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O momento Amy Winehouse


   Quatro anos atrás, eu fui a uma balada. Com o passar dos anos desde então, eu fiz jus à minha reputação de solteiro permanente (apesar que, aqui, gosto mais de usar o termo “indomável”... pelo bom senso de tentar ser menos estranho e mais sociável, mas tanto faz) e cheguei a ter aquela fase que todo mundo tem de vislumbrar o ápice da sua semana como a famigerada sexta-feira, seguida pelo alucinante sábado à noite e, por que não?, a mesa redonda do Domingo à noite para reunir as tropas e deliberar sobre tudo o que fizemos, certo e errado, e para já começar os preparativos para o próximo final de semana. Eu sinceramente não consigo me lembrar da onde tirava tanta animação, tanta energia e – principalmente – tanto dinheiro para fazer isso final de semana após final de semana, mas não posso negar que foi uma boa época da minha vida. Daquelas em que nós costumávamos ser menos ocupados, menos exigentes e mais flexíveis perante a vida. Sabe, antes do trabalho, a faculdade e o peso morto dos relacionamentos que não vingaram começarem a nos afundar nas melancolias da crise dos vinte e poucos anos. Mas não é sobre isso que eu quero falar. Eu me lembro que, bem antes dessa fase baladeira começar, eu tive uma experiência que, bom... Para falar a verdade, eu não tive uma experiência. Eu só saí e vi algo que mexeu muito comigo, de um jeito que só aquele arrependimento pelas coisas que você não faz consegue mexer. E eu nem perguntei o nome dela.
   Enfim, eu me lembro que naquele dia, quatro anos atrás, eu não conheci alguém. Eu poderia ter conhecido alguém; as possibilidades estavam todas ali, e se não fosse pela minha irredutível mania de justificar minha falta de atitude com frases-prontas infames como “o destino se encarrega, deixa só ela passar aqui de novo, e se ela me olhar fixamente por 10 segundos, ou pegar na minha mão e dizer que eu era o cara que ela esteve procurando por toda a sua vida, aí eu falo alguma coisa”, nada teria me impedido de ter me aproximado dela, perguntar o nome dela, e, dependendo da careta que ela fizesse ou não, perguntar outros detalhes importantes – como “Você é casada? Tem filhos? É lésbica? Seu número é da Tim?”. Como eu gostaria de não pensar nesses tipos de possibilidades, mas até recentemente estas foram as “oportunidades” que a vida me trouxe, e as respectivas desilusões que elas provocam... Eu sei que não funciona, mas quem é que ainda não tem um chip da Tim hoje em dia?!
   Quatro anos e inúmeras baladas repletas de foras, gafes e mulheres comprometidas com caras que não se importavam mais com elas e/ou com filhos que elas tiveram com eles, eu gosto de pensar que aprendi algumas coisas. Gosto de pensar ainda mais que estou um pouco mais maduro perante a vida, por mais que meus horários e minha energia já não sejam mais tão flexíveis quanto minha juventude um dia lhes permitiu. Não que eu esteja velho, mas depois de tentar equilibrar problemas de trabalho, frescuras da faculdade, compras de mercado, contas a pagar e, quem sabe?, uma vida social aqui e ali, quem é que ainda tem fôlego para sair à noite, depois das 22h, no frio que esta cidade anda fazendo? Sem contar o vento forte, que  acabou me custando mais um guarda-chuva essa semana – o quinto que tive nos últimos quatro anos, mas tudo bem.
   Mas eu resolvi sair em um dia exatamente como este, quatro anos depois de não ter conhecido alguém, de ter passado no mercado à tarde para comprar leite, de ter lavado a louça dos últimos dois dias sob a ameaça da água gelada (cortesia do fim do Outono), de ter adiado os trabalhos da faculdade que preciso entregar semana que vem, e ciente de que eu teria que acordar cedo para ir trabalhar no dia seguinte. Eu fui. E é claro que a vida ia dar um jeito de fazer com que eu me arrependesse. Mas, sendo a vida aquela eterna brincalhona sem graça, é claro que eu iria me arrepender por algo que eu não fiz. De novo. Porra, Igor!
   Eu não estava lá à procura do amor da minha vida, igual costumava fazer toda vez que saia para... Bom, qualquer lugar. Não. Desta vez eu só queria relaxar depois de uma semana corrida, de um mês interminável, de uma vida complicada que eu estava levando. Pedi uma Heineken, encontrei uma cabine livre para mofar confortavelmente a noite toda enquanto escutava o cover de Amy Winehouse de longe, e estava sinceramente tudo bem. Até que ela apareceu. Ela que, por motivos óbvios, não terá nome nem nenhuma descrição que vá além da sua blusa preta estilosa e seu shorts jeans que parecia não condizer muito com o ambiente (e, muito menos, com o tempo frio lá fora), mas que perdia a importância diante das suas pernas morenas e impiedosas. E digo “impiedosas”, porque foi assim que elas apareceram para mim nas duas primeiras vezes que ela passou pela minha cabine, olhando não-tão-discretamente para mim. E digo “não-tão-discretamente”, porque não foi nem preciso que a minha amiga me avisasse que “Ei, aquela ali olhou pra você!”, porque até eu mesmo percebi. E pra quem não percebe nenhum detalhe relevante ao seu redor, como o olhar de uma mulher bonita em sua direção ou a inevitabilidade da vida como um todo, isto definitivamente significava alguma coisa. Ao fundo, cover Amy cantava “Tears Dry On Their Own”.
   Depois de passar por mim duas vezes, e de só ser percebida por mim ao fim da segunda vez, Ela se dirigiu à multidão que estava reunida na frente do palco, delirando ou com o show ou com o espaço pequeno do pub por alguns instantes, até que voltou ao bar para recalibrar seu teor alcoólico e se sentou, junto com A Amiga Loira em uma mesa ao lado da nossa cabine. E deu a fatídica terceira olhada que deveria ter sido o catalisador de qualquer atitude plausível minha, que tinha tudo para ser bem recebida e bem sucedida. Mas não foi, porque ela não existiu. Quando tive coragem de olhar, Ela já estava sentada e virada para A Amiga Loira, segurando firmemente seu copo quase como se ele simbolizasse o pescoço de alguém. Alguém que não a olhou. Ao fundo, cover Amy cantava “Back to Black”.
   Corta para o seguinte diálogo entre minha amiga e eu:
- Cara, você viu a olhada que ela te deu agora? E sentou bem aqui do lado? Vamos trocar de lugar, você senta perto da ponta e fala com ela!
-E o que eu iria dizer?
- An... “Oi”?
- “Oi”?! E depois?
- Aí você conversa com ela, ué.
- Sobre...?
- Puxa conversa, ué. Não achou ela bonita?
- Claro que achei, mas essa não é a questão. Não foi pra isso que eu saí hoje.
- Tudo bem que não foi pra isso, mas foi pra isso que a noite se virou. Vamos trocar de lugar logo e...
- Não, fique aí. Olha, pensa comigo. Dois caminhos podem surgir se eu me aproximar para falar com ela...
- Ok...
- O primeiro: suponhamos que ela estava olhando mesmo para mim, e não para esta mini-televisãozinha que tem aqui atrás de mim na parede da cabine, eu chego lá e dou “Oi”, e descubro que eu estava errado. É um fora, mais um prahistória, e eu não estou afim de ampliar a minha coleção.
- Ou...
- Ou, segundo: suponhamos que ela estava olhando mesmo para mim, e não para esta mini-televisãozinha que tem aqui atrás de mim na parede da cabine, eu chego lá e dou “Oi”, ela me convida para sentar com ela e A Amiga Loira, começamos a conversar, nos damos bem, talvez a gente até dê uns amassos por aqui, continue a conversar na vida lá fora, e eventualmente isto se torne mais do que uma conversa entre dois estranhos que deixaram de ser estranhos em um show cover de um pub em uma noite fria.
- E o que tem de errado com isso?
- Eu não quero um relacionamento. Não tenho tempo nem dinheiro para isso. Não é para isso que eu saí, por mais qMEU DEUS!
- O que?
   Sentada na mesa do lado, Ela cruzou as pernas de modo que seu mini shorts jeans estraçalhou todos os meus argumentos, e até parte da minha racionalidade. Ao fundo, cover Amy cantava “Wake Up Alone”.
- E agora?
- E agora, nada. Tudo bem que ela é ridiculamente bonita, talvez uma das mais bonitas que eu vi aqui hoje, e pareça ser muito mais areia do que o meu caminhãozinho é capaz de dar conta. Já disse que nem tenho carteira?
- Eu vou falar com ela por você.
- Não faça isso! O que ela vai pensar? Que eu sou tão imaturo que precisei que a minha amiga falasse com ela por mim?
- Então fale você com ela!
- Já disse que não...
- Por que?
- Porque eu não tenho coragem.
- Ok. Eu entendo.
   E assim a noite continuou, com aquele belo par de pernas cruzadas em minha vista, enquanto a ela aleatoriamente ainda me procurava. E eu não tive coragem de fazer nada. Quatro anos e incontáveis baladas depois, eu ainda não tenho coragem de chegar para uma mulher aleatória, perguntar seu nome e deixar com que eu me envolva em sua história, sua conversa e, se tudo der certo, suas pernas. Ao fundo, enquanto eu me deparava com minha inevitável covardia perante novas pessoas, novos relacionamentos e novas pernas, cover Amy cantava “You Know I’m No Good”.
   Apesar de não ter conhecido Ela, e apesar de ter tido todas as oportunidades possíveis (como, por exemplo, as duas vezes em que A Amiga Loira foi ao banheiro e a deixou sozinha para que, supostamente, eu me sentisse menos intimidado para falar com Ela), naquela noite eu tive um pensamento: talvez toda essa conversa de “eu não quero um relacionamento, não tenho tempo nem dinheiro pra isso” seja mentira. Talvez eu só não tenha coragem. Ou um talvez ainda maior, eu sinceramente acreditei que ela não estivesse olhando mesmo para mim, mas para aquela mini-televisãozinha que tinha ali atrás de mim na parede da cabine.
   Ao ir embora do pub, de repente eu não podia deixar de olhar para Ela enquanto a fila de saída não andava, mas Ela já não olhava mais como antes. Agora parecia mais frustrada, como quem saiu à procura de algo e sentiu que havia encontrado, mas se enganou. Igual a mim, quatro anos atrás, quando vi aquela garota chorando na fila de saída da balada. E enquanto cover Amy cantava “Our Day Will Come” ao fundo, eu me lembro de ter tido um último pensamento antes de sair do pub e da visão Dela:
- Eu sinto falta de um relacionamento...

   Engraçado como às vezes, mesmo quando não se está à procura de nada, você encontra algumas coisas. Naquela noite, eu encontrei minha vontade de tentar gostar de alguém de novo. Ironicamente, poderia ter sido Ela. Porra, Igor...

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