Pular para o conteúdo principal

A última quinta-feira


   ...e então restaram cinco estagiários. Os que disputaram a tapas e olhares feios por uma cadeira na sala de orientações número 4 para continuarem seus estudos sobre a abordagem comportamental com aquela que diziam ser a professora mais querida de todas. E cada um deles também trouxe consigo sua própria reputação: havia a esforçada, responsável por transformar cada um dos seus atendimentos em algo lindo de se relatar; a preocupada, que não tinha muita noção do quanto era capaz de fazer a diferença não só na sua própria cliente, mas na sua família também; o ausente, mas que sempre dava um jeito de ser fazer presente através de algum presentinho especial para o grupo; a criativa, que vivia cheia de recursos para deixar seus “clientezinhos” mais descontraídos; e o problemático, que chegou especialmente sob a ameaça de que iria dar trabalho.
   Claro que nenhum deles se limitava a isto; tampouco tinham ideia de que aquele seria o melhor ano de estágio que teriam pela frente. E como podiam saber disso? Estavam ocupados demais acordando cedo para preparar dinâmicas para os seus grupos, ou pensando em reflexões significativas o bastante para trabalhar, ou criando técnicas expressivas para ajudarem seus clientes a falar. Isto é, metade deles estava madrugando; a outra metade estava ocupada passando o dia acampados na clínica, tentando dar conta de todos os seus afazeres e o pior: de todos os seus relatórios. E tiveram dias que foram cansativos demais, frios demais, calorentos demais. Sem contar aquele Julho que demorou três meses pra passar.
   Eles passaram por recessos juntos, por uma Copa do Mundo, férias, aniversários, broncas, elogios, comemorações, jantares, garrafas de vinho, chá e café, e até descobriram o verdadeiro significado da palavra “sinceridade”. E quando tudo estava perto de terminar, também passaram por feedbacks de cada um deles, e foi aí que eles perceberam que aquele ano tinha sido diferente. Porque a esforçada descobriu o quanto seus colegas a respeitavam por isso, e o quanto se espelhavam para ser a profissional que ela já havia definido ser desde o primeiro dia de aula; a preocupada aprendeu o quanto o seu potencial era maior do que ela imaginava, e a referência que esta já havia se tornado enquanto estava ocupada achando que estava perdida; o ausente percebeu que, apesar dos compromissos que o levavam para longe às vezes, ele gostava muito de estar ali no meio deles, e que fazia parte de um grupo muito especial; a criativa conseguiu silenciosamente levar mais um clientezinho a ganhar alta através dos seus jogos, seus desenhos e seu carinho; e o problemático deixou de ser tal coisa, e finamente assumiu a postura de profissional que chegou a pensar que nunca teria.

   Mas nada disso teria sido possível sem ela; a professora que todos prometiam ser a mais querida de todas e que, na verdade, foi bem mais do que isso. Foi a orientadora que reforçou sem mimar, discriminou sem punir e acolheu sem olhar a quem, porque acreditava que cada um dos alunos que estava ali diante dela, estava mesmo dedicado a fazer da profissão que escolheram, algo que realmente fizesse a diferença. E aconteceu que essa diferença só começou a ser feita graças a este trabalho; esta orientação de estágio que acredito falar por todos ao dizer que não foi simplesmente uma parte prática da grade acadêmica de uma faculdade noturna. Não. Foi algo imprescindível para a carreira de cada um. Algo especial que só pode acontecer porque cada um esteve disposto a vir, a participar, a contribuir, a dar pitacos nos casos um do outro, a conversar e, acima de tudo, a aprender.


Quando eu olhar para trás e relembrar a trajetória acadêmica que fiz rumo ao sucesso, definitivamente vou me lembrar do quanto achava que a quinta-feira era o melhor dia da minha semana. Era o dia em que eu me dirigia à sala de orientações número 4 com aquelas cinco pessoas, e descobri que fomos autores de uma experiência única. Mas e agora, o que eu vou fazer?
   Ah, sim. Supervisão! Pode ser na casa da Patrícia mesmo. Nós levamos o vinho.

Comentários

  1. Parabéns, Igor, pela etapa concluída. E que você supere as próximas obtendo os mesmos êxitos!

    Beijão.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha mela...

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ...

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento...