Eu não sei por onde
começar, o que é deveras irônico. Particularmente, eu me pego revisitando o
começo das coisas sempre que um ciclo chega ao fim. E penso nos primeiros dias
em que eu nem sabia aonde ficava a minha sala, ou que aulas eu iria ter, ou que
amigos eu poderia conhecer ali... Ok, mentira. Eu pensei que jamais encontraria
a minha sala, dado o tamanho daquela faculdade que até hoje eu não conheço por
inteira. E pensei que estaria presente em todas as aulas, anotando todos os
dados que considerasse importante, e que se precisasse compraria cada vez mais
cadernos quando as minhas folhas chegassem ao fim... E, obviamente, eu tinha
certeza de que não conheceria ninguém, já que eu mal falava e sequer olhava nos
olhos dos outros ao meu redor. Porque era tudo muito estranho, desconhecido,
assustador – como os começos das coisas tendem a ser.
E é esse começo que me
vem em mente ultimamente quando passo pelos corredores da faculdade. Esse ano
inteiro tem sido como uma maratona cuja linha de chegada finalmente apareceu no
horizonte, e que depois de cinco anos correndo atrás de notas, presenças,
trabalhos, estágios, horas extracurriculares e tudo mais, de repente me fez
desacelerar para prestar mais atenção ao meu redor. Porque há cinco anos, esta
corrida parecia que iria durar para sempre. Há cinco anos, cinco anos pareciam
muita coisa. Há cinco anos tudo mudou, e aqui estamos nós de novo. E me lembro
claramente da primeira vez que conheci cada uma das pessoas com quem converso
hoje. E ao contrário do que eu imaginava, não foram poucas as pessoas, muito
menos as conversas...
Pra quem tinha medo de
falar muito alto ou se mexer muito bruscamente na carteira, eu definitivamente
passei por algumas mudanças ao longo do caminho. Mudanças que só foram
possíveis porque eu permiti que outras pessoas caminhassem do meu lado, e
misturassem todas as suas neuroses, preocupações, aspirações e piadas sem graça
com as minhas, só para ver no que iria dar. No fim, deu para encher uma mesa de
bar contemplada por heróis que estão prestes a se formar junto comigo. Pessoas
incríveis que, por um sonho ou um deslize, decidiram trilhar esta jornada
através de rapports, associações livres, clínicas ampliadas, projetos terapêuticos,
crises existenciais e análises funcionais rumo a uma carreira promissora, uma
aprovação concursada, um plano de docência ou qualquer outra possibilidade que
a sua carteirinha do CRP permita a você.
E eu não quero que acabe.
Nunca quis, na verdade. Desde aqueles primeiros dias em que eu sequer conhecia
pessoas o suficiente para organizar um trabalho ou um grupo de estágio, ou
apenas para ter companhia para descer até a cantina e tomar um café. Eu achei
que iria durar para sempre. Eu achei que sempre teria alguém na sala esperando
pelas outras pessoas chegarem, especialmente durante o desespero que nos toma
antes das provas. Eu achei que sempre haveria orientações nas noites de quinta,
e aulas no sábado que milagrosamente eram adiadas. Eu achei que não iria
precisar crescer...
Mas tudo acaba. E o certo
agora é ficar feliz por tudo que aconteceu, o bom e o ruim, que todo bom
comportamentalista diria que serviu para moldar o repertório que eu carrego
comigo hoje. Coisas que eu só aprendi porque eu decidi ficar, até mesmo durante
os meus momentos de fraqueza e dúvida em que pensei que não serviria para isso.
Que deveria desistir e começar outra coisa. Que estava cansado demais para
seguir em frente. Mas se não tivesse sido isso, o que eu teria feito? Olhando
para trás agora, tudo parece fazer sentido. As matérias, os professores, os
colegas, os amigos, as vivências, as malditas aulas de sábado de manhã com o
rato, os relatórios bimestrais, os simpósios... Todos os momentos foram como
peças de um enorme quebra-cabeças cuja imagem finalmente apareceu quando
coloquei aquela beca para ver se servia, e serviu. É isso mesmo, Igor. É isso
que você escolheu, e é isso que vai ser. Há cinco anos você decidiu que queria
ser psicólogo. Bom, os cinco anos passaram.
Só que nem tudo acabou
ainda. Esses últimos dias trouxeram um turbilhão de emoções, alegria,
ansiedade, medo, música, dança, subjetividade e cerveja (muita cerveja) que me
fez adiar cada vez mais sentar em frente a uma folha em branco do Word e
admitir que não adianta procrastinar muito por um discurso para a formatura,
porque o aqui e agora é inevitável. E tem sido incrível, gente. Foi incrível do
começo ao fim, com muitos percalços e um bocado de angústia, mas nós chegamos.
Talvez não inteiros e definitivamente ainda inquietos, mas nós chegamos. E hoje
começam as últimas provas; as últimas vezes em que você vai preencher seu
nomezinho e seu R.A. em uma folha de resposta com a logo da sua faculdade no
topo da página, vai responder o que sabe e vai sair da sala desesperadamente à
procura de alguém para conferir as suas respostas. E eu acho bom a gente
aproveitar o pouco tempo que ainda resta, porque na vida não há respostas nem
gabaritos para serem conferidos, nem corredores longos para nos cumprimentarmos
distraidamente a caminho da papelaria do outro lado da rua ou da biblioteca do
outro lado do campus.
Os últimos dias ainda
prometem muita nostalgia, saudade, risadas, choro, desespero, ansiedade, medo,
abraços, despedidas e um aperto enorme no peito. E é por isso que eu vou pro
bar depois da minha primeira última prova, e convido quem se inspirar para ir
comigo. Porque eu sei que tudo acaba, mas não sei quanto a vocês, pessoal; eu
ainda não estou pronto.
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