Quando
eu não desperdiço o meu tempo ao ficar
pensando sobre como eu desperdiço o meu tempo, meu ócio criativo também passa
por momentos aleatórios de otimismo e esperança que me fazem repensar sobre a
vida e afins. E geralmente esses momentos tendem a me iluminar ainda mais
quando estou sentado na sacada com alguém tomando um tereré e filosofando
sobre... Bom, qualquer coisa. E foi em um desses dias em que eu ouvi um absurdo
tão espontâneo que resultou em uma teoria mais improvisada ainda, mas que
perdurou nas engrenagens dos meus pensamentos preguiçosos por algum tempo.
- Eu acho que estou feliz, mas não tenho
certeza.
- Isso é normal. A gente nunca tem
certeza de quando está feliz. Quer dizer, tem sim. Por uns cinco ou dez
minutos. A partir daí é uma curva decrescente que resulta em dúvida, ansiedade
e ataques aleatórios de pânico e auto-destruição intelectual.
- Ok... E como você explica isso?
- Ué. A gente sempre sabe quando está
triste. É quase palpável. Tem gente que falta só pendurar uma placa ao redor do
pescoço com a frase, “Vá embora, estou triste!”. Mas quando a gente está feliz,
não. Isto é, no começo é visível. Não precisa nem de placa porque o sorriso
estampado no rosto não deixa espaço para outras sinalizações. Mas não dura.
Felicidade genuína tem a mesma duração que o gás da Coca-Cola. Com o tempo o
refrigerante vai perdendo o gás, mas nem por isso ele deixa de ser bom.
- Eu não gosto de Coca-Cola sem gás.
- Não conta. Você é fresca. Mas olha só,
raciocina comigo: sabe quando você está naquele seu tradicional coma de
seriados, trancado em um quarto escuro para não deixar o reflexo da vida lá
fora atrapalhar a visão do seu monitor, completamente alheio ao resto da
humanidade que não entende porque você assiste aquele seriado tão ruim?
- Ok, estou com você até agora.
Continue...
- Então... Um corpo parado assistindo uma
temporada inteira de um seriado qualquer tende a terminar esta temporada no
conforto da sua inércia, certo? Mas em algum momento você levanta para ir até a
cozinha e buscar alguma coisa na geladeira para deixar a sua inércia mais
apetitosa. Como, por exemplo, as sobras da pizza da noite anterior.
- Hum... Pizza de frango com catupiry....
Por falar nisso, ainda tem a minha parte, né?
- Melhor não entrarmos nisso agora.
Continua comigo! Olha só; você vai até a geladeira, abre a porta e não encontra
a pizza. A pizza acabou. Você já comeu tudo e nem se lembra. O que você sente?
- Tristeza... E raiva, agora que eu sei
que foi você quem comeu tudo.
- Não perca o foco! Olha só, vou encher o
copo de tereré pra você e pode pular a minha vez. Agora imagine um outro dia
qualquer, uma terça-feira gorda e abafada. Você está entediada em casa, já
assistiu todos os filmes que você tem no mínimo três vezes, não tem ninguém
legal online para conversar no momento, aí você levanta e vai para a cozinha.
Abre a porta da geladeira e revisa tudo o que tem dentro dela. O que você quer?
- Nada, eu acho... Aliás, por que a gente
faz isso? Abre a porta da geladeira sem saber o que quer, fica lá parado só
olhando, depois fecha sem pegar nada e volta pro quarto?
- Pelo mesmo motivo que a gente não sabe
que é feliz e fica se questionando. Quando a gente fica triste, não há dúvidas.
A falta é óbvia, é clara, é obscena. Agora, quando a gente fica feliz, igual
quando a pizza chega, é uma festa que dura uns dois ou três pedaços. Depois a
gente fica preguiçoso, cansado, distraído... E se questiona se comeu demais, se
arrepende porque o esforço da semana na academia já era mas que foi por uma boa
causa, etc... Mas nem por isso a gente para de procurar pela felicidade plena.
Especialmente no dia seguinte, quando a gente reencontra as sobras, que são as
alegrias aleatórias que sempre restam mas que tendem a ser mais sutis.
- O que você quer dizer, então, é que eu
estou feliz e não sei disso?
- Exatamente. Você está triste?
- Não...
- Então você está feliz. Qualquer
meio-termo que flutue entre uma coisa e outra é assunto para outra discussão,
outra teoria, outra metáfora. Mas agora eu estou com preguiça, então aceite
estar feliz e se contente com isso. E me passa o tereré.
- Ok... Mas isso não justifica você ter
comido a minha parte da sobra da pizza de ontem.
- Outro exemplo clássico de como algumas
coisas simplesmente não sabem ser felizes e ficam procurando problemas. Veja
bem, imagina comigo...
***
Dia desses a Joyce comprou uma jarra nova de tereré para deixar as nossas tardes
e noites na sacada mais felizes. E durante os primeiros instantes de vida
inanimada dela dentro da nossa casa ela nos deixou muito felizes. Mas como é de
praxe da tragédia do mundo, nós massacramos a jarra com a nossa existência
medíocre e desajeitada ao tirar a tampa para enchê-la pela primeira vez, e
tivemos a infeliz frustração de jamais conseguirmos alinhar a tampa na jarra
igual como ela estava antes.
- Cara, como pode a gente ter tanto azar?
- Não é azar, Joyce, é a história da
minha vida se repetindo.
- Mas o que?!
- Claro. Minha vida é tão torta quanto
essa jarra. Minha felicidade é tão desalinhada quanto essa tampa. Marque minhas
palavras: se um dia eu conseguir alinhar a tampa dessa jarra de novo, será o
dia em que eu finalmente atingirei a felicidade plena.
- Eu ia sugerir comprar uma jarra nova,
mas tudo bem. Você e suas metáforas...
Até a presente data eu ainda não consegui
alinhar aquela maldita tampa, mas tudo bem. Mais refrescante do que o tereré em
uma tarde ensolarada de Domingo, é a esperança que eu sinto ao prepará-lo antes
de tentar fechar a tampa da jarra mais uma vez.
Se
isso não é pensamento positivo, então eu não sei o que é.
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