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A aula da saudade


   É um misto de estranheza e nostalgia olhar para trás agora e relembrar aqueles primeiros dias. Quando a gente nem sabia em qual sala deveria entrar, ou que matérias iríamos ter, ou o que seria de nós pelos próximos anos. É uma missão bastante importante de se assumir, mas é a que os nossos professores adotaram para si a cada ano em que se apresentam para uma nova turma. E como é de costume, também fazem com que cada um se apresente. Eis a nostalgia; relembrar o que dissemos naquela primeira semana, para cada um de vocês que estavam lá para nos receber, sobre quais eram os nossos nome, da onde nós éramos, e porque decidimos fazer esse curso. E depois da primeira fala, as outras pareciam repetitivas demais, mas tampouco menos repletas de nervosismo. Mas foi a primeira tarefa que recebemos de vocês, e é interessante relembrar isso agora. Cinco anos depois, com os relatórios em dia, os estágios encerrados, os ratos postos para dormir, e os corredores se esvaziando lentamente a medida em que a nossa colação de grau se aproxima. Para nós é uma ansiedade e tanto, dar este primeiro passo rumo à nossa vida profissional, mas para vocês é um aperto no coração que acontece a cada Novembro, eu imagino. A missão de vocês, que foi tão essencial para as nossas vidas, finalmente chega ao fim.
   E ano após ano, vocês escutam as mesmas coisas: por que as provas não são sempre em duplas? Por que não podemos consultar o material? Por que não é de “x”? Aquelas frequências no site estão certas? O trabalho pode ser entregue depois dessa data? Todas as desculpas, reclamações e comentários infames possíveis, aposto que já se cansaram de ouvir todas. Ócios do ofício que se complementam com as alegrias únicas que somente a docência é capaz de trazer; o orgulho por reencontrar um aluno seu na rua e descobrir que ele ou ela conseguiu fazer um nome para si, e se transformou em mais uma referência neste campo louco de trabalho que vocês agora compartilham de igual para igual. De profissional para profissional.
   E aqui estamos; a última aula antes do grande ritual de passagem que nos concederá a honra de dividirmos o título de psicólogos. A última lição que precisamos aprender antes de fecharmos o ciclo da graduação com todas as notas e os votos de boa sorte que tomamos com vocês. Não deve ser fácil tomar para si a responsabilidade de enfrentar uma sala cheia de calouros e ajudá-los a trilharem esse labirinto de escolhas e erros que percorremos ao longo dos anos, mas que alívio nós sentimos agora que chegamos até aqui. E cada aula foi especial, até mesmo quando parecia que nós não estávamos prestando muita atenção. Mas acreditem quando dizemos que a marca que vocês deixaram em nós vai além dos quadros cheios que vocês nos passaram para copiar, os xerox que nos mandaram tirar e os trabalhos feitos a mão que vocês nos cobraram só para ter certeza de que foram feitos por nós mesmos. Assim como nos desafiaram quando viram em nós mais potencial do que éramos capazes de reconhecer em nós mesmos, e nos reforçaram quando nos ajudaram a descobrir exatamente do que somos capazes.
   E agora a missão é nossa de fazer com que vocês sintam ainda mais orgulho por terem dedicado o seu tempo, o seu talento e a sua vocação com a nossa turma; os eternos veteranos de psicologia de 2014, que sem dúvida tiveram a honra e o privilégio de aprender com vocês, monstros da profissão e mestres do nosso campo, que a cada dia que passa ainda se dedicam a se aprimorarem cada vez mais na arte de ensinar e, por que não?, aprender conosco também.
   Difícil imaginar que um dia vocês estiveram no nosso lugar; angustiados por estarem com um pé fora da faculdade e sem muita noção do que fazer agora. Para onde correr, o que fazer, como começar. Mas a segurança que vocês nos passam, e a inspiração que tiramos de vocês nos dá forças para continuar tentando. Para nos arriscarmos a sair por aí e dedicarmos as nossas futuras vitórias a vocês, que nos ensinaram tudo o que podiam e mais um pouco. Ser professor talvez seja mais do que uma vocação; é um ser dotado de humildade e generosidade tão imensas que simplesmente não cabem dentro de vocês, e por isso gostam de compartilhar tudo o que sabem conosco; velhos calouros perdidos e desorientados que vieram até vocês sem saber o que era rapport, associação livre, contingências, ou a importância das escolhas que fazemos, da responsabilidade que elas nos acarretam, e das vivências que podemos ter enquanto almas humanas em constante movimento que desejam acima de tudo fazer o bem e transmitir a paz.
   Faz jus ao trabalho de vocês que a nossa aula da saudade se baseie em nos ensinar a dizer adeus a um mundo que nos proporcionou tantas oportunidades de crescimento e tantos momentos de felicidade que também não cabe em nós. E é por isso que precisamos compartilhar com vocês antes de partirmos não só o quanto será difícil dizer adeus, mas o quanto “Obrigado” parece ser uma palavra pequena demais para retribuir tudo o que vocês fizeram por nós.

Pode ser que os mares nos engulam
Assim como poderemos chegar ao paraíso
E apesar de não sermos tão jovens como já fomos
Movemos a terra e os céus para sermos o que somos
Enfraquecidos pelo tempo e o destino, mas fortes em vontade
Para perseverar, para encontrar, e nunca desistir.”

(Alfred Lord Tennyson)

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