A cada
dia que passa, eu me surpreendo mais com as novas fronteiras que o meu
egocentrismo atinge. Toda vez que eu penso que já cheguei longe demais com as
minhas irracionalidades, algumas conversas com meus amigos despertam em mim uma
força que me leva bem mais além das conformidades. Mas eu estou me antecipando;
tudo começou quando eu ainda estava de férias em Londrina, passeando pela
cidade com um dos meus amigos que, assim como eu, está relativamente desemprego
e incorrigivelmente atraído a tirar proveito do ócio criativo que dominam os
nossos dias.
- E
aí, para onde vamos?
-
Cara, ainda é cedo para achar algum bar aberto...
- Mas
não precisa ser um bar bar, sabe? Estou de férias: qualquer coisa vale. Praça
de alimentação de shopping, posto de gasolina, lago municipal...
-
Melhor evitarmos o lago por enquanto. Lembra do que aconteceu da última vez, não
é?
- Não
é minha culpa. Como é que eu ia saber que aquelas latinhas que eu joguei no
lago iam boiar invés de afundar? Isso é pra gente aprender: cerveja boa afunda,
cerveja boa boia. Igual...
- Ok,
entendi! Tive uma ideia; podemos ir na casa de um amigo meu. Acho que você vai
gostar dele.
- Por
que as pessoas dizem isso? Eu não gosto de ninguém.
- Mas
dele você vai gostar, ele tem umas ideias parecidas com as suas...
-
Sério?
- Bom,
na verdade, não. Igual você não tem outro. Só você é assim.
- Vou
considerar isso como um elogio, ok?
-
Então, cara, não tem mais nenhum lugar aberto. Ele mora em um daqueles
condomínios fechados. Bem legal lá...
- Sei
não, cara. Sempre me sinto mal nesses lugares. Não por estar lá, mas por sair
de lá e voltar pra minha casa depois...
- Eu
falei que lá tem um bar particular para os moradores e visitantes?
-
Acelera!
...
-
Cara, como você aguenta isso?
- Isso
o que?
- Isso
que eu faço. Eu, dizendo que não gosto de ninguém. Indisposto a fazer amigos
novos. Alucinado para achar um bar aberto no meio da tarde de uma
quinta-feira...
-
Olha, cara, estou falando sério; nunca conheci outra pessoa igual você. Mas
isso é bom! Não é a toa que somos amigos há tanto tempo, por mais que você more
longe. Quando você vem pra cá, é como se nada tivesse mudado. O pessoal daqui
também não é lá aquelas coisas. Tem muita gente trash. Que não dá pra confiar. Agora
você é como um irmão, já te falei isso. Confio até pra ir junto jogar cerveja
no lago!
-
Hum...
- O
que?
-
Pensei numa coisa.
- O
que?
- Eu
não me imagino morrendo.
-
Que?!
-
Morrendo, sabe. Acabando. Sumindo. Não me vejo envelhecendo também. Me imagino
assim, fazendo merda, falando besteira, pensando idiotices, com 22 anos, para
sempre...
- Mas
ninguém se imagina morrendo...
- Tá,
tudo bem. Mas todo mundo tem uma noção de que vai acabar. Que tudo acaba,
inclusive a gente. Eu não consigo. É muita prepotência da minha parte?
- Bom,
vindo de você, nada mais me surpreende. Mas acho que isso é bom, sabe. Carpe
diem.
- É.
Carpe diem...
...
Algum
tempo depois, eu estava na sacada com a Joyce, conversando sobre aquelas
coisas de sempre (vida, morte, relacionamentos, faculdade, “por que a gente é assim?!”, fim dos
tempos e tudo mais), quando acabamos chegando no “carpe diem” também.
-
Esses dias eu estava assistindo um vídeo de um filósofo que criticava bastante
aquele negócio de “carpe diem”, sabe?
- Por
que criticava?
-
Porque esse “carpe diem” passa uma mensagem muito distorcida: aproveite o dia,
aproveite o hoje. Faça tudo agora, como se não houvesse amanhã. Parece
apressado, impensado, inconsequente...
-
Então, o certo seria: “aproveite o hoje, mas nem tanto”?
- Mais
ou menos. O cara também falou sobre epitáfios. Sabe, aquelas frases de túmulos?
Dizia: “Não deixe a sua vida ficar para o epitáfio”. Pensando bem, isso parece
um pouco contraditório.
- Não
é contraditório; é uma questão de equilíbrio. Sobre viver entre o “carpe diem”
e o epitáfio. Aproveite o dia, mas deixe algo para amanhã. Só não deixe tudo
para amanhã...
- É.
Faz mais sentido...
- É...
...
Eu
queria ter uma vida mais equilibrada. Entre o “carpe diem” e o epitáfio. Entre o aqui e agora, e o “para sempre”.
E aí eu percebi o quanto eu, não satisfeito em me sentir sem limites, também
penso demais no fim das coisas. Penso que tudo vai acabar, e mais vezes do que
poderia, acabo não começando nada. Como relacionamentos com alguém que parece
não ter nada a ver comigo, ou projetos de escrever um livro cuja primeira linha
me falta completamente, ou lugares que estão longe demais da minha
familiaridade, e das minhas pessoas favoritas. É assim que eu me imagino sendo
para sempre? Eternamente intermediário? Irracionalmente infinito? Focado tanto
no fim que jamais dou brecha para o começo. O que é deveras irônico, já que
quando a faculdade terminar, estarei oficialmente no meio da minha vida. A segunda idade, depois da primeira infância e
a juventude fundamental, e antes da maturidade eventual e a velhice inevitável.
Mas o que vou fazer com ela, eu ainda não sei.
Eu
não vou viver para sempre, por mais que goste de pensar o contrário. E apesar
de reclamar, procrastinar e desperdiçar muito tempo, ainda me considero
profundamente apaixonado pela minha vida e tudo que faz parte dela: as pessoas,
os lugares, as músicas, as lembranças, os sonhos e as surpresas que ainda estão
por vir. Mas enquanto o “para sempre” não chega, e as palavras certas para meu
epitáfio ainda não me vem à mente, tudo que me resta é o “carpe diem”.
Bom,
“carpe diem” e a louça acumulada na
pia.
O mais engraçado é que sempre achei que a ideia de uma vida equilibrada era supervalorizada. Mas talvez vc esteja certo mesmo... encontrar um meio termo pode ser fundamental.
ResponderExcluirBeijão!