

            Modéstia a parte, eu gosto de pensar que estou me saindo bem. As aulas práticas da auto-escola finalmente estão marcadas, e o estágio está se saindo melhor do que eu sonhava (apesar de ter sido feito refém de um leitor biométrico por ambos). Os sete quilos – sim, eu menti, não se espante – que ganhei estão prestes a desaparecerem graças à disposição de voltar para academia que reencontrei perdida por um dos cantos da casa, e graças à Joyce, que me obriga a ir com ela como parte do nosso comprometimento com nossa saúde – e, principalmente, com a nossa necessidade primordial de não querer sofrer sozinho durante uma hora em uma masmorra de tortura equipada com esteiras e levantamentos de supino reto. E quando acordamos às 5h30 e chegamos na porta da academia antes das 6h, antes do sol nascer e antes do professor aparecer para abrir a porta e acender as luzes, eu senti orgulho de nós. Claro, senti sono, fadiga, desespero silencioso e uma leve sensação de desidratação a ponto de querer desmaiar só para pegar uma carona de ambulância de volta pra casa. Mas senti muito orgulho da gente também.


Outra prova de que eu acredito solenemente de que este vai ser o meu ano, é que agora eu vejo o sol nascer e se pôr todos os dias. Apesar do cansaço que dá, eu me sinto bem. Me sinto feliz por ter vivido cada instante entre o começo e o fim do meu dia, por mais que eu precise me arrastar para a faculdade à noite e lutar contra meus instintos de sobrevivência para me manter acordado o bastante para saber que raios de matéria cai na próxima prova. E ainda volto pra casa, sirvo um copo de uísque, sento na sacada para ver as estrelas e conversar sobre como a vida tem sido boa comigo, antes de ir dormir pouco, acordar com olheiras horripilantes, e fazer tudo de novo.
            Por isso quando digo que este vai ser o meu ano, é porque pela primeira vez em muitas promessas, sinto que estou realmente aproveitando todo o tempo que tenho. Todo o tempo do meu mundo, para coisas boas e úteis, e até mesmo saudáveis! Nunca antes na história deste interlocutor houve tamanha demonstração de dedicação consigo mesmo sobre sua vida, enquanto você continua aí só tentando acompanhar tudo o que eu estou fazendo, pensando se puxa conversa ou não para tentar voltar pra minha vida. Sinto muito, mas eu ando muito sem tempo. Não sei nem como encaixaria um novo relacionamento entre tudo isso, muito menos a reprise de um velho fracasso. Este vai ser o meu ano, onde cada dia começa às 5h30 e me permite ver o sol nascer, até além do pôr do sol e o começo de outro amanhã. Não tenho mais espaço na minha agenda para escrever textos tristes sobre frio, chuva e corações partidos. Estou ocupado demais fazendo hora extra para ser feliz.
            Meta para 2014: fazer algo de bom acontecer. PS. Não aparecer na CGN.

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