(Baseado,
aleatoriamente, em fatos quase reais. Ou não.)
Além de
todas as neuroses, contradições e má sorte, minha vida também é fortemente regida por músicas. Sejam os
clássicos dos anos 80, as 25 mais tocadas das últimas semanas, temas de
comerciais de televisão, ou apenas alguma melodia cativante que eu escutei
durante alguns instantes que passei dentro de alguma loja de departamentos (Nota #1: Obrigado, Renner, por me dar “She’s
Only Happy in the Sun” do Ben Harper, quando fui pagar meu boleto atrasado essa
semana). Enfim, toda a minha vida são músicas. Não necessariamente as
melhores músicas do mundo, muito menos as que agradam as visitas da minha casa.
Mas a casa é minha, o pen drive é meu, e vamos ouvir o que eu quiser,
combinado?
Mas ao tentar relembrar de onde tirei a
minha paixão por trilhas sonoras, me lembrei de um clássico em especial que a
minha mãe – já batizada aqui como a padroeira da minha carreira de pseudo-escritor – sempre comentava que
era a sua favorita. Um clássico dos Eagles que, segundo ela, se tratava de uma
história de amor acompanhada por uma melodia belíssima, mas que em versões
acústicas também não deixava a desejar nem em sua mensagem, nem em seu amor.
Felizmente ou infelizmente, meu instinto curioso de ser – que invariavelmente
também será a possível causa do meu fim – resolveu pesquisar sobre aquela
música e o que aquela letra realmente dizia; já que eu não podia cantar junto
porque, segundo minha mãe, “aprenda a
apreciar a música sem estragá-la, Igor...”. (Nota #2:se eu tivesse dado mais ouvidos à minha mãe do que ao meu
egocentrismo desprovido de habilidades musicais, talvez não teria me envolvido
em uma briga com a vizinha de baixo por conta do volume da música, e da
embriaguez da minha voz que estava tentando superá-la. Caso esteja lendo isso,
minhas sinceras desculpas, pessoal do apartamento 215).
Enfim, o que eu descobri sobre aquela música
meio que destruiu os sonhos da minha mãe. Cá entre nós, quem ouve Hotel California sem saber o que a letra
diz certamente poderia concluir que se trata de uma história de amor, baseado
na melodia leve e na voz suave do vocalista... Se não fosse pelo detalhe de que
isso realmente se trata da história de um hotel mal assombrado por lembranças
de depressão, arrependimentos e amores perdidos. Sinto muito, mãe. Mas não fui
eu quem escreveu a letra. Eu só traduzi.
Claro que isso não foi consolo nenhum para a
minha mãe, que ficou incrivelmente desolada por alguns instantes, tentando
digerir o mal estar que a realidade daquela música que ela escutava por anos
subitamente lhe causou. Mas quis a vida, que é aquela eterna brincalhona sem
graça que eu não me canso de xingar – porém reconheço que jamais chegarei aos
pés das suas habilidades de atribuir ironia fina às minhas grossas desventuras –
que alguns dos meus sonhos fossem destruídos juntamente à imagem que a minha
mãe tinha daquela música. “Esta era a
música que seu pai dedicou para mim. Era a nossa música.” Obrigado, vida,
por jamais deixar que minha curiosidade, meu sarcasmo e meu egocentrismo saiam
impunes de qualquer coisa em que eu encoste a minha fútil existência. E então
eu tive aquele momento de epifania que costuma acompanhar meus surtos de
egocentrismo para com qualquer coisa em que eu encoste a minha fútil
existência: minha vida é como o Hotel
California – uma canção que, até aonde eu imaginava, se tratava de uma
história de amor, enquanto na verdade fala de tristeza, amargura e solidão. E
antes que você revire os olhos, faça uma careta, e me xingue mentalmente, eu
admito que talvez eu possa estar exagerando. Talvez.
Veja bem, talvez nem tudo seja tristeza,
amargura e solidão, mas a minha visão de mundo, de homem, e da vida está
definitivamente embaçada. Porque a vida de ninguém é um mar de rosas, ou um
musical em que tudo dá certo no final e culmina em um grand finale, ou uma história de amor com o final feliz que a
Disney me prometeu, e que a indústria pornô descaradamente perpetua. Mas –
digamos que este devaneio irracional faça algum sentido – caso o Hotel California realmente represente
uma metáfora para a minha vida, e o modo distorcido de como eu a percebo, de
qual maneira eu poderia significar isso que irá me deprimir menos? Eis que
surge aquela faísca de otimismo, que vez por outras eu sinceramente acredito
que perdi, baseado nas idiotices que eu falo, as indiscrições que eu cometo, as
irracionalidades que eu escrevo, e os romances imaginários que eu sinto. Se o Hotel California não se trata de uma
história de amor, com todo aquele sentimento que a minha mãe construiu e que eu
herdei, isto significa que aquela melodia, aquela voz, aquela calmaria, não
significa mais nada?
A verdade é que a canção ainda é a mesma,
tão clássica e harmoniosa em sua melodia
quanto em versões acústicas, e que tudo na vida é subjetivo. Porque as coisas
como a vida, músicas, amores e arrependimentos só dependem de nós para serem
reproduzidos ou não. Para serem importantes ou não. Mas só porque nós sentimos
algo de um jeito, e este jeito por ventura acabe não nos dando o suporte que a
gente esperava, isto não significa que este algo se torne oco, vazio, infame.
Também não significa que haja um jeito certo
de sentir as coisas, as músicas ou as pessoas. Só significa que... Eu não sei.
Eu não sei o que significa. Eu só sei que,
depois daquele momento de desolação, minha mãe não abandonou a sua canção. Pelo
contrário, ainda se dedicou a programá-la como o toque do celular. Enquanto eu,
que nunca fui tão fã dos Eagles nem nada, de repente comecei a escutar a música
mais do que nunca. Eu também não sei o que isto significa, e dispenso as
interpretações freudianas. Prefiro ir dormir acreditando que há mais em minha
vida do que eu ainda sou capaz de enxergar, do que eu acredito que esta canção
meramente diz. Que nada é de um jeito só, e que tudo é possível. E que, acima
de tudo, eu preciso fazer alguma coisa quanto ao meu egocentrismo exacerbado,
antes que eu mesmo me engula – o que seria uma contradição, o que seria uma
ironia, que é do que essa vida se trata.
Eu poderia ser só uma pessoa normal que ouve
uma música qualquer e se basta no conforto da simplicidade do ser, sem
ramificações sócio-histórico-culturais. Mas não. Eu preciso ser o Igor.
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