Eu reconheço que errei. Admito que
essas coisas levam tempo, paciência, trabalho... Entendo que nada muda de um
dia pro outro, talvez nem de uma semana pra outra, e, quem sabe, nem de um mês
pra outro. Considero que não me preocupei totalmente à toa, porque para toda
exaustão emocional sempre há um componente essencial para originar a combustão.
Nesse caso, calhou que o componente foi só ficar pensando por dias, semanas e
meses a fio sobre o que fazer com todo o resto da minha vida.
O que só
serviu para comprovar minha tese de que não dá pra passar tanto tempo assim
pensando na vida, especialmente quando se tem só 22 anos, ainda diante de todas
as possibilidades do mundo. Eu posso ser o que eu quiser. Posso sim. Tanto
posso continuar seguindo em frente, como posso jogar tudo pro alto e dar a
meia-volta nessa vida e acelerar na contramão só para causar um acidente do
qual eu jamais me recuperaria. Ou eu posso acelerar e sair da estrada, para
dirigir no mato e na terra pelo tempo que eu precisar, por mais tumultuoso que
fique, até que eu me sinta confortável com a ideia de voltar ao meu caminho de
novo. Isso faz algum sentido pra você? Eu entendo se não fizer. Até porque,
três dias atrás, nada fazia muito sentido pra mim.
A vida é
um presente estranho. Pode te proporcionar os melhores momentos do mundo, com a
mesma sutileza em que pode acabar com tudo com uma rasteira que te leva de cara
pro chão, e ainda aponta pra você e dá risada. Sim, esta é a vida, e diga o que
quiser sobre ela, mas ela tem um senso de humor afiadíssimo. A minha, pelo
menos, tem. E quando essa vida começou a parecer muito... Contraditória? Não...
Repetitiva? Não... Ah, sim. Já teve a sensação de estar andando para a frente,
enquanto continua parado no mesmo lugar? Pois então, é quase isso. Só que pior.
Quanto a
mim, tudo o que eu sentia era como se o passado estivesse me puxando cada vez
mais de volta para ele, como se estivesse tentando se esconder de um futuro que
está se aproximando rápido demais. Foi divertido, na verdade, até eu me
descuidar na nostalgia e escorregar em todas as lembranças que espalhei pelo
chão, só para me sentir perdido no tempo. Tudo isso porque é o último ano da
faculdade, porque o futuro parece incerto, porque toda e qualquer noção de
estabilidade foi perdida há algum tempo, e porque eu secretamente não quero que
esses momentos, que parecem ter sido os melhores do mundo, nunca acabem. Pode
não ser saudável, mas fica bonito se souber colocar em forma de poesia.
Enfim, a
sensação de que tudo está acabando e que não há nada que eu possa fazer contra
isso estava me sufocando. Como se o tempo estivesse passando rápido demais,
assim como as pessoas na minha vida e os lugares – ou, no meu caso, nos bares –
nos quais tento me agarrar para fingir que a vida vai continuar boa. Mas tudo
passa, até mesmo o horário de atendimento dos bares nas redondezas da
faculdade. A vida parecia breve demais, o universo parecia abstrato demais, e
Cascavel parecia pequena demais. Então eu finalmente fiz o que qualquer pessoa
emocionalmente madura faria: eu voltei para casa. Assim como toda exaustão
emocional possui um componente original, toda crise existencial possui um marco
zero. E o meu marco zero fica em Londrina, há 365 quilômetros e cinco anos de
distância daqui, quando eu me formei no Ensino Médio e decidi que aquela vida,
ironicamente, estava pequena demais também. E já que me sentia como se
estivesse retrocedendo na vida, por que não dar ré em todo o caminho de volta
ao começo?
Foi o que
eu fiz. Eu voltei para casa pra ver minha família, para matar a saudade da minha
cidade, e para bater palmas para um amigo em especial que estava se formando.
Um amigo que, ironicamente, eu não esperava que passasse pelo teste do tempo,
mas ali estávamos: escolhendo uísques juntos para levarmos à comemoração da sua
graduação. Ele havia conseguido; cruzou a linha de chegada e estava brindando
por todo o sucesso que havia alcançado, e por toda a perspectiva que o
inspirava para o futuro. Quando eu vi meu amigo subir no palco para receber os
aplausos dos companheiros de sala, dos amigos de colégio, da família e convidados,
dois pensamentos me vieram à mente: “Que
bom, ele conseguiu!” e “Ah não, eu
sou o próximo...”. Como pouco ironia na minha vida é bobagem, ele também
iria embora de Londrina, e nós não nos veríamos mais tanto assim. Quando eu
perguntei como ele havia descoberto vida após a faculdade, ele me disse:
- Pensei nisso
em Janeiro.
- Janeiro do
ano passado, do seu último ano?
- Não, Janeiro
agora. Escolhi uma pós-graduação em Curitiba e pronto. Já viajo semana que vem.
- E como se
sente sobre isso?
- Cara, não
sei. Só sei que vou... Não pense tanto sobre isso. Mate a graduação primeiro,
depois você vê o que faz.
E então,
simplesmente assim, eu ouvi tudo o que precisava ouvir. Que eu não precisava
esquentar a cabeça com um plano. Que o meu futuro não estava perdido só porque
eu não sabia defini-lo no presente. Que eu ia ficar bem...
Por três
dias, eu vi o outro lado desta vida passar diante dos meus olhos, completa com
todas as escolhas diferentes que eu poderia ter feito se tivesse ficado por lá.
Felizmente ou infelizmente, eu gostei do que vi, mas não ao ponto de me
arrepender por ter ido embora. Eu precisava ir embora. Londrina havia se
tornado pequena demais para suportar todos os meus questionamentos a respeito
do que fazer da minha vida. Eu precisava de algo a mais, e aí veio Cascavel –
que bagunçou tudo ainda mais, só para me lembrar de que nada na vida é organizado
ou linear. Eu posso morrer amanhã, bem como eu posso aproveitar melhor o hoje. Eu
não posso mais continuar me incomodando com coisas sobre as quais eu não tenho
o controle. Começando pelo tempo que passou, até o tempo que está por vir.
Ironicamente, eu já perdi muito tempo com isso, e só o que causou foi aumentar
a minha barba e o meu consumo por comprimidos para dor de cabeça. A barba eu
vou conservar por razões sentimentais, mas as lamúrias existenciais acabam
aqui.
Nos três
dias que passei em Londrina, eu revi velhos amigos que continuam comigo até
hoje, outros que por algum motivo seguiram caminhos diferentes, e alguns que o
tempo simplesmente afastou. Eu visitei lugares que fizeram parte da minha
história, e conheci outros que serviram de cenário para o ato final do meu
ensaio sobre o futuro. Eu me senti amado, importante, significativo e
pertencente a todos aqueles lugares e aquelas pessoas de novo, o que agora me
faz pensar que eu poderia muito bem voltar para casa sem sentir que seria um
retrocesso, mas um retorno à forma. Não necessariamente querendo dizer que
Cascavel foi um desvio, mas foi o caminho que eu precisava trilhar naquele
tempo, naquela hora. Eu nunca fui mestre na arte de ser o cara certo no lugar
certo, na hora certa. Talvez por isso eu vivo me perdendo nesses debates
inúteis contra a rapidez do tempo e a aleatoriedade da vida. Só que na maioria
dos dias, eu me sinto bem por tudo isso e até durmo tranquilo, seja lá em qual
das cidades eu esteja. Se tem um fator crucial que vem desafiando o tempo e a
vida por todos esses anos, é que eu sempre fico bem. E, definitivamente, agora
não é a hora para duvidar disso.
E aí,
depois de três dias em casa, remexendo meu passado, eu voltei para casa, para
tentar endireitar o meu presente. Tire suas próprias conclusões sobre isso, mas
faz sentido pra mim. E mesmo que não faça, só o futuro dirá...
***
Às vezes
você precisa abrir mão de quem você foi, para se tornar quem você será.
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