Quando
eu disse que queria passar no shopping antes da aula pra comprar um
caderno, a Lia imediatamente acatou a ideia. Aliás, essa é uma das coisas que
sempre uniram eu e a Lia, além do humor tragicômico: a companhia para criar
momentos especiais. Desde momentos infames, como apostar corrida ao deslizar
por uma rampa da faculdade usando pufs
como carrinhos de kart (e existe um
vídeo disso salvo em algum lugar dos confins do computador da Lia, que
obviamente ela postou no meu último aniversário), até o de passar no shopping
antes da aula para comprarmos cadernos.
Porque não era só mais um dia de
aula, e não era só um caderno. Era o último primeiro dia de aula, e o último
caderno que a gente ia ter. Eu já deveria ter me preparado melhor quando saí de
casa para me deparar com toda a inevitável nostalgia, até porque a faculdade
fica no caminho do shopping. E com exceção de alguns desvios de percursos para
voltar pra casa, foram três meses sem passar por ali. Três meses sem entrar
ali. Três meses, desde o fim do quarto ano. Desde o fim do penúltimo ano, da
entrega do TCC, da divisão da sala em ênfases, do estresse com a
clínica-escola, do medo de reservar uma sala de atendimento e sentar diante de outra
pessoa com o propósito de ajudá-la – e, quem sabe, ter algo interessante pra
compartilhar em orientações de estágio. Desde tudo aquilo, que diziam ser o ano
mais difícil, eu não pensava mais tanto naquele lugar.
Mentira. É claro que pensava. Mas
era tão abstrato como o nosso próprio fim. A gente só acredita quando, digamos,
algum acidente bizarro envolvendo uma telha despenca na sua cabeça, com todo o
peso que a realidade – e o amianto – poderia infligir em alguém. E então ali
estava eu, finalmente. Quatro anos, três abordagens, duas coordenadoras e um
TCC depois: passando em frente à faculdade momentos antes de voltar às aulas para
retomar os estudos do até então imaginário último ano. E a única coisa que me
separava daquela realidade era, claro, comprar um caderno. O último caderno
para o último primeiro dia. E a nostalgia atingiu em cheio tanto a mim quanto à
Lia, que não perdeu tempo em dizer quase ao mesmo tempo que eu o que aquilo
significava.
- O último caderno...
- É o começo do fim...
- Para o último primeiro dia...
- Do último ano...
- É o psico-lípse...
- O que?!
- É o psico-lípse, véi.
- Meu Deus... Você tem razão!
Outra coisa com a qual eu sempre
podia contar com a Lia, era que ela sabia o que eu queria dizer, mesmo quando
não sabia como. Ou então, ela sabia o que eu iria pensar, só de olhar pra mim
do outro lado da sala, quando algo ridiculamente engraçado para nós acontecia,
mas a distância era grande demais para avisar o outro mesmo assim. Ela só me
olhava, mas eu já sabia. Igual aquela vez em que:
- Cara, eu vi um negócio...
- Eu sei.
- Mas eu nem disse o que é.
- Mas eu sei o que você vai dizer. Eu já
vi.
- Ah... Então, legal né?! (ri, idiotamente)
- Sim! (ri, igualmente idiota)
E esse foi só um dos laços que criei
na faculdade. A Lia, por acaso, foi a primeira pessoa que eu conheci, quando as
aulas nem tinham começado ainda. A Lia foi a primeira “primeiro” que a faculdade me trouxe. A primeira amiga, que depois
de cinco anos, agora está tão aterrorizada quanto eu. Porque ela também sabe
que de agora em diante, serão poucos os “primeiros”
que teremos por aqueles corredores. Este será o ano dos “últimos”, começando pelo último primeiro dia e o último caderno.
Mais do que o começo do fim, estamos definitivamente diante do psico-lípse. Graduem-se
quem puder.
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