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O mau ano

Meu pai me disse uma vez que sua vida era matar um leão por dia. Eu, sendo a criança autodidata em mal-criação e sarcasmo que sempre fui, não botei muita fé nisso, e desmereci completamente sua teoria sobre a vida ser difícil porque, convenhamos, a minha não era. Felizmente ou infelizmente, eu cresci e aprendi um pouco mais sobre esse universo caótico, aleatório e ridiculamente irônico que a gente chama de vida, e aonde a gente faz o máximo que pode dentro das poucas horas que nos mantemos acordados (por mais que a gente também durma pouco) para continuarmos vivos.
   Porque, ao contrário do que eu sempre imaginei, a vida é mesmo matar um leão por dia. Ou dois, ou três, dependendo do quanto você é importante ou essencial para a sobrevivência de outras pessoas também. Como no caso do meu pai, que tem uma família para sustentar e negócios que dependem inteiramente dele para continuarem funcionando. Dependem tanto que quando finalmente abri meus olhos para querer tentar entender porque isso acontecia, eu me deparei com a incrédula dúvida: como ele consegue fazer tudo isso, sozinho? De fato, não consegue. Nenhum de nós consegue.
   Honestamente falando, parece que 2014 andou relendo algumas coisas que já escrevi aqui, sobre cada ano ter sido melhor do que o anterior na minha vida, e tomou como um desafio me contrariar. Foi o ano em que eu fui demitido, o ano em que parece que quando o amor me vê na rua, atravessa pro outro lado só pra não cruzar o meu caminho (ou, me deixa no vácuo quando eu tento puxar conversa ou chamo pra sair), e o ano em que o resto da minha vida parece ficar me cutucando excessivamente, como um valentão que diz, "O que você vai fazer comigo, hein? Hein?"
   Não é que eu seja um pessimista neurótico - quer dizer, nem tanto - porque sinceramente ainda acredito que a vida, o universo ou qualquer outra força que rege os meus dias, me protege demasiadamente bem. Mas assim como nossos pais, eu sinto que a vida também tem essa necessidade de me ensinar algumas lições, e sempre da maneira mais difícil. Eu nem a culpo, na verdade - além de autoditado em mal-criação e sarcasmo, sou irremediavelmente teimoso. Logo, é preciso que minha vida estivesse ligada no modo "difícil", pra que eu realmente aprenda na marra tudo o que preciso para me tornar uma pessoa melhor.
   Acontece, 2014, que você não vai conseguir. Tudo bem que ainda estamos em Março e essa sensação de que o mundo anda desabando debaixo dos meus pés a cada novo desastre que acontece não parece que vai embora tão cedo, mas apesar dos apesares eu ainda tenho esperança. Mais do que a necessidade de acordar cedo, tomar café umas cinco vezes para me sentir vivo de novo e sair para trabalhar e desentortar as minhas aspirações para o futuro, é a esperança que me faz levantar da cama e firmar os pés no chão de novo a cada novo nascer do sol. "Hoje vai ser um dia bom", eu digo. Às vezes eu sinto que dá certo, às vezes eu volto correndo pra casa, tranco a porta do quarto para que a vida não invada o meu espaço, e durmo de novo enrolado na minha negação e no meu cobertor favorito. "Hoje o dia está virado na zoeira". Bom, acontece. Quem decide sair de casa e viver está fadado a ser pego de surpresa pelo universo de vez em quando.
   Mas nem por isso a gente desiste. Quanto a mim, talvez maior do que a minha necessidade de trabalhar ou a minha esperança por dias melhores, seja a minha teimosia mesmo. O meu impulso incontrolável por querer desafiar as situações nas quais eu me meto e decidir que, por piores que as coisas estejam, eu vou dar um jeito nelas. Não sei como, não sei quando, mas eu vou. Eu não me lembro exatamente de quando foi que eu silenciosamente dei razão para o meu pai, sobre a vida ser esse negócio de matar um leão por dia; só sei que ultimamente é assim que tem sido os meus dias, os meus meses, o meu 2014. E por um lado tem sido bom. Se nada disso servir para que eu aprenda tudo aquilo que ainda preciso antes de terminar a faculdade e sair para tentar conquistar o resto do mundo, pelo menos serve para que eu sinta que a minha vida é interessante o bastante para render conversas com os amigos no bar.
   Sábio mesmo é o meu pai, que sempre soube disso tudo e tentou me preparar. Ops...

***

   E então, tem esses dias chuvosos em que eu acordo inspirado para ouvir a minha música favorita e me indagar existencialmente com a pergunta que o Bono me faz: “As coisas estão melhorando, ou você ainda se sente o mesmo?” Olha, Bono, eu não sinto que as coisas estão melhorando tanto assim, mas eu definitivamente não me sinto o mesmo.


   Dedicado ao meu pai, Marcio Moresca: o precursor de toda a minha esperança por dias melhores.

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