Foi em um
daqueles
Domingos tediosos e propícios para capinar no meu ócio criativo que a Gracyanne
(nome fictício) deu a idéia de vir aqui em casa com uma proposta de preencher o
nosso tempo e aliviar as nossas tensões... Através de uma partida de “jogo da
vida”. Porque quem pode, pode, e quem é feliz tem mais é que aproveitar a vida,
abraçar as oportunidades e levar sua existência aos limites do universo. E quem
não pode, fica em casa disputando corridas fictícias em tabuleiros
multicoloridos. Enfim, era o que tinha pra se fazer, salvo é claro... Banco
Imobiliário.
E rapidamente eu vi o meu
tédio ser substituído pelo meu ócio criativo a medida que a cada espaço que eu
andava, uma metáfora se apresentava: primeiro escolha um caminho para seguir,
depois jogue no dado e reze para ter sorte de cair em um espaço que te leve a
uma graduação em uma profissão que dê bastante dinheiro, opte por fazer ou não
um seguro de vida, um seguro da casa, do carro e, inevitavelmente, case e tenha
um determinado número de filhos no decorrer da partida – relacionamentos que,
ao contrário da vida real, não envolvem afeto e que podem ser trocados por
prêmios em dinheiro ao fim da partida. E só ressalto isso porque se pudesse ser
recompensado pelos relacionamentos falidos que tive... Bom, digamos que eu não
estaria tão afundado em preocupações e ansiedades. Mas também não haveria
inspiração para escrever, então talvez nem tudo seja em vão.
A Gracyanne deu a sorte
de cair em no espaço da profissão mais bem assalariada – que eu me recuso a
citar aqui; vide a minha pequena revolta inversa ao ato médico – e de logo se
casar e encher seu carrinho com quatro filhos, carinhosamente chamados de “dois
pinos rosas e dois pinos azuis”, porque é feio discriminar ou limitar as
possibilidades dos nossos filhos. Tudo o que importa é que são pinos e que
sejam sadios. E ao assegurar sua família, sua casa, seu carro, e depois de
receber cada vez mais presentes de mim por ter se ajuntado e se reproduzido
quatro vezes e de ter a sorte de se salvar das enchentes, de aumentos na taxa
de mensalidade no clube de tênis e de percas astronômicas na bolsa de valores,
não demorou muito para que a Gracyanne vencesse o jogo da vida ao atingir o
status de milionária, e de ser contemplada com um pequeno lugar ao sol no fim
do tabuleiro para curtir a sua confortável aposentadoria. E quando a mim? Bom,
eu fali. Não sou eu quem procura as metáforas; elas é que sambam na minha cara
sempre que podem.
Tentando ser um bom esportista,
foi camarada ao ajudar a Gracyanne a juntar as peças para guardar o jogo antes
de abrir o portão para que ela fosse embora, para que eu pudesse curtir
silenciosamente a minha revolta interior por ter perdido. E como todo
obsessivo-compulsivo por competições perdidas, eu fiquei relembrando cada
andança por aquele tabuleiro até chegar a uma conclusão mais confortável: por
sorte ou por acaso, a Gracyanne foi definitivamente mais ágil do que eu ao
ultrapassar os obstáculos e crescer no jogo da vida, enquanto eu ficava sendo
retido por paradas obrigatórias ou espaços fatídicos que me mandavam “voltar
duas casas” ou mais. Eventualmente eu esqueci o assunto e fui tratar de alguma
outra coisa, desta vez envolvendo mais tédio do que ócio criativo para
finalizar o meu Domingo.
Algum tempo depois,
Gracyanne arrumou um emprego. E se tornou importante, conhecida, renomada e até
mesmo referência dentro do mercado de trabalho, tudo isso sem nem ter se
formado ainda. E eu fiquei feliz por ela – fiquei mesmo. E já nem me lembrava
mais da sua vitória fictícia porque estávamos ocupados demais comemorando suas
conquistas de verdade, até que
foi em uma daquelas terças-feiras gordas e emperradas que eu me lembrei de
outra metáfora; antes de ir embora naquele dia, a Gracyanne esqueceu as
instruções do jogo aqui em casa. E o que eu entendi com isso: a Gracyanne não
seguiu as regras, nem planejou sua trajetória pelo tabuleiro. Talvez nem sequer
sabia para onde estava indo, até os espaços em que ela parava lhe diziam o que
fazer. E foi assim que ela venceu naquele dia: com calma, paciência e cabeça
fria. Despreocupada e, acima de tudo, se divertindo pelo caminho. E foi por
fazer exatamente o contrário que eu fali naquele dia, e talvez ainda seja por
isso que eu continue ansioso, preocupado e sem esposa e pinos azuis ou rosas.
E então eu tive um
insight que talvez seja o que mais me fez sentido até agora neste ano que mal
começou mas que eu já considero muito: 2015 deve ser a minha parada
obrigatória. O tempo que eu preciso tirar para pensar sobre aonde eu quero
chegar, ou sobre qual caminho devo percorrer, se sequer quero ter pinos rosas
ou azuis no meu carrinho e, mais importante que tudo, eu preciso parar de me
preocupar tudo e voltar a me divertir. É. A minha primeira escolha para este
ano foi decidir continuar em Cascavel. E agora, a minha segunda escolha é
desacelerar a minha complicação e, quer saber?, depois de toda essa comoção de
colação de grau e ansiedade por futuro profissional e ansiedades afins, eu vou
tirar férias. Porque eu preciso parar e aqui e agora será o espaço para isso.
Porque parar não
significa retrocesso, a não ser que você seja obrigado a voltar algumas casas
do jogo. Mas a vida não é um jogo e não há vencedores ou perdedores. Apenas
casualidades e, por que não?, diversão.
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