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Os três segundos


            Poucas coisas me remetem tanta raiva como quando o YouTube trava. Quer dizer, você se compromete com um contrato de internet que te dá sei-lá-quantos-mas-eu-lembro-que-é-bastante megabytes de velocidade, carrega o Facebook, o e-mail, três abas de pesquisas diferentes no Google sobre assuntos insignificantes, até finalmente se lembrar daquela música que você ouviu no trabalho e decidiu reservar um tempo para escutá-la propriamente.
            Aí você abandona tudo e vai pro YouTube, que te obriga a assistir cinco segundos de um anúncio qualquer - PS. saudades da era pré-anúncios do YouTube, quando éramos mais felizes e menos perturbados com propagandas com o inglês agonizante de Joel Santana ou de alguma webnovela sobre um casal de jovens japoneses - mas que você perdoa porque sua vontade de ver o vídeo é maior do que sua frustração com a ascensão do capitalismo virtual. Passados os tortuosos cinco segundos, o vídeo finalmente começa, toca três segundos e trava. Depois de tudo isso, ele trava!
            Não é a toa que a campanha a favor do desarmamento é tão fervorosa. Eu tranquilamente meteria uma bala no meio da minha CPU em uma situação dessas. Mas como não é o caso, me acomodo com a alternativa: engolir secamente o meu ódio da humanidade - e da aleatoriedade da funcionalidade dos meus cabos domésticos de fibra óptica - e, consequentemente, absorvo isso como uma metáfora para algum aspecto igualmente frustrante da minha vida pessoal. Ou, mais precisamente, sobre como um imprevisto de três segundos já foi capaz de destruir mais do que a experiência de assistir um vídeo, mas alguns relacionamentos também.
            Os três segundos de alegria seguidos por um travamento são equivalentes a três meses de alegria com alguém, seguidos por algum evento inesperado que te faz reavaliar tudo que você havia vivido até então. Como se, da noite pro dia, ela parasse de responder as suas mensagens por sabe-se-lá-qual-motivo. Porque um travamento, assim como o amor ou uma cólica de rim, não se explica: ele simplesmente acontece, e não há nada que você possa fazer a não ser aprender a aceitar e conviver com a agonia que agora tomará conta de você. Ok, convenhamos que com o amor não é uma calamidade tão instantânea; às vezes demora três segundos, às vezes demora três meses, às vezes demora dez anos, mas pode ter certeza que ela vem. E sim, eu admito a possibilidade de que talvez eu esteja ficando cínico demais para o meu próprio bem estar passional.
            Enfim, é o que acontece quando o YouTube trava.

***

            Outra coisa que acontece é quando três segundos de um evento A causam um certo efeito colateral sobre um evento B. Como quando eu acidentalmente assisti a entrada dos participantes do Big Brother desse ano na casa ao som de “Hey Brother” do Avicii, o que eventualmente destruiu qualquer possibilidade de que eu pudesse curtir essa música dali em diante. E como o verão é movido a músicas eletrônicas, era só um questão de playlists do YouTube até que esta pérola reaparecesse para mim - e fosse atropelada sem dó por uma pesquisa súbita por qualquer outra lista.
            Depois eu considerei o fato de que talvez eu não estivesse tão livre de mágoas e rancores como eu pensava. Sim, eu admito que não é preciso nenhuma página da web estar travada pra me fazer pensar na vida e reavaliar minhas escolhas. Eu só não pude deixar de perceber o quanto eu estava agarrado à lembrança de cinco segundos trágicos daquela música com aquela cena, que automaticamente estava entrelaçada com meus sentimentos de frustração e ódio pelo BBB, em vês de abrir mão disso para simplesmente escutar a música só pelo mérito dela. Ou então, escutar a música pacificamente como um ser humano normal, sem nenhuma lamúria existencial acompanhando a melodia. É, acho que eu preferia ser um desses. Mas aí eu não teria o que escrever, nem do que reclamar. E então eu iria viver do que?

            Eu sempre digo que tudo na vida tem que ser colocado na balança - relação custo x benefício - antes de ser adotado por nós. Eu prefiro carregar um pouco de frustração e tirar inspiração disso pra escrever do que ser uma pessoa feliz que escuta músicas normalmente durante o verão. E sabe por que? Porque o verão acaba e a música do Avicii só tem três minutos e meio. Agora caráter, isso dura pra sempre.

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