Eu não
sei exatamente por onde começar
a descrever quais são as notas que poderia concluir do meu primeiro semestre,
tampouco consigo considerar plenamente todas as expectativas que andam passando
pela minha cabeça para o segundo semestre de 2014. Isto é, por mais que o
segundo semestre já tenha começado faz umas 3 semanas, e por mais que eu tenha
passado uma dessas semanas de férias em outra cidade, e completamente alheio
aos prazos, compromissos e rostos familiares que ainda me motivam a passar
cinco horas madrugada afora dentro de um ônibus para voltar à Cascavel. Mas é
como eu costumo dizer: a vida tem dessas coisas.
Mas de todas as experiências que tive, e as
inspirações que elas me deram para tentar me aventurar mais uma vez através da
savana selvagem e impiedosa que uma folha em branco do Word é capaz de criar
para um pseudo-escritor como eu, sinto que preciso começar esse novo capítulo
com o que provavelmente não foi o mais marcante em termos de originalidade, mas
foi o mais excepcional em quesitos que vão além de toda a paranoia, a neurose e
a instabilidade que com o passar dos anos eu passei acreditar que são
fundamentares para o meu self: a singular e estrangeira sensação de perda
momentânea dos sentidos ao perceber a minha vida através dos olhos de outra
pessoa.
Pra dizer a verdade, tudo o que aconteceu
não foi nada além de um mero encontro casual, tipo desses que a gente tem ao
longo da vida com pessoas com as quais a gente nem faz muita questão de
cumprimentar direito ou de olhar diretamente nos olhos para falar, mas que
acabam tendo um papel além do roteiro imaginário que a gente escreve
mentalmente antes de sair de casa, como forma de não se perder no dia que
estamos prestes a ter. Ou talvez tenha sido eu quem passou tempo demais sem
viajar, sem vivenciar novas experiências, e sem conhecer pessoas novas, e que
com isso acabou ficando mais noites solitárias em casa do que deveria, me
escondendo da humanidade através de series online, rituais de procrastinação
para com trabalhos da faculdade, e – por que não? – o terror abstrato de folhas
em branco do Word. Mas aí aconteceu, entre essas 3 semanas desde o começo do
segundo semestre, que eu conheci alguém nova.
Não me leve a mal; eu conheci muita gente
nova, bem como revi muita gente que faz parte da renascença da minha vida –
também conhecida como “aqueles anos
pós-adolescência em que você passa a beber mais e chorar menos com o mesmo
grupo de amigos dos últimos cinco anos”. Só não me atrevo a denominar este
período como a famigerada “crise dos 20”, porque tem gente que há muito tempo
passou da casa dos vinte e poucos e nem por isso deixou de ter episódios de
crises existenciais típicos de quem começou a viver há pouco tempo, mas que nem
por isso deixa de sentir o peso do mundo inteiro sobre as suas costas – e,
surpreendentemente, não se toca que é isto o que o faz sentir como se não
estivesse conseguindo ir adiante na vida. Mas eu estou me enrolando nas
palavras; sinto muito. Já faz algum tempo que eu não divago sobre o ser e o
nada.
Enfim, eu conheci alguém. Uma garota linda e
simpática que, pela primeira vez em muito tempo, não me fez passar por uma
corrida de obstáculos para tentar descobrir do que ela gostava ou não, ou se eu
estava ganhando ou perdendo uma partida de “quem
será o que gosta mais do outro na relação?”. Não. Em vês disso, ela só me
disse palavras que em momento algum pareciam atreladas à alguma espécie de segunda
ou terceira intenção. E o mais surpreendente de tudo: ela não queria muito
falar de si mesma. Preferia ouvir falar sobre mim. De todas os tesouros que uma
pessoa pode presentear a outra nesta vida, eu sinceramente acredito que o
feedback talvez seja o melhor de todos. Dizer ao outro o que ele causa em você
sem medo de que isto o afaste, ou que a relação de vocês passe a ser refém de
uma bomba-relógio depois de ouvir que você ronca enquanto dorme, ou que corta o
pão na direção errada no café da manhã, ou que a nova novela das 11 tem uma
trama ultrapassada demais para que alguém se mantenha acordado durante o Globo
Repórter para assisti-la em plena sexta à noite. Particularmente, eu acho legal
saber do outro o que eu tenho provocado nele, e vice-e-versa. Há quem diga que
isto pode ser como abrir os portões do inferno para uma série de críticas que
irá te manter acordado à noite, repensando cada gesto infame que você cometeu
durante o jantar na casa da mãe dela, mas eu sou apaixonado demais por insights
para deixar qualquer oportunidade do tipo passar. Mesmo que me mantenha
acordado à noite.
Foi revolucionária a forma como ela
conversava comigo, sem nenhuma ressalva ou plano B escondido na manga. Ela só
queria me conhecer, e às vezes deixava escapar alguma informação a mais sobre
ela que havia se esquivado de responder antes. Como se estivesse tentando medir
a profundidade da piscina com a ponta do pé antes de arriscar um mergulho. E é
assim que a maioria dos relacionamentos funciona no começo, porque não existe
nenhuma escadinha em uma das beiradas da piscina para te salvar caso você
mergulhe precocemente de cabeça nas irracionalidades de outra pessoa, e
descubra tarde demais que o risco de se afogar é maior do que se permitir
confiar e boiar. Mas com ela não; falava com uma inocência que poucas pessoas
que conheço ainda conseguem expor sem medo de que eu às aniquile – como se na
maioria das vezes, não fosse o inverso que acontecesse comigo. Aliás, existem
várias pessoas por aí que eu gostaria de informar sobre o que causam em mim,
mas seria em vão. Nem todo mundo gosta de feedbacks, e nem todo mundo entende
insights. Ah, a humanidade...
Depois de passarmos algum tempo juntos, ela
irremediavelmente passou a pontuar entre minhas falas o que aquilo estava lhe
causando. E ao contrário da reação com a qual eu estava acostumado, ela se mostrou
bem mais... Como posso dizer...? Atraída. Não por mim, mas pela vida que eu
levo e que ela de repente se percebeu começando a fazer parte. E comentou sobre
o quanto meus amigos pareciam legais, como a minha família parecia normal, e
como o pôr do sol parecia lindo na vista da minha sacada. E por nenhum instante
eu duvidei do que ela estava dizendo, porque ao contrário do que a maioria das
pessoas costuma dizer, ainda existe sinceridade nos olhares das pessoas se você
permitir que elas realmente entrem na sua vida, sem medo de que elas baguncem o
seu coração.
Mais vezes do que eu gostaria de admitir, eu
levo a minha vida em vão. Deixo passar oportunidades únicas, momentos raros e
pessoas especiais por motivos que eu nem mesmo consigo me lembrar enquanto
escrevo este texto. Ando pelas rua ao sair de casa em direção aos meus destinos
sem olhar muito para os lados ou para o céu, e tenho certeza que já deixei
passar grandes paisagens que valiam a pena ser vistas, e talvez até mesmo
pessoas que valiam a pena conhecer. E aí, durante uma tarde qualquer de um
inverno manso em uma cidade estranha, eu conheci alguém que me fez repensar
todos os fragmentos que constituem a minha vida - e que, por incrível que
pareça, não pareciam incluir paranoias, neuroses ou instabilidades imaginárias.
Os olhos de outra pessoa revisaram a minha vida de um modo que há muito tempo
eu me esqueci que era possível, e o que ela enxergou não pareceu ser nada como
eu me convenci que as coisas são. Ela viu sorrisos dos quais eu já não me
lembrava mais, deu risada de piadas que já passavam em branco por mim, e se inspirou
por feitos dos quais eu nem me imaginava ser capaz de repetir.
Eu não sei se a verei de novo, mas o dia em
que ela fez parte da minha vida ficará guardado comigo por muito tempo ainda.
Porque aquele foi o dia em que eu fui relembrado de que a minha vida é muito
boa, muito feliz, e muito bem acompanhada. O que me deixou acordado à noite com
uma pergunta em mente: o que ela viu em mim que eu não consigo ver? Ou, então,
o que os olhos de outra pessoa flagraram na minha vida aparentemente plena, que
me parece fazer tanta falta?
Ainda tem um longo ano pela frente...
Comentários
Postar um comentário