Pular para o conteúdo principal

O pseudo-carpe diem massificado


Eu queria ser uma boa pessoa. Talvez, nem sempre. Mais vezes do que eu deveria, confesso que prefiro praticar atos específicos de maldade em vês de ações aleatórias de bondade, como cutucar o ombro de alguém e aparecer do outro lado discretamente, ou fazer ruídos incompreensíveis na forma de quem está tentando dizer alguma coisa, só para o coleguinha perguntar "o que?" e ficar com cara de besta quando eu mostrar a língua pra ele. Não, não é algo emocionalmente maduro de se fazer. A verdade é que, entre abandonar rancores e tentar ignorar meus instintos imediatos de lógica e de fazer coisas que tenham sentido, eu andei praticando a arte milenar de reconhecer o que uma pessoa emocionalmente madura faria em determinada situação, só para fazer o contrário. Pode não ser muito saudável, e sem dúvidas não deixarei um mundo melhor para os meus netos através disso, mas por ora tem sido deveras libertador. Tudo isso é bobagem, claro. São só palavras digitadas ociosamente por um jovem homem existencialmente entediado em seu blog homônimo de credibilidade questionável. Ou vocês acharam mesmo que eu passei um Sábado de manhã assistindo filmes da Disney no YouTube? Não sejam ridículos! Muito pelo contrário, eu fiz o que qualquer outra pessoa emocionalmente madura faria: avancei a história e pulei direto pras músicas. E cantei junto. Normal.
A questão é que quando a minha maldade, minha imaturidade e meu tédio conseguem se aquietar, eu tenho momentos de redenção em que eu sinceramente desejo ser uma pessoa melhor um dia. É provável que nenhum leitor ou amigo meu já tenha visto isso, porque são momentos tão raros quanto aquele cometa que passou de raspão na terra, só para dar uma olhadinha no sul da Califórnia, e por pouco não explodiu o mundo. Quando isso acontece, eu paro, penso, sinto, choro por dentro, absorvo tudo de volta e digo "Só que não!". E mostro a língua. Esse é o tipo de pessoa que eu sou, e são esses os absurdos que eu penso. O que me faz sentir melhor é que você, caso não pense parecido, também tem coisas ridículas guardadas em alguma gaveta obscura da sua alma mas que tem medo de confessar. Por isso você leu até aqui. Ver outra pessoa ser ridícula faz a gente se sentir melhor quanto a nossa própria imaturidade emocional. Claro, isso não justifica a minha inércia emocional, tampouco o mundo explodiria caso eu quisesse mudar. Eu posso mudar. Sou livre pra isso e tenho recibos e comprovantes de renda e residência o suficientes para provar que estou apto para isso. Eu só não quero mesmo. *mostra a língua*
Mas o catalizador das minhas crises de consciência costumam ser aquelas pessoas que parecem não ser desse mundo - ou, sejamos honestos, que nem parecem ser dessa cidade. Nada contra os Cascavelenses, mas toda vez que eu ando em um ônibus lotado aqui, parte da minha fé na humanidade se perde na multidão que me empurra cada vez mais para a janela, sem aparentar nenhum senso de cidadania referente aos seus sovacos vencidos. Enfim, a questão é que existem pessoas que parecem estar andando livres e despreocupadas por aí com o único propósito de fazer a gente se sentir mal por não sermos tão saudáveis, bem sucedidas ou - me atrevo a dizer - emocionalmente maduros quanto elas.
Como era o caso do Janeverson, das minhas aulas de redação no ensino médio. Antes de qualquer devaneio, vamos esclarecer duas coisas: primeiro, o nome dele não é Janeverson e, segundo, eu o odeio sem nenhuma preocupação bio-psico social. Apesar de toda a incoerência, fome e preguiça que compõem o meu ser, eu ainda acredito solenemente que, a partir do momento em que algumas definições na sua vida tornam-se concretas, sem mais aquela necessidade de precisarem ser defendidas ou explicadas (como gostar daquele filme tosco, ou daquele cachorro-quente gorduroso da carrocinha do outro lado da rua da faculdade, ou até mesmo daquela pessoa chata e sem graça que você chama de “amigo” ou, em alguns casos, “amor”), é porque você está se tornando uma pessoa madura. Se é uma maneira distorcida de maturidade ou não, não cabe a ninguém a não ser você decidir. A beleza desse sistema de definições é ter o prazer em justificá-las com um “porque sim” que na verdade quer dizer “porque foda-se você”, mas com a graça e diplomacia de um “por que não?”. Enfim, a vida tem dessas coisas. E eu odiava o Janeverson. Porque sim/porque foda-se você/por que não?
Mas dessa vez até teve um porquê. O ensino médio também acabou sendo a idade média da minha imaturidade acadêmica, cujo iluminismo se deu na forma daquelas aulas de redação nas tardes de quarta-feira. Eu finalmente havia descoberto algo que eu gostava. Algo que me fazia ir feliz para o colégio, sem ser para conversar com os coleguinhas e/ou mostrar a língua pra eles. E, acima de tudo, algo em que eu era bom. Tipo, muito bom. Tipo, nota 10, mantendo sempre a impecabilidade das dissertações de 25 a 30 linhas e lealdade à temática da semana. E teria sido tudo muito bom, a ponto até de originar um Igor melhor para a história da humanidade, se o Janeverson não tivesse insistido em pesar a minha vida com a sua existência. Porque por mais que eu fosse bom, e criativo, e engraçado, e dotado de um dom para transcrever uma ironia pura que conseguisse manter-se entre a linha tênue das tradições Machadianas e a contemporaneidade como poucos conseguiam, o Janeverson ainda assim era melhor. Maldito Janeverson. Com sua pinta de bom moço, sua família rica, sua namorada loira de olhos azuis, seu intercâmbio na Europa e seu apartamento megalômano um-por-andar no lado nobre da cidade com vista pro lago. E ele era meu amigo. Talvez não amigo-amigo. Mais pra amigo-inimigo. Amigo/competição. Amigo... Imaginário? Enfim, era até gente boa, mas por que não odiar, sabe?
E então veio o dia fatídico. O dia em que eu comecei a pavimentar o ódio da estrada que hoje leva ao meu coração frio e calculista (só que não, rá ié ié!). Pra falar a verdade, eu não lembro qual era o tema da redação. Algo sobre a sociedade, o capitalismo desenfreado, a crise econômica mundial e a felicidade. Enfim, discorram sobre o tema, em forma de dissertação argumentativa, de 25 a 30 linhas. Eu tirei 9,5. O Janeverson tirou 10. Mas não foi pela nota. Ok, em parte foi pela nota. Mas foi, principalmente, porque depois de quase um ano inteiro tirando 10 e ter sido nomeado como um exemplo de escritor pelos outros coleguinhas de sala (falando assim nem parece que estávamos no 3° ano do colegial, mas éramos tão crianças quanto uma creche sem supervisão), eu não tive o reconhecimento mor da professora. Quem teve? Quem teve?! O Janeverson, é claro. E ela insistiu em ler a redação dele para o resto da sala, para que a gente aprendesse o que era uma dissertação bem feita. Uma redação nota 10. Maldito Janeverson.
Só que algo aconteceu quando ela leu a redação do Janeverson. Mais precisamente, foi durante um trecho que dizia algo desse sentido, mas com aquela expressão que eu jamais esquecerei: “As pessoas buscam um tipo de felicidade prêt-à-porter que foi fabricado pelo capitalismo como algo ideal, porém inacessível. Tão atraente e infame em seu modelo que foi capaz de gerar um pseudo-carpe diem massificado na mente do homem contemporâneo”. Foi incrível. Era tudo que eu queria saber escrever, completo com toda a técnica, vocabulário, raciocínio e termos frescos em francês que carregam consigo aquele prestígio irrefutável que só os franceses conseguem ter. Isto é, os franceses e os estudantes de intercâmbio da Europa. Maldito Janeverson.
Até onde eu sei, o Janeverson é uma boa pessoa. Um amigo confiável, um cidadão politizado, um eleitor consciente, um voluntário em abrigos de velhinhos em suas horas vagas, que seja. Mas eu não gostaria de ser o Janeverson. Não é que eu odeie o Janeverson a ponto de pegar ódio de pessoas boas, ou carregue comigo um orgulho do tamanho do mundo que é incapaz de aderir a características que vão contra a minha natureza rancorosa – o que certamente explicaria porque qualquer tentativa de mudança poderia ocasionar um novo big bang. Apesar dos apesares, eu gosto de ser quem eu sou, e já não me sinto mais tão incomodado pelos Janeversons que cruzam o meu caminho. Porque por mais que eles sejam bonitos, inteligentes, bem sucedidos e emocionalmente maduros, daqui até a eternidade só haverá um Igor. Mentira, tem Igors aos montes por aí. Mas um Igor como eu, jamais haverá outro. Eu queria ser um Janeverson, mas ser o Igor é tão mais divertido... Não é? Hein?!


Maldito Janeverson...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha mela...

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ...

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento...