...talvez eu só esteja admitindo uma
dificuldade. Apesar do meu trágico histórico em matéria de relacionamentos, eu
costumava acreditar que sempre seria um otimista. Isto é, até o belo dia em que
me lembrei que a vida não é feita apenas de amor, mas de louça suja acumulada na
pia, relatórios atrasados de faculdade, boletos vencidos que podem mais ser
pagos em uma lotérica e idas frustrantes ao mercado em que eu sempre me esqueço
do item em especial que era justo o que me obrigou a ir até lá. Aí eu me
lembrei do amor e do quanto isso costumava ser a única coisa com a qual eu me
importava. O que costumava me motivar a passar madrugadas escrevendo sobre relacionamentos
imaginários, sobre não permitir que o "mundo real" extinguisse a
minha visão romântica, e sobre como seria fantástico conhecer a garota certa. Pra ser
sincero eu não sei dizer exatamente o que foi que aconteceu comigo ao longo dos
anos, mas entre tarefas domésticas diárias e obrigações acadêmicas adiadas, eu
percebi claramente o quanto o amor deixou de fazer parte dos lembretes que eu
deixo grudados na minha mesa. Ao ponto de que eu nem me lembre mais como
funciona essa história de gostar de alguém.
Entre desvios e imprevistos, eu me lembro de
que estar apaixonado costumava ser a minha rotina. E digo isso porque, há cinco
anos, eu costumava ser uma pessoa totalmente diferente: eu acreditava demais
nas pessoas, em pequenos gestos e em teorias ridículas sobre o universo ter um
plano em movimento para me levar de encontro a ela - a garota certa. Mas depois
de passar meses, anos e de uma série de músicas que eu não posso mais ouvir sem
me sentir um pouco decepcionado por ter me apaixonado pelas garotas erradas, eu
me percebi fazendo algo que até então parecia impossível: eu desisti. Não no
sentido dramático de tragédias gregas nas quais eu costumava transformar as
minhas paixões, mas no sentido prático. Eu tinha mais o que fazer; coisas que
pareciam mais importantes como tirar o lixo mais de três vezes por semana,
passar a roupa que vivia acumulando, e deixar pequenos lembretes grudados na
minha mesa para não me esquecer de comprar sabão em pó na próxima vez que fosse
ao mercado. Irônico que a cada novo lembrete que eu deixava para mim mesmo,
cada vez mais eu me esqueci do amor que eu jurei a mim mesmo que jamais
deixaria ser levado pelo "mundo real".
Bom, bem vindo ao mundo real, Igor. Onde está o seu romantismo agora?
O conceito de "garota certa" é algo muito perigoso, mas era por isso que eu
vivia. Deixando de lado tudo e qualquer outra coisa que não agregasse ao meu
sonho de conhecê-la, eu aprendi que quanto mais você espera por tudo, vez por
outras você pode acabar sem nada. Ou, pior ainda, você pode acabar se
entregando por relacionamentos imaginários ainda mais tóxicos do que a própria
solidão. Por mais que a "garota
certa" pareça inalcançável, ela dá brecha para que miragens na forma
das garotas erradas se aproximem de você, e te roubem meses de liberdade,
felicidade e suas músicas favoritas do momento. Eu admito que não tenho muita –
ou talvez até mesmo, qualquer -
experiência em relacionamentos e que nem sempre eu sei o que pode ser "certo" para mim, mas depois de
alguns boletins de ocorrência que já escrevi por aqui devido às piores garotas
do mundo que eu já conheci, eu definitivamente sei o que é "errado" para mim. Tudo bem; eu
confesso que não existe "certo"
ou "errado" nos assuntos do
coração, mas existe o exagero, a sacanagem e a insanidade temporária - e
felizmente ou infelizmente, disso eu tenho propriedade.
Mas uma hora ou outra a gente chega a um
ponto em que a falta é inegável. Que a dificuldade precisa ser admitida, e que a
causa disto geralmente tem um nome, um endereço, um CPF, olhos castanhos e um
dom de deixar saudade a partir do momento em que ela deixa o recinto. Para mim,
esse momento veio na forma de uma segunda-feira fria, acompanhada de um copo de
uísque e um charuto solitários, que deixaram óbvias o quanto minhas
justificativas sobre não ter um relacionamento eram rasas, infames e
mentirosas. Quando meus parentes em almoços de domingo me perguntam "E
a namorada?", eu rebato com o meu relacionamento em crise com os
prazos de relatórios da faculdade. Quando meus amigos em mesas de bar perguntam
se eu ando conversando com alguém nova, eu me defendo com a desculpa de que a
vida anda corrida e atarefada, e que sobra tempo ou para tentar conhecer alguém
nova, ou para tentar dormir seis horas por noite, e que dormir parece sempre
mais interessante. Mas quando eu me sentei na sacada naquela noite
particularmente impiedosa de segunda-feira, certo de que tudo o que eu precisava
para terminar aquele dia era um uísque, um charuto e uma música lenta, todas as
desculpas nas quais eu estava me escondendo se dissiparam com a fumaça do
charuto ao vento. Essa vida não se trata de estar pronto para um relacionamento
um dia, mas de, quem sabe, dizer
àquela pessoa que ultimamente eu ando pensando em algo a mais para nós...
A verdade é que não existe a garota certa.
Existe aquela que te pergunta se tem algo preso entre os dentes dela e dá
risada por isso. Existe aquela que sabe do que você gosta ou que tipo de coisa
é a sua cara pelo tanto de tempo que vocês passam juntos. Existe aquela que
acredita no seu potencial e te convence a levar adiante os planos que você já
estava prestes a abandonar. Existe aquela que consegue fazer você se sentir
especial apenas por estar do seu lado. Existe aquela que é tão teimosa,
complicada e ansiosa quanto você. Existe aquela que faz parecer que vocês não
tem absolutamente nada em comum, e que não faria sentido tentar algo a mais
porque provavelmente não daria certo, mas que nem por isso te faz desistir de
pensar em estar com ela. Existe aquela que é cheia de defeitos, que tem um
passado tão infame e incorrigível quanto o seu, e que está tão perdida quanto
ao que fazer com a sua vida quanto você. E apesar de tudo isso, existe aquela
que faz com que você se apaixone por ela a cada novo dia em que vocês se
encontram, e que no final das contas, entre desencontros, imperfeições e
diferenças, faz com que amor seja a única coisa que realmente importa.
E ao admitir que talvez isto seja mesmo
sobre amor, a dificuldade agora é outra. Será que eu devo fingir que nada está
acontecendo e me concentrar em terminar esses relatórios, ou eu devo admitir
isso para você? Eu não sei. Mas independente do que acontecer, pelo menos agora
há mais um lembrete na minha mesa.
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