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A segunda opção


   Eu gosto de pensar que sou fiel às minhas escolhas. Isto é, até elas me traírem e deixarem de serem símbolos do meu caráter, para significarem apenas mais um exemplar da minha coleção de arrependimentos. Parece que eu tenho uma capacidade espetacularmente infalível de me perceber entre a opção certa e a duvidosa, e correr para o lado duvidoso enquanto os gritos de desespero da certa vão se abafando com a distância. Isto certamente explicaria porque eu passo grande parte do meu tempo deixando oportunidades únicas passarem, ou insistindo que o meu jeito torto é capaz de endireitar até mesmo o mais distorcido raciocínio que me levou a produzir uma resposta incompleta, ou – por que não? – amando as mulheres erradas. Mas apesar dos erros – que até o presente momento não foram poucos, incluindo este post infame – eu me mantenho leal a eles. Se o capitão do Titanic manteve-se firme em seu posto ao decidir afundar junto com o navio, eu também devo me manter firme em minha insensatez e me afundar junto com este post.
   Por me sentir tão fiel às minhas escolhas, mais vezes do que poderia, meu potencial tende a sair perdendo em quedas-de-braço para as quais meu orgulho o desafia. E não há nada mais teimoso do que um egocentrismo exacerbado para destruir qualquer possibilidade promissora que apareça em seu caminho. Quer dizer, salvo as vezes em que o destino – que me parece ser cada vez mais uma instância mitológica, como um unicórnio ou um amor que dura a vida toda – também insiste em dar mais uma chance para que a minha vida se acerte, por mais que eu deixe as oportunidades mais raras passarem. Mas apesar de ser indiscretamente protegido pela vida, chega um ponto em que não é mais possível continuar dependendo de coringas para ser salvo de uma mão ruim, logo após ter descartado um às. E que o privilégio de uma segunda opção nem sempre estará ao meu dispor.
   O que eu quero dizer com tudo isso? Às vezes parece que a minha vida tem sido uma sucessão incomensurável de erros, com raras exceções e muito mais sorte do que eu sou capaz de admitir entre um desastre e outro. E são nessas ocasiões em que eu me percebo sendo arrastado para um devaneio irresistível chamado E se.... “Se eu tivesse continuado em Londrina, o que teria sido de mim? Se eu não tivesse abandonado Jornalismo, já teria me formado, mas estaria trabalhando? Se eu não tivesse te convencido de que não era o cara para você, talvez ainda estaríamos juntos, mas estaríamos felizes?” Questionamentos com tons futuros são um pouco perigosos de se fazer em voz alta, porque pode dar a impressão de que você não está necessariamente contente com o que destino – aquele que, até então, você botava fé de que estava cuidando de você – insistiu que era o que estava alinhado para você.
   A ironia – caso estivessem com saudade dela – de tudo isso é que, mais vezes do que eu gostaria de admitir, eu mesmo me percebo como a segunda opção de alguém. O “quase” de alguém. O “não arrumei nada para fazer, vamos sair?” de alguém. O “a gente não manda no coração, mas existe alguém ainda melhor que eu para você” de alguém. Enquanto eu me sinto incomodado por desdenhar da mão que a vida tirou para mim, também existem as vezes em que eu sou impensadamente descartado por outras pessoas. Pessoas que se sentem com a mão cheia de descartes, e que se precisarem de mim, podem esperar que eu apareça novamente acima do deck de cartas. Porque eu sou tão ordinário que é só uma questão de tempo para que eu volte. Tão ordinário, que não fecha nenhuma canastra. E eu não posso reclamar, porque também não me orgulho de já ter escondido coringas de volta no deck só pela frescura de não querer sujar a minha canastra, por mais que estivesse ciente do valor deles.
   O lado bom dos meus devaneios é que, por mais que eu sinta que posso me perder neles, são eles mesmos quem acabam por me trazer de volta à realidade. Precisamente, a realidade de que ir embora de Londrina, abandonar o curso de Jornalismo e me separar de você foram decisões inteiramente minhas. Claro que houveram protestos, questionamentos acerca da minha sanidade mental, e manifestações populares pelas avenidas Brasil do país (e é aqui que o meu egocentrismo exacerbado deixa de ser pejorativo e vem ao meu resgate), mas de nada serviu para impedir que eu fizesse o que eu senti que deveria: descobrir se a vida que eu realmente queria estava atrás da porta #2.
   Às vezes eu sinto que a minha vida toda é um “quase”, ou apenas uma montagem com recortes de segundas opções que eu fiz, depois que estava prestes a passar a limpo os rascunhos das minhas decisões mas finalmente decidi que não. Que eu poderia fazer melhor. Que o conformismo não deve roubar o lugar do destino. Que, convenhamos, a vida é minha e eu faço dela o que eu quiser. E que, o mais surpreendente de tudo, é que esta história já está bem adiantada e cada vez mais seguindo em frente. Claro que eu ainda cometo erros, pego a direção errada e me sinto perdido em um beco sem saída, enquanto o destino, a vida e o amor tentam me nortear de volta ao caminho certo. Mas talvez este seja mesmo eu: aquele que prefere trilhar o caminho mais longo rumo à felicidade. O que sofre de uma curiosidade tão grande que precisa ao menos sentir um pouco como são os outros caminhos, as outras possibilidades, as primeiras tentativas, para só depois ter certeza do que quer. Ou, quem sabe, eu atropelo minhas primeiras opções porque não eram elas que trariam o que eu preciso.
   Então eu me mudei de cidade, de faculdade, e de amor. Talvez eu jamais saberei se foram as escolhas certas, mas definitivamente não posso me culpar ou me julgar por algo que decidi no calor de um momento em que estas coisas simplesmente pareciam que não se encaixavam a mim. Talvez eu seja só mimado e mal acostumado com o destino, mas se por acaso eu sentir que algo ou alguém não cabe a mim, eu não penso duas vezes em mudar de direção. E é assim que eu desisto de me bombardear com os questionamentos de uma vida que eu não escolhi para mim, e percebo que “se” eu tivesse escolhido outro caminho, eu não teria chego até aonde estou. E apesar das coisas estarem como estão, talvez seja assim que elas deveriam estar mesmo.
   Talvez seja esta mesmo a vida que o destino preparou para mim, bem como tudo mais que está em meu caminho. Isto é, a não ser que exista uma terceira opção guardada no meu bolso que eu ainda não encontrei, mas provavelmente não há. Escolher uma vez, se arrepender e tentar de novo, é maturidade. Escolher duas vezes, se arrepender e tentar mais uma vez, é falta de coerência. O que também explica porque muitas pessoas tentam se reaproximar de ex-namorados, e se surpreendem quando as coisas não dão certo de novo. Pior do que ser assombrado por um “e se?”, é ser traído por um “de novo”.
   Antes tarde do que nunca: um beijo para você, amor, que não quis voltar para mim. Você fez a coisa certa.

***


   “Às vezes as escolhas erradas nos levam aos lugares certos.”

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