Quando
eu cheguei no trabalho naquela manhã, a porta estava fechada. Não trancada,
só fechada com um peso por de trás da porta que impedia que ela fosse aberta de
fora pra dentro. Parecia razoável bater na porta e esperar que alguém tirasse o
peso e a abrisse para mim, se não fosse por um pequeno detalhe: eu não estava
tendo um dia razoável. E foi assim que eu me abaixei e enfiei minha mão por uma
fresta da porta para tentar empurrar o peso para trás, para que eu conseguisse
abri-la. Claro que não deu certo, e fez um barulho tremendo que chamou a
atenção de todos que estavam lá dentro. Quando uma das minhas colegas abriu a
porta, a indignação na cara dela era inegável:
- Nossa!
Não podia esperar um pouco para que alguém aqui abrisse a porta?
Pensei um pouco antes de responder, mas
claramente não havia pensado o bastante quando respondi:
- Não
posso tentar abrir a porta sozinho?
- Mas não
é mais fácil deixar que alguém abra a porta pra você?
Pensei um pouco antes de responder de novo,
até que meu sorriso plastificado cobriu meu rosto e lhe devolveu um "Bom
dia!" sincero, porém forçado e levemente babado com sarcasmo.
Quando eu finalmente entrei para trabalhar,
eu não pude deixar de pensar naquele momento. Ou então, mais precisamente, no
momento em que eu parei e analisei a porta antes de tentar arrombá-la, em vês
de me colocar a mercê da boa vontade de outra pessoa que pudesse, ou quisesse
abri-la. Eu poderia ter esperado. Eu deveria ter esperado, mas não o fiz.
Porque se tem uma coisa que eu aprendi com a vida, ou então, com todos os
momentos que tive ultimamente antes mesmo de me posicionar na frente daquela
porta fechada naquela manhã quebrada de Quinta-Feira, é que se eu quisesse que
uma porta se abrisse, eu deveria fazer tudo o que eu podia - exceto, claro,
depender de outra pessoa para isso.
Eu já comentei aqui o quanto eu gostaria de
ser uma pessoa normal, que passa mais tempo traçando, planejando e conquistando
metas relevantes de vida, do que uma pessoa neurótica e ligeiramente egocêntrica
que toma qualquer evento cotidiano como um reflexo metafórico da sua própria
existência complicada. Mas, como eu já disse antes, a gente é o que a gente é.
E naquele momento, naquela manhã, eu era alguém imensuravelmente incrédulo com
a possibilidade de que aquela porta, ou qualquer porta, pudesse se abrir para
mim sem que eu tentasse forçar a minha entrada. Porque portas não se abrem tão
facilmente assim, pelo menos não para mim. Ironicamente ou não, meu mundo anda
repleto de portas fechadas ou trancadas, e molhos de chaves que estão perdidos
em algum lugar da minha casa e que eu simplesmente não consigo encontrar.
Talvez, em uma ironia ainda maior, elas apareçam quando eu decidir me mudar e
coloque toda a minha vida daquele espaço em caixas que serão carregadas porta
afora, só para descobrir que elas estavam debaixo da geladeira ou atrás do sofá
esse tempo todo. Mas agora que eu as encontrei, já não preciso mais delas.
Porque eu não precisaria mais abrir as portas que elas foram feitas para abrir.
Neuroses a parte, isto parecia ser uma
metáfora boa demais para passar despercebida, apesar de todo o meu mau humor e
falta de fé na humanidade. Confesso que o café ainda não estar pronto quando eu
entrei para trabalhar também colaborou para isso. Talvez tivesse sido melhor
não ter tentado arrombar, ou pedir ajuda, e simplesmente ter ficado em casa.
Com a porta do meu quarto trancada, para não arriscar que a vida entrasse
sorrateiramente e me puxasse de volta para as loucuras e as vaidades das
pessoas e do resto do mundo lá de fora. Ou talvez, com 22 anos, eu já deveria
estar mais ciente dos riscos e das responsabilidades iminentes que me aguardam
quando eu decido abrir a porta da minha casa para me aventurar no mundo lá
fora, assim como eu a abro para deixar que outras pessoas entrem e se sintam
automaticamente confortáveis para compartilharem da minha vida. Ou talvez
portas sejam só portas e eu só precise mesmo de um copo de café.
Não... Eu sei o que eu preciso. A verdade é
que depois de anos de aparecer na porta das pessoas erradas, ou de baterem a
porta na minha cara e mandarem que eu caísse fora dali (e para isso não é
preciso gritar ou ser desrespeitoso; nada é tão eficaz para mostrar a alguém
que ela não é bem vinda ali do que silenciosamente não acolher sua presença),
eu ainda espero que uma porta se abra. Eu ainda espero que a sua porta se abra.
A porta do lar que eu sempre quis ter, com a pessoa com quem eu sempre quis
estar, do jeito que eu sempre sonhei que poderia ser. Mas quando eu tiro tempo
para fugir da realidade e me percebo no espelho, eu não consigo deixar de me
ferir cada vez mais quando vejo que aquele reflexo não possui mais os mesmo
sonhos, a mesma esperança, o mesmo amor. A verdade é que eu me perdi, e já nem
me preocupo mais tanto em achar a porta certa. Pelo contrário, ando batendo
desesperadamente na porta de todas as pessoas que vejo, desejando inutilmente
que alguém se incomode o bastante para espiar o que está acontecendo comigo ali
fora e diga, "Eu sei que você não está bem. Acho que você precisa
descansar. Eu vou cuidar de você. Quer entrar?". É, é isso que eu quero.
Se ao menos eu não estivesse tão cansado de esperar e não tentasse arrombar
todas as portas que vejo pela frente, quem sabe eu já não teria chego
finalmente ao lugar certo, na hora certa.
Não há nada mais satisfatório do que ter
alguém abrindo uma porta para você. Não sei explicar melhor do que isso, mas
talvez seja porque ando afobado demais para entrar. Eu só quero ser feliz.
O café ficou pronto; já é um começo. Bom
dia.
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