Ninguém
deveria parar para pensar na vida quando se tem só 22 anos. Mas não me
entenda errado. Eu não quero dizer que jovens de 22 anos ainda não tiveram vida
o suficiente para ser refletida, ou para sentir remorso, arrependimentos... Ou
inclusive para ter crises. Mas naquele Sábado à noite, que não tinha nada de
especial caso fosse possível tirar um extrato dessa vida da qual estou falando,
onde seria possível grifar mais vezes do que deveria todas as outras noites que
já passei dessa maneira. Com as mãos no teclado, uma cerveja aberta do lado, e
uma dose irremediável de perdição latejando na minha cabeça. E é por isso que
eu escrevo. Não vai resolver muita coisa, tudo bem, e certamente não vai fazer
com que todos os meus problemas desapareçam. Mas na falta de um terapeuta 24
horas, ou de amigos disponíveis para desabafos em um feriado prolongado de
Carnaval, a carnificina emocional iminente que atingirá uma inocente página
branca do Word com os meus problemas é o que me resta. E lá vamos nós de novo.
Eu nem tenho certeza de como realmente começou.
Mentira. Foi num dia parecido com esse, nem tão afundado no calendário de 2013, em que eu estava me sentindo mal por
ter muito tempo livre. O ocioso tempo livre. O maldito tempo livre. O fardo do
homem branco e o seu tempo livre. Nada contra outras etnias, mas já que estamos
falando de mim, é a imagem de um branquelo insatisfeito que eu vejo refletida no
espelho. Ele e o seu maldito tempo livre. Eu acho que já escrevi por aqui, lá
atrás no calendário de 2013, o quanto eu não gosto de ter tempo livre. E vocês
vão perceber a ironia dupla disso assim que este post acabar, por mais que eu ainda não saiba como ele vai acabar.
Mas naquela época eu não gostava de ter tempo livre porque estava fatidicamente
apaixonado por alguém. Alguém que, naturalmente, não estava felizmente
apaixonada por mim, nem tampouco felizmente qualquer-coisa
por mim também. E toda a agonia e frustração e alcoolismo que isso acarretava
era o que acabava preenchendo o meu tempo livre. Eu tenho trauma de ter tempo
livre, e aparentemente de relacionamentos também. Mas isso é outra história
para outro post, quando eu tiver tempo. Rá!
E aí eu decidi encher a minha vida com
coisas. Do mesmo modo que eu enchi o meu apartamento com coisas quando fui
morar sozinho. Sabe, eu cresci com aquela noção familiar disfuncional de que
uma casa e um lar são duas coisas completamente diferentes, e a diferença está
nos detalhes. Precisamente, nas pequenas lembranças que você expõe e pendura
pela casa para dar aquele toque pessoal que faz alguém se sentir a vontade
quando entrar pela porta, começando pelo tapete com “Bem vindo” escrito. E a minha meta de vida, naquela parte da vida,
era ter um lar. O que explica bem os quadros, os tapetes, a mesinha pra
telefone, os brinquedos na estante, os porta-retratos, os bilhetinhos grudados
na geladeira. Explica até mesmo alguns contratempos que o apartamento sofreu,
como aquele rasgo no papel de parede da sala, resultado de durex que foi colado
ali para segurar balões azuis para a minha festa surpresa de aniversário. Ou
então, aqueles riscos na parede da sacada, que vieram de tanto eu e a Joyce ficarmos mudando as cadeiras de
lugar porque uma delas está menos inteira do que a outra, antes de sentarmos e
filosofarmos sobre, bom, a vida.
Enfim, cada canto desta casa tem uma
história, apesar de eu só morar aqui por quase três anos. Pensando bem, eu só
parei pra pensar nisso agora. Três anos. Meu Deus. Isso me deixa ainda mais
perturbado, considerando que ando refém de um estado mental de pânico por não
conseguir segurar a ansiedade de que tudo está acabando – e por “tudo” eu me refiro à faculdade, a ver os
mesmos rostos todos os dias, passar pelos mesmos corredores sem pensar que
haveria um dia em que não passaria mais por ali, e pela vida que eu me
acostumei tanto, mas tanto, que parece até um crime contra a natureza ter que
acabar, por mais que só faça parte de um processo natural. Mas não era sobre
nada disso que eu quero falar. Ou era? Não sei.
A questão é que, bom, eu não sei muitas
coisas agora. Considerando que o fim está próximo mas ainda não está aqui, isso
não significa nada para a minha ansiedade. Até porque o status quo também anda bem precário. Eu não estou no emprego que
gostaria. Eu não estou em um relacionamento. Eu não estou nem com a matéria da
faculdade em dia no meu caderno. E como o Igor é o Igor, o Igor fez o que ele
sabe fazer de melhor: mergulhou de cabeça no passado de cinco anos atrás para
tentar descobrir aonde foi que ele errou para ver se consegue arrumar o que
está dando tão errado agora. Acontece que o meu medo de encontrar um padrão
inabalável não foi nem páreo para a realidade, porque o que eu encontrei foi
bem pior: foi a inércia. A inércia, combinada com o fardo do tempo livre, mais
uma vez me deixou preso no tempo – e, ironicamente, me dando a sensação de ter
todo o tempo do mundo para resolver o que eu quero desta vida. Bom, vida,
chegou a hora da gente ter uma conversa. Senta aqui e abre uma cerveja também,
porque isso não vai ser fácil. Porque eu não sei o que eu quero de você, ou pra
mim, ou qualquer outra coisa que seja útil para essa discussão. O que me deixa
inegavelmente envergonhado. Eu já tenho 22 anos; eu deveria ter algum indício
de noção. Não é?
E então eu senti mil coisas. Como se a vida
que passou por mim até agora tivesse sido em vão. Como se a vida que está por
vir não chegaria porque eu ainda não resolvi o que fazer com ela. Como se eu
tivesse feito todas as escolhas erradas. Como se eu estivesse sendo sufocado
pelo atraso dos meus insights. Como se o universo fosse grande demais e, ao
mesmo tempo, pequeno demais para me suportar. E senti preguiça, claro, quando
tirei a pilha de roupa pra passar da minha cadeira e joguei em cima da cama
para usar o computador e aproveitar melhor o meu desespero. Talvez uma pessoa
normal jamais passaria por todos esses estágios e pularia direto para criar
vergonha na cara e passaria toda essa roupa. Mas não estamos falando de uma
pessoa normal, estamos?
Aí eu usei o meu tempo livre do meu Sábado à
noite alucinante para fazer o que nenhuma pessoa emocionalmente madura faria:
eu mudei os móveis do meu quarto de lugar. Por mais que eu não sentisse que
tinha algum controle sobre o que estava acontecendo com a minha vida ou para
que rumo ela está indo, eu ainda poderia ter controle sobre qual canto do
quarto eu quero que a minha cama fique para que o sol não estapeie a minha cara
quando nascer.
A ironia mor que lhes prometi é que, duas
semanas atrás, eu estava levando uma outra vida totalmente mais atarefada. Tão
atarefada, que ao fim de mais uma maratona diária de academia, estágio,
auto-escola, faculdade e tentativas de ter algo que parecesse uma vida
social, eu abri uma cerveja, sentei na
sacada – e obviamente risquei a parede ao me acomodar – e pensei comigo mesmo,
“Eu achei que esse dia não ia terminar.
Que saudade de ter tempo livre...” Rá!
Acho que essa é a graça que meus amigos e leitores veem na minha vida. Algo
sempre acontece. Relacionamentos implodem, telhas caem, estágios somem. E às
vezes coisas boas acontecem também. Mas apesar de se divertirem com isso, vocês
também me ajudam a catar os pedaços e começar de novo. Assim como alguns amigos
disseram, eu sempre consigo começar de novo e achar outra coisa. E outras
pessoas, e outros sonhos, e blá blá blá.
Que bom.
A verdade é que talvez eu não queria ser
muito feliz ou contente. Porque, e depois? Eu realmente gosto da jornada, da
procura... Essa é a graça. Quanto mais se está perdido, mais você tem a
esperar. Quem diria? Eu estou vivendo o melhor tempo da minha vida, e nem tenho
noção disso. É por isso, crianças, que não se deve pensar na vida aos 22 anos.
Muito menos se deve ficar em casa em um Sábado à noite.
P.S.
Este post foi, inconsolavelmente, patrocinado pela Heineken. Open your world.
Comentários
Postar um comentário