O mundo dá
voltas. Essa é a sua tragédia. As coisas
mudam, quer você queira ou não. Quanto a mim, eu sou daqueles que reza,
teoricamente, todas as noites por mudanças. Por uma vida nova. Por
oportunidades imperdíveis. Por portas abertas. Por amores que durem. E,
ironicamente, este que vos fala acorda de uma maneira totalmente diferente na
manhã seguinte; sedento por aquela rotina no mesmo lugar, com a mesma hora, com
o café pronto no trabalho de preferência. Porque é mais fácil se levantar da
cama sabendo onde eu vou encontrar o meu café. E é uma facilidade igualmente
proporcional ao beijo de boa noite da minha frustração, por mais um dia em um
ciclo vicioso.
Felizmente ou infelizmente, nem tudo na vida
depende só de você. E os existencialistas que me perdoem, mas sou e sempre
serei um discípulo de uma ordem que vai além dos vir-a-ser; a das
contingências. Você age sobre o mundo, mas ele também age sobre você. É o caso
das referências que você acaba transmitindo por aí, os cochichos que você
inspira, e a reputação que fica nas suas pegadas. Você não necessariamente é o
que é, mas o que pode ser dentro das suas limitações. Ou então, dentro da sua
preguiça, que também é inerente a cada um de nós, só que em níveis diferentes
de embaraço. Os mais acomodados não se movem; os ansiosos quase se devoram,
começando pelas unhas e chegando até a mandar mensagens nervosas de madrugada
para quem não devia.
Naturalmente não foi a vida ou a rotina ou
algum plano espiritual mais além que me inspirou a ponderar sobre o que fazer
quando as suas contingências te obrigam a agir diferente. Não. Dessa vez foi algo
mais simples, porém bastante desafiador. Foi um computador que faliu, e que
levou consigo toda a minha possibilidade de vazão criativa com ele. Por duas
semanas, três dias e oito horas, para ser mais exato. E que quando finalmente
voltou, estava quase irreconhecível; estava rápido, limpo, quase novo só que
pior; atualizado.
Eu nunca gostei de notebooks. Ou de
netbooks. Ou até mesmo de acessar qualquer página de internet pelo pequeno
visor do meu celular. Sou o último dos moicanos da geração 2000, totalmente
apaixonado por fios, estantes para computador, e pelo ritual de sentar-se
frente a um monitor, um teclado, um mouse, todos ao lado de uma caixa preta
barulhenta que lembra o som de um avião decolando. E é com essas peças que eu
opero, crio, edito, trabalho, assisto, converso e o mais importante, escrevo. E
aqui os existencialistas vão me perdoar, levando em conta todo aquele papo
sobre subjetividade, autenticidade e, por que não?, o vir-a-continuar-a-ser
semi-analógico. Porque funciona. Porque eu gosto. Porque é o que eu estou
habituado.
Mas não. Quis a vida, que às vezes se
comporta como uma criança brigona no parquinho que sai empurrando
aleatoriamente todos que encontra pela frente, que o meu material fosse mais do
que reparado, mas atualizado. Confesso que enquanto meus amigos já carregam
celulares que mais lembram aqueles modelos tijolos de outrora e
microcomputadores de colo, eu ainda estava confortavelmente afundado em um
Windows XP que, entre travadas e desligamentos espontâneos, ainda me trazia
muita segurança. Com seus vídeos que não reproduziam bem em tela inteira, suas
mensagens de erro ao iniciar e todas – repito, todas – as peças adicionais que
requer para funcionar. Não havia nada embutido a não ser pelos seus vírus e
suas falhas de sistema.
E a essa altura você provavelmente já desvendou
qual será a metáfora da vez; que o sistema falho era eu, e que manter-se
analógico em um mundo digital seria o equivalente a continuar se agarrando ao passado
com todas as forças dos meus bytes, enquanto todos os outros operantes ao meu
redor se mantém automaticamente atualizados com as mudanças que a vida lhes
trás. Acorda, Igor. Ou melhor, autorize as atualizações e reinicie. O mundo
girou, a vida mudou e o Windows já nem trava mais quando inicia. Por que você
ainda insiste em sentir falta dos bugs?
No começo eu estranhei, tudo muito rápido e
funcional. Ícones modernos, atalhos em lugares diferentes, comandos novos. Porque
o novo pode ser bom, desde que você se permita testá-lo. E porque vez por
outras, a vida muda quer você queira ou não. Nós também temos as nossas
atualizações automáticas que surgem quando vamos dormir e reiniciamos para mais
um dia. Nem sempre o café está pronto, mas a gente se obriga a pensar
diferente. A ser mais otimista, talvez. Ou a simplesmente aceitar que o que tem
pra hoje é só uma boa dose de adaptação e suco de laranja, que também não é de
todo mal.
Em breve mais uma atualização vai passar
pelo meu sistema. Uma cerimônia de colação de grau é o que me divide do
purgatório universitário e o mundo real agora, e está acertada e agendada no
calendário. Foi-se o tempo dos sistemas XP, idas espontâneas ao bar do outro
lado da rua, e de ver os mesmos colegas todos os dias passando pelos mesmos
corredores. Coisas que pareciam não passar de meros conceitos vagos de uma nova
etapa que estavam por vir, agora dão mais medo do que motivos para ir ao bar
mais uma vez para aproveitar aqueles últimos dias. Mais cedo ou mais tarde, a
vida te atualiza. E você pode aceitar isso, Igor, ou adiar por mais um tempo.
Só que nada dura para sempre, especialmente sem causar alguns erros de
desempenho pelo caminho. Erros que podem ser mais caros do que o concerto do
computador.
Talvez teria sido mais vantajoso comprar um
notebook, mas ainda não...
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