(Enquanto isso, em Abril de 2030...) Crianças, eu vou contar para vocês uma
história incrível: a história de como eu conheci a sua mãe.
Tudo começou há vinte anos, em 2010, quando
eu me inscrevi para o curso de Psicologia
em uma faculdade em Cascavel.
Faltavam apenas alguns dias antes do começo das aulas, quando alguém me
encontrou comentando em um fórum de calouros do curso no Orkut (uma rede social que não é muito diferente, nem no layout e
nem na zoeira, do Facebook de hoje) e
me adicionou. Ela era uma caloura também, tão constrangida e envergonhada
quanto eu, e que também estava tentando não se perder no mar de rostos
desconhecidos que iria alagar a faculdade no primeiro dia de aula. O nome dela
era Lia, e apesar de algumas conversas básicas do tipo “da onde você é?” e “do que
você gosta?” para tentarmos nos conhecer, ainda demorou uma semana para que
nós realmente trocássemos palavras um com o outro. E eu me lembro como se fosse
ontem:
“Pessoal, formem grupos de estágio com até
cinco pessoas!”
- Ei, Igor, você já tem grupo?
- Comentei com essas duas meninas que conheci
agora, Luciana e Ellen, de fazer junto com elas. Quer entrar também?
- Pode ser.
Crianças, é engraçado refletir sobre como
amizades começam, especialmente quando já se está há tanto tempo na estrada com
essas pessoas. Para nós parecia improvável dizer que, apesar de estudarmos
juntos, ainda passaríamos mais tempo juntos do que poderíamos imaginar. Ou que
descobriríamos mais coisas um sobre o outro do que pensávamos que poderia existir.
Ou que, a partir daquele momento, começaríamos a compartilhar alguns dos
momentos mais importantes das nossas vidas. Mas foi exatamente o que aconteceu.
Porque assim que a Lia e eu começamos a perceber o quanto tínhamos em comum,
desde o humor negro até a incapacidade de segurar risadas durante a aula, só
uma coisa começou a realmente importar: a zoeira. Como na vez em que eu a Lia
estragamos um abaixo-assinado que o pessoal da nossa sala criou para adiar uma
aula de sexta-feira para que todos pudessem viajar durante o fim de semana... E
em vês de só assinar e passá-lo adiante, nós criamos um nome e um número de
registro falsos para anular toda a campanha. “Quem é José Queroteraula?!”. E rimos, rimos, rimos muito. E só
estávamos começando.
Eu e a Lia nos divertíamos muito, e com toda
a zoeira e as conversas logo vieram os momentos que nós sequer considerávamos
que seriam lembrados até hoje; como a vez em que a Lia brigou com a mãe dela e
pediu se podia ficar na minha casa até a poeira abaixar, ou o primeiro dia de
aula do segundo ano em que levamos uma classe de calouros para o bar, ou a
maratona de “How I Met Your Mother”
que fizemos em casa enquanto bebíamos uma dúzia de Heinekens (que acabou com a
Lia vomitando no meu sofá, coisa que eu só fui descobrir um ano depois). Mas
nem tudo foram risos; eu a Lia brigávamos bastante. Porque às vezes ela achava
que eu não a considerava tão importante, ou então eu sentia que ela era um
pouco grossa. Coisas bestas de se pensar hoje em dia, mas que fizeram com que
eu e ela não conversássemos por meses. Só o que nos trouxe de volta foi o
aniversário da Luciana – sabe, crianças, como nossa tradição de comemorar os
aniversários do nosso grupo começou? Com o da Lia, que por acaso era perto do
da Ellen também, mas que era mais fácil (e barato, já que éramos pobres) de
comemorar tudo junto. Fomos ao shopping tomar caipirinhas e comemorar os 18
anos da Lia, com direito a um bolo de aniversário feito com restos de ovos de
páscoa que compramos em cima da hora, e um fósforo que usamos para que a Lia
fizesse um pedido (porque esquecemos de comprar velas). Foi uma noite bem
especial. Quer dizer, menos pra Luciana. A Luciana estava a caminho de Cascavel
quando o ônibus dela foi assaltado e eles tiveram que dar meia-volta. Mas isso
é uma outra história. Ela estava lá em espírito – e na marcação que fizemos
dela depois na foto, em um pedaço de chocolate.
Crianças, por mais que eu a Lia brigássemos,
e talvez ela ainda não tenha me escutado dizer isso, ela sempre foi especial.
Ela foi a primeira amiga que eu fiz na faculdade, e a que sempre esteve comigo
desde então. Ela estava lá quando o avô de vocês brigava comigo (e não foram
poucas as vezes). Ela estava lá quando eu tive o meu coração partido. Ela
estava lá quando eu fui demitido. E além de tantas outras vezes (como da
vez em que terminei meu primeiro namoro, ou quando me acidentei com aquela telha, ou quando fomos comprar nossos últimos
cadernos para a faculdade),
mais do que nunca a Lia sempre esteve lá por mim quando criamos nossa maior
tradição: a Bro night, ou, a noite de tomar chopp até um dos dois não aguentar
mais, enquanto reclamávamos sobre nossas vidas miseravelmente juvenis. O mais
engraçado disso, crianças, e eu me lembro como se fosse ontem, é que isso
começou em uma época em que a Lia e eu achávamos que não estávamos em uma fase
tão boa assim. Não éramos populares, não tínhamos sorte no amor, e passávamos
tempo demais assistindo séries e sendo ridiculamente nerds. E num piscar de
olhos, parece que tudo mudou: de repente estávamos frequentando festas, e sendo
procurados por pessoas que queriam ser nossos amigos, e até mesmo com
dificuldades para encontrar tempo na nossa agenda para nos encontrarmos para
beber. E o que começou como um brinde por tudo o que esperávamos da vida, se
tornou um brinde por nós e tudo aquilo que já conseguimos. E, como vocês sabem,
é uma tradição que vive até hoje. Foi um caminho e tanto para chegar até aqui,
mas eu jamais me esquecerei, crianças, de quando aquele pedido de amizade
apareceu na tela do meu computador, e mudou para sempre o rumo da minha vida.
E foi assim que eu conheci a sua tia Lia.
Não se desesperem! Eu ainda vou chegar na
parte de como eu conheci a mãe de vocês. Mas a verdade é que, se eu não tivesse
conhecido a sua tia Lia, provavelmente eu não teria vivido tantas experiências
e aprendido tanto sobre a vida, de um jeito que só uma amizade verdadeira poderia
providenciar. Se não fosse pela tia de vocês, eu não seria o homem que eu
precisava ser para que, quando a sua mãe aparecesse, eu estivesse pronto para
valorizá-la. E ninguém me ensinou sobre como valorizar uma pessoa especial,
como a sua tia Lia.
E é por isso que hoje, no aniversário dela,
eu preciso que vocês venham pagar a nossa fiança. Fomos presos por dirigir
embriagados pela cidade usando máscaras de “troll
face” enquanto cantávamos a música-tema de “Pokémon”... E valeu a pena.
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