Se
existe algo para ser lembrado depois que 2014 acabar, definitivamente será a verdade de
que tudo sempre muda. Depois de perder um emprego, de vivenciar algumas
dificuldades familiares, de aprender a abrir mão de amores imperfeitos e de
aceitar a realidade de cada novo dia que nasce, eu finalmente percebi que a
minha paixão por padrões, rotinas e portos-seguros talvez não tenha muito
espaço para existir em um mundo onde o status
quo parece ser cada vez mais temporário. Porque até mesmo nós somos
temporários, e irremediavelmente encarregados de tornar o tempo que temos por
aqui em algo significativo. E para cada momento que deixamos passar em branco,
é uma oportunidade que se vai e não volta. Talvez seja daí que venha a minha
necessidade constante de me colocar em frente a uma folha em branco do Word
para dissertar sobre a minha vida. Pode não ser uma vida perfeita, ou
particularmente organizada, ou até mesmo das mais acolhedoras, mas
definitivamente é algo pelo qual eu sinto que vale a pena se viver a cada dia e
para se inspirar a escrever em algumas noites.
Eu ainda me lembro de como tive as minhas
primeiras impressões sobre o tempo. Eu me lembro de ter uns 9 ou 10 anos e de
estar na missa com a minha família em um Domingo de manhã, e de me sentir inegavelmente descontente por estar lá. Porque eu não era uma criança das mais
inocentes, tampouco era sutil em minhas manifestações de manha – algo que,
olhando em retrospectiva, já dizia muito sobre o meu futuro caráter e minha
insaciável vontade de fazer comentários sarcásticos nos momentos mais
impróprios. Enfim, eu me lembro de estar com a minha família – meu pai, minha
tia, meus primos e afins – e de como já não me era mais tão surpreendente fazer
parte de um clã tão grande que chegava a ocupar um banco inteiro da igreja. E
me lembro de resmungar, ironizar, comentar e reclamar durante quase todos os
rituais, apesar dos protestos do meu pai para que eu ficasse quieto e,
ironicamente, recebesse a minha benção em paz. Foi aí que a minha tia se
aproximou de mim e comentou algo que mudou a minha percepção sobre não só todos
aqueles rituais, mas sobre a vida:
- Olha, eu sei que você quer voltar para
casa, para que a gente sente e almoce todos juntos. Mas está vendo esse
panfletinho que você recebeu quando entramos na igreja? É um pequeno roteiro
das orações; aqui diz tudo o que o padre vai ler para que a gente possa
acompanhar. Sabia que a missa passa mais rápido quando você participa dela?
Foi naquele dia em que eu comecei a aprender
sobre a importância de um roteiro para a vida. Que os dias poderiam ser mais
prazerosos se eu realmente fizesse algo com eles. E que o tempo passa mais
rápido quando se deixa de prestar atenção no relógio da parede, para se
concentrar no que está acontecendo ao seu redor e participar da vida. Parecia
muita filosofia para um garoto de 9 ou 10 anos imaginar, mas assim como a minha
inquietude pelo tempo, eu sempre fui atraído por lições de vida aonde quer que
eu pudesse encontrá-las. Vide o meu fraco por metáforas, sociologia e ócio
criativo.
***
Alguns anos depois, eu me lembro de estar
imóvel em uma fila de banco após ter sido instruído pela minha mãe de que, se
eu pagasse aqueles boletos naquele dia, eu poderia usar o troco para comprar
doces (Nota do autor: eu sempre
me surpreendo ao escrever sobre minha infância, ao perceber o quanto eu já era
tão eu desde pequeno, dotado de metáforas, senso de humor e ambição
gastronômica). Me lembro de estar há algo entre quarenta minutos e/ou dois
dias naquela fila, enquanto avistava sete guichês de caixas no banco onde
apenas dois estavam funcionando, e um deles era preferencial para idosos,
gestantes e outras castas sociais que não podiam deixar de exibir um sorrisinho
disfarçado ao passar direto pela multidão de meros mortais enfileirados para
serem atendidos primeiro. Me lembro também de que a bateria do meu mp4 tinha
acabado e não restava nada para fazer a não ser aceitar ser massacrado pelo
tempo infinito de espera – isso enquanto questionava minhas decisões de vida ao
ter renunciado assistir meus desenhos para passar a eternidade naquela fila em
troca de balas. E foi aí que eu ouvi alguém atrás de mim tão condenado àquele
tédio existencial quanto eu comentar algo enquanto tentava se distrair com o
joguinho da cobrinha no seu Nokia 3140:
- Ainda bem que isso aqui não vai durar
pra sempre...
Quanto mais eu penso sobre as coisas que
marcaram a minha infância, mais eu me pego descobrindo o quanto eu sempre
estive um pouco à frente do meu tempo – e o quanto eu invariavelmente já sofria
por isso. Quando ouvi aquele comentário, imediatamente me senti aliviado.
Aquela fila não iria durar para sempre, aquela espera iria acabar, e eu logo
estaria de volta em casa. E por um milésimo de segundo eu me senti muito bem,
até que meu pessimismo pré-adolescente me trouxe de volta ao fardo de estar
vivo: as coisas ruins não duram para sempre, mas as boas também não. E ao
começar a imaginar coisas terríveis como ter que me despedir dos meus pais um
dia, nem percebi quando chegou a minha vez de ser atendido.
***
Eu sempre fiz questão de dar um tom especial
ao meu tempo e à minha vida. Um tom mais carismático, descontraído, leve, para
que as coisas ruins não parecessem tão destrutivas e para que as boas
parecessem ainda mais especiais. Foi assim que eu cresci, desde os meus anos de
tédio em missas intermináveis e a pré-adolescência enfadonha em filas de banco,
até chegar ao ápice fenomenológico-existencial da minha contemporaneidade
preguiçosa. E acho que é por isso que eu prezo tanto por rotinas, planos e
padrões; porque no fundo eu sei que é tudo passageiro, temporário, finito. E
apesar de desperdiçar grande parte do meu tempo com reclamações infames,
comentários sarcásticos desnecessários e sonhos distantes, eu realmente gosto
da minha vida e de tudo que já passou por mim até aqui.
Mas a verdade é que status quos são ilusões; o mundo está sempre girando, transitando,
mudando. Apesar da confusão climática lá fora que parece sempre acabar em chuva
na minha cabeça, este fim agridoce de inverno já está tomando forma de prelúdio
à primavera. E quanto mais eu penso sobre mudanças, mais eu percebo que talvez
seja esta a mensagem que eu devo levar de 2014. O ano em que eu consegui o meu
primeiro estágio em psicologia fora da faculdade. O ano em que eu aprendi a
ajudar o meu pai. O ano em que eu comecei a discernir quais relacionamentos
valem a pena. E acima de tudo, o ano em que eu descobri que apesar de todas as
minhas distrações com metáforas, comentários sarcásticos, surtos existenciais e
instintos de procrastinação, eu tenho sido cada vez mais feliz com o passar das
estações.
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