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A marcha ré emocional


  Dessa vez tudo começou mesmo com a marcha ré. Com a maldita marcha ré e aquela aula da auto-escola em que acabou aquela história de deixar que o instrutor leve o carro do ponto A para o ponto B, longe da civilização apressada e inconsequente para os confins dos bairros mais tranquilos e – curiosamente – recheados de placas de “Pare” a cada esquina. Mas naquela aula, não. Naquela aula me deram as chaves de um carro e me disseram pela primeira vez, “Quer sair dirigindo daqui?”. “Olha, querer querer mesmo eu quero. Mas acho que é mais uma questão de conseguir do que querer...” Aconteceu que aquela instrutora em particular não queria saber nem de “querer” nem de “conseguir” nada, e despreocupadamente entrou no carro no lado do passageiro. Ok, Deus, e agora? Fecho os olhos, e Você vai me guiando? Ou só coloco a chave na ignição e simplesmente tento? Levando em conta o olhar que a instrutora me deu, optei pela segunda opção.
  Aconteceu, também, que eu não estava em um dia particularmente bom. Por mais que meus dias sejam irreverentemente diferentes por natureza – um dia eu saio pra trabalhar, chego lá, cumpro minhas seis horas singelas de estagiário, e depois descubro que cortaram a verba do escritório e precisam fazer cortes de gastos, e que não há mais vagas para estagiários – aquele em especial foi difícil. Porque eu senti aquilo como um retrocesso muito grande. Um evento inesperado demais até pra mim, que sempre tento me preparar para o pior. Pois então, acho que eu não sei mesmo nada sobre a vida, inclusive sobre quais são as piores coisas que se pode acontecer com alguém. E como a vida é composta por um ciclo vicioso de dificuldades sem fim, aconteceu que no fim daquele dia, eu tinha uma aula marcada na auto-escola. A aula da marcha ré. O universo pode não ser muito justo, mas ao menos tem um senso de humor sensacional.
  O primeiro passo para tirar o carro daquele maldito ponto A era a marcha ré. Para tirar ele do estacionamento na calçada e inseri-lo no fluxo normal da civilização apressada e inconsequente. E ele estava em uma descidinha, claro, só pra não me ajudar. O que ninguém jamais vai te contar sobre aprender a dirigir é o quanto é difícil quando não se há prática anterior. Quanto a mim, eu nunca nem tive videogame – que, todo mundo sabe, tem ensinado crianças a desenvolver coordenação motora desde os Ataris dos anos 80.  Eu tive carrinhos de brinquedo, só que invés de dirigi-los pela casa ao som do meu próprio “vruum vruum”, eu preferia tacá-los na parede para tentar consertá-los depois. Tire suas próprias conclusões sobre isso, mas eu vejo isso como um sinal precoce de querer consertar coisas – e, eventualmente, pessoas. Por mais que eu mesmo tenha causado os acidentes e... Enfim, não é disso que eu quero falar. O problema era que, naquele momento, eu estava entre aprender a dar a marcha ré ou causar um acidente de verdade na avenida. E como eu sou o que sou, não pude deixar de chafurdar na ironia daquilo. Justo quando havia sofrido um dos maiores retrocessos na minha vidinha profissional em construção, ali estava eu: tentando tomar o controle da marcha cuja direção eu havia acabado de seguir emocionalmente, porém sem mostrar muita promessa de que daria conta daquilo. Eventualmente eu tirei o carro dali e segui o caminho da minha aula, assombrado pelos pensamentos de que eu já não sabia mais para onde eu estava indo na minha vida – enquanto minha instrutora apoiava esses pensamentos sem saber ao pontuar excessivamente minha desastrosa habilidade para dirigir. Eu já me senti perdido antes e sempre decidi continuar seguindo adiante até que algo ou alguém me ajudasse a voltar ao meu caminho, mas a experiência em si foi deveras perturbadora.
  Só que depois de alguns dias, algumas aulas e algum tempo, eu tive outro pensamento. Ou melhor, outra visão sobre o que não saber dar conta da marcha ré realmente significava. Porque quando se está dirigindo, dar a marcha ré não significa necessariamente que você está indo na contramão; significa que você está pegando impulso para seguir em frente. E por que então era tão difícil adaptar este mesmo conceito para a minha vida? Bom, pra começar, minha instrutora era péssima. Mas minha decisão de optar por outra pessoa para me ensinar a retroceder para seguir adiante, apesar de difícil e atrasada, finalmente veio e pra bem melhor. Segundo, por mais que eu estivesse me sentindo perdido em relação ao meu emprego, ou ao meu ano (como eu consegui complicar tanto a minha vida em 2014 enquanto ainda estamos só em Março?), ou ao resto da minha vida, eu percebi que talvez não estivesse andando errado afinal, mas que às vezes é preciso pegar um pouco mais de impulso para chegar mais longe. Eu não sei aonde vou chegar, mas se eu for adiante do mesmo modo que senti que retrocedi, então eu irei mais longe do que sonhei que poderia ir.

  Isto é, se eu lembrar de tirar o pé da embreagem depois de usá-la. Mas tem coisas que a gente só aprende com a prática mesmo.

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