Eu levo
uma vida complicada. Dessas do tipo que precisa ser
constantemente refletida, desesperadamente sentida, incomensuravelmente
significativa e, por que não?, irremediavelmente escrita. Capítulo por
capítulo, vírgula por vírgula, e amor por amor. Uma vida com complicações
difíceis de serem explicadas, do tipo que acaba quase sempre sendo omitida ou
justificada ridiculamente quando encontro alguém na rua que não vejo faz tempo,
e que me pergunta se está tudo bem. Eu não me lembro mais de quando foi
exatamente que eu decidi deixar essa vida complicada um pouco mais autêntica,
na esperança de que isso talvez facilitasse as coisas, e passei a ser
dolorosamente sincero com as minhas respostas.
- Tudo
bem?
- Não.
- Por
que?
- Ah,
é complicado...
Eu
também não me lembro ao certo de quando foi exatamente que eu abandonei este
instinto de justificar constantemente minha condição sine qua non de levar uma vida complicada. Talvez tenha sido quando
eu finalmente me convenci de que esse tipo de conversa geralmente partia de
alguém que não participa muito ativamente da minha vida, e que perguntou como
ela está por mero impulso. Claro que é uma generalização banal, motivada pelo
meu descontentamento crescente com a complicação que exala dos meus olhos
Machadianos de ressaca, e que apesar dos apesares, algumas pessoas talvez queiram
mesmo saber como eu estou. Mas o que acontece agora não dá muita brecha para
estas pobres vítimas do meu sarcasmo engatilhado.
- Tudo
bem?
- Não.
- Por
que?
-
Ah... Porque não.
Você
não quer saber. Eu tenho certeza disso. E eu não quero contar. Sabe por que?
Porque é complicado. E pessoas não gostam de coisas complicadas. Coisas
complicadas causam caretas, ranger de dentes, constrangimento e, vez por
outras, indignação de ambas as partes: da pessoa que está desabafando os
desdobramentos infinitos da sua existência complexa que descobre que seus
problemas parecem ainda maiores em voz alta, e da pessoa que está ouvindo e que
se arrependeu de ter perguntado sem pensar no que diria caso a resposta fosse “não”. Engraçado como a gente nunca sabe
bem o que dizer para alguém que diz “não” a algo tão simples como isso. Mas eu
não gosto de mentir. Pode não ajudar muita coisa no contexto da complicação da
minha vida, mas pelo menos não adiciona nenhum peso adicional por querer fingir
que “sim, a vida vai bem”,
acompanhado por um interesse igualmente instintivo pela sua vida também.
Felizmente,
eu tenho pessoas na minha vida que aceitam toda a minha complicação, e ainda a
convidam para sair e tomar alguma coisa nos finais de semana. Eles podem não
estar lendo isto, ou sequer leem algum capítulo que transcrevo aqui, mas estão
constantemente comigo de algum jeito. Atravessando a complicação com toda a
coragem e determinação que conseguem reunir, só para não me deixarem sozinho. E
eu entendo porque eles fazem isso. As vidas deles são complicadas também. A de
todo mundo é, Igor. O que faz os seus problemas serem maiores do que os das outras
pessoas? Eu não sei. Talvez porque eles são meus...
Talvez
as melhores pessoas sejam mesmo complicadas, que levam vidas difíceis recheadas
de problemas esquemáticos e obstáculos infinitos. Talvez aquela noção de que
existem pessoas simples por aí com vidas pacatas, cujos maiores problemas são
os complexos de ócio criativo que inventam, seja apenas um mito. Eu posso não
ter uma vida fácil, ou particularmente rica, ou até mesmo vagamente linear, mas
sempre tenho assunto para puxar conversa na mesa do bar. Se faz tempo que a
gente não conversa, e você me perguntar como eu estou, e estiver disposto a
enfrentar meu sarcasmo inicial, pode ter certeza que ouvirá muitas histórias. E
você vai rir, porque se tem algo em que eu sou bom é em conseguir enxergar a
graça na minha vida. Pode ser muito complicada, mas é deveras irônica. E eu
tenho essa queda irremediável por ironia que não me deixa evitar ver o quanto o
universo é muito engraçado, mas que algumas vezes a piada sou eu. Eu e toda a
minha complicação.
Quem
sabe só o que me falta seja alguém tão complicada quanto eu, para me ajudar a
esclarecer essas coisas. Capítulo por capítulo, vírgula por vírgula, amor por
amor.
Magnífico! Sua escrita tem uma personalidade intrigante e totalmente sua, tenho reparado isso. De fato a inspiração veio para ficar...
ResponderExcluirA proposito;
Tudo bem contigo? (huiahuia)