Nunca subestime o poder da sua teimosia. Era pra ser só
mais um daqueles Domingos nublados e existencialmente tediosos, completo com
maratonas de filmes, séries, besteiras gordurosas e litros de refrigerante,
seguidos pela iminente depressão do Domingo à noite que começa lá pelas seis da
tarde e só termina quando a última gota de uma garrafa de vinho passa a fazer
parte da minha corrente sanguínea. Mas aí eu resolvi me colocar pra fora de
casa um pouco ao passar alguns minutos de sabedoria na sacada, olhando o
horizonte e pensando singelamente e filosoficamente na minha vida, quando eu
percebi uma metáfora perigosamente pendurada acima de mim, na forma do maior
vespeiro que eu sequer poderia conceber que existia ali.
O lado
bom da Primavera envolve todas aquelas coisas sobre renascimento, desabrochar
das flores, o centro da cidade enfeitado com árvores que desfilam pelos postes
e ruas com seus verdes, rosas e amarelos chamativos, e uma boa dose de
inspiração para escritores em crise que procuram desesperadamente por algo que
lhes motive a deixar seus instintos de procrastinação de lado para escrever
algo tão bonito quanto as rosas para nos motivar a dar uma nova chance à vida.
O lado ruim é que as pestes, os insetos e a briga tempestuosa entre calor
infernal e chuva infinita que toma conta da cidade acabam por camuflar um pouco
as rosas, e libera um desequilíbrio caótico no clima tanto acima quanto dentro
das pessoas. E para mim, este desequilíbrio apareceu na forma daquele maldito
vespeiro que imediatamente censurou minha sessão de meditação na sacada e me
obrigou a recuar e fechar a porta para o mundo antes que alguma daquelas pestes
me seguisse para dentro de casa.
Aí você se pergunta o que aquele vespeiro
significou para mim, e eu te digo que naquele momento eu não pensei em
renascimento, ou na união daqueles insetos ao construir uma colônia forte e
aparentemente impenetrável, ou nas minhas usuais manobras de auto sabotagem
para evitar sair e realmente dar uma nova chance à vida, só para continuar
dentro do casulo da minha casa onde tudo era seguro e estava sob o meu
controlezinho infame. Não. Primeiramente, tudo o que eu pensei foi, “O que será que eu posso usar para tacar fogo
ali?”. O lado bom de ser emocionalmente imaturo é a criatividade que a
gente tem diante das adversidades. Às vezes resiliência de nada serve se não
tiver algo para te ajudar a dispersar um vespeiro, mas infelizmente desta vez
não tive como brincar com fogo. E de repente meu Domingo tedioso e cinzento se
transformou em uma série de planejamentos e estratégias para tirar aqueles
insetos do meu espaço, meu templo sagrado, minha sacada terapêutica. Minha casa
havia sido invadida, e por mais que a Joyce
brigasse comigo por mensagens ao dizer que eu não podia, sob nenhuma
circunstância, mexer naquele vespeiro, aquilo já havia se tornado mais do que
uma dose de adrenalina para combater a minha crise existencial; aquilo era
pessoal e aquelas vespas tinham que cair fora.
Existe um fenômeno na natureza chamado “distúrbio do colapso da colônia” que,
entre tantas outras coisas que eu encontrei na internet quando fui pesquisar
possíveis maneiras de expulsar aquelas pragas da minha casa, basicamente diz
que do mesmo modo que as vespas constroem suas colônias em lugares
aparentemente aleatórios, algum fator igualmente aleatório pode causar com que
elas lentamente se dissipem e abandonem sua casa. E depois de me deparar com um
post infeliz no Yahoo Respostas de um
sujeito ainda mais pedido do que eu que sugeria, com toda a potencia do seu caps lock ativado, que eu ateasse fogo
na parte superior da minha sacada inteira, eu encontrei uma arma para cutucar
aquelas invasoras para longe do meu domínio: a boa e velha vassoura – que,
inclusive, também sempre servia para duelos mortais com baratas metidas a besta
que também costumam aparecer pela casa durante a troca de estações.
Procurei colocar uma blusa grossa, uma calça
jeans e um tênis para usar como armadura para me proteger, certo de que uma vez
que aquelas vespas fossem incomodadas, o alvo deixaria de ser a sacada e
passaria a ser eu. Mas eu estava decidido: aquela sacada era pequena demais
para mim e uma colônia absurdamente escura de pragas. Juntei toda a coragem que
tinha, me aproximei da colônia e bati o mais forte que pude bem no centro das
vespas, o que imediatamente causou com que elas se dispersassem em pânico antes
voarem para cima de mim. Olhando em retrospectiva, talvez o meu ócio criativo
esteja ficando perigoso demais para mim mesmo. Mas diante daquilo eu percebi
que não havia mais volta; era aquela colônia ou eu.
Mais algumas tacadas de vassoura depois
fizeram com que uma nuvem de vespas nervosas invadissem a sacada inteira em um
frenesi de agonia e êxtase, mas não conseguiram me seguir depois que eu corri
para dentro de casa e fechei a porta da sacada, que subitamente ficou cheia de
insetos pousados nela desesperados para entrar.
Algum
tempo depois naquela mesma tarde, o sol já estava se pondo e eu decidi dar uma
olhada para ver se a minha missão de resgate à sacada havia dado certo. Foi
quando me deparei com a surpreendente claridade da parede, que parecia estar
lentamente se livrando da escuridão da colônia de vespas, cujas poucas
sobreviventes ainda sobrevoavam a área à procura de abrigo antes de finalmente
desistirem e voarem para longe.
Naquela noite, eu voltei para a sacada com
uma taça de vinho e dediquei alguns minutos para simplesmente sentar ali e me
sentir vitorioso por ter defendido o meu lar, até que a ficha da metáfora
finalmente caiu: eu não estava incomodado com a colônia de vespas, mas com o
quanto elas representavam a mim e outros tantos colegas que, em questão de
dias, estariam prestes a ser atacados com uma vassoura de realidade que nos
obrigaria a nos dissipar e a procurar outra colônia para nos abrigar.
Ironicamente, aquele Domingo era o dia antecessor ao começo das provas do
terceiro bimestre, que significava que o fim das minhas obrigações acadêmicas e
de uma vida confortável cujo futuro estava sendo graciosamente procrastinado,
estava chegando ao fim. Eventualmente o dia chegaria em que todos nós teremos
que voar para longe e procurar novos horizontes, novos ares, novas sacadas. Vide
o meu desespero em manter meu status quo
seguro: eu não quero que as coisas mudem. Não estou pronto para isso. Não sei o
que vou fazer depois. Não posso ficar aqui só mais alguns meses, até finalmente
criar coragem de sair e dar uma nova chance à vida? O colapso da minha colônia
estava por vir, com seu fim nem um pouco aleatório, ao contrário das minhas
percepções.
O que me anima um pouco é o quanto a minha
teimosia pode ser poderosa, desde que seja usada para superar obstáculos invés
de criá-los. Quem sabe esta Primavera não se torne mais inspiradora para mim
depois que a chuva lá fora cessar.
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