Acho
que eu nunca vou me cansar
dessa mania de enxergar grandes metáforas de vida nas pequenas coisas ao meu
redor. Por um tempo eu acreditei que essa mania era algo ruim, como uma espécie
de pseudo-egocentrismo disfarçado de recurso literário, misturado com uma dose
de alguma bebida que estivesse ao meu alcance no momento em que decidi criar
uma moldura ortográfica para a fração abstrata da minha existência. E
acreditava que precisava parar com isso, e talvez usar o tempo gasto com
questionamentos inúteis sobre a natureza humana e a exploração do meu ócio
criativo aparentemente infinito, para estudar para concursos públicos, lavar a
louça que o Domingo acumulou na pia, ou ler pelo menos um livro inteiro enquanto
ainda estamos em 2014. E eu estava seriamente decidido a fazer isso... Até eu me
distrair com outra metáfora. Eu até poderia tentar justificar minha
irreverência ao dizer que velhos hábitos são difíceis de se quebrar, se não
fosse por um detalhe: dessa vez a metáfora não foi minha. E como já era de se
esperar, as metáforas da minha vida não andam sozinhas; pelo contrário, elas
andam de mãos dadas com aquela ironia fina que pavimenta a minha estrada. Ou,
neste caso, a rua em que meu pai estava dirigindo.
- Acho que não vai dar tempo, pai.
- Nós não temos tempo pra “não dar tempo”,
filho. Estamos atrasados.
- Mas, pai, tem um monte de carros
passando ali e... E você passou.
- Sim. Eu disse que dava tempo.
- Atá. E isso justifica?
- O que?
- Isso que você acabou de fazer.
- O que foi que eu fiz?
- Passou no amarelo.
- Não estava amarelo. Estava aberto,
Igor.
- Olha, eu não sou especialista em
transito, nem tenho carteira ainda – né – mas a última bolinha decrescente do
sinal amarelo, eu acho que não quer dizer que o caminho já está livre para
você.
- Igor...
- Só acho. Sabe.
- É assim que você enxerga a vida?
- Oi?
- Você acha que a vida é assim? Que o
caminho vai estar sempre livre para você? Que um sinal vai aparecer para te
dizer o que fazer? Para avisar quando você deve seguir?
- An...
- Não, não vai. Você precisa ter mais
ambição, Igor. O sinal amarelo não significa que pode passar ou não. Significa
que você precisa prestar atenção. Você precisa prestar mais atenção na vida, Igor.
- Não foi isso que eu aprendi na
Auto-Escola...
- É? E a sua carteira, vai bem?
- Ok, ponto pra você.
(Silêncio)
- Tudo bem, filho. Não se pode passar no
amarelo, ok? Mas também não pode dormir no volante.
E aí eu comecei a pensar sobre o que o meu
pai disse. Sobre o sinal amarelo, o sentido da vida, os pontos da baliza que eu
precisava lembrar para fazer o teste da Auto-Escola de novo... Mas de tudo
isso, o que mais persistiu – e o que sempre persiste – foi a ironia fina de um
motorista grosso, e a sensação reconfortante de saber que, egocentrismo à
parte, minhas metáforas não são maldições: são legados de família.
Isso sem falar da outra mania de atravessar
a rua no amarelo também, sob a teoria de que “dá tempo”, mas aí eu acho que já entramos em outro questionamento
filosófico. Eu ainda tenho muito a aprender com o meu pai.
Igor, passo sempre no amarelo e até hj não levei nenhuma multa. No amarelo dá para passar, ou seja, com cuidado é permitido. O problema maior é estar em alta velocidade. Aí se ocorre imprevisto, não temo que fazer. Continue escrevendo. Sou sua leitora. E acho vc educado com seu pai.
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