Seis anos
atrás,
eu saí de casa. E senti o que provavelmente foi a maior angústia que já havia
tido até então; a de deixar o aconchego, as ruas conhecidas, as mesas de bares
em que reunia os amigos, os almoços de Domingo, e todos os outros fragmentos
que compunham a minha vida para trás, para começar de novo. Porque um ciclo
havia terminado, e era hora de crescer. E é daí que nasceu o meu trauma de
começos; porque não há nada mais difícil neste mundo do que ter que juntar amor
o suficiente para recomeçar alguma coisa. Especialmente quando se considera que
o ciclo que passou foi, no mínimo, inesquecível.
Só que a vida, que talvez
nada mais seja do que estas fases em que a gente se encontra, uma de cada vez,
acabou por redefinir muitos dos meus conceitos. Sobre o que realmente torna
algo inesquecível, por exemplo. Ou sobre quais eram os amigos de verdade. Ou
então, sobre o que eu preciso para me sentir mesmo em casa. O problema é que
agora, seis anos depois, o ciclo vicioso que eu chamo de vida parece ter
voltado ao começo novamente. Vide a angústia, os suspiros profundos, e a
inegável falta de nexo que as minhas palavras parecem nem se dar mais ao
trabalho de tentar disfarçar. Porque eu estou perdido, como nunca me senti
antes. Mais do que há seis anos, quando o mundo costumava ser um lugar menor e
com bem menos pessoas. E quando eu estava brilhantemente contente na minha
ignorância perante tudo isso. Saudades de ser ignorante daquele jeito, em vês
de ser só tão grosso e egocêntrico como agora. Poderia ser alienado, desatento
e avoado – adjetivos que eu costumava rejeitar por me considerar apenas um
sonhador – mas era, definitivamente, mais fácil ser feliz naqueles dias.
Escrevo isso porque estou
com muita, mas muita saudade. Não daqueles dias, mas de alguém que eu costumava
ser. Alguém que carregava consigo bem menos adjetivos para nomear seus
devaneios, e que tinha uma facilidade invejável de sonhar alto. Alguém que
fazia isso porque nunca havia de fato caído o suficiente para entender a
profundidade do abismo entre zonas de conforto e castelos em nuvens. Alguém que
complicava menos, trabalhava menos e que realmente parava para ver o sol se
pôr. Alguém mais jovem, menos estressado, que nunca foi mesmo muito de sorrir
em fotos ou coisa parecida, mas que não considerava isso uma metáfora para a
sua felicidade. Na verdade, aquele alguém nem pensava em metáforas. Só pensava
em ser feliz, e no quanto isso era algo simples de se conseguir. E eu sinto
falta daquele cara; o cara que eu costumava ser antes de sair para desbravar o
mundo real, de cair e se ralar inteiro, e que agora consegue dar um jeito em
uma ressaca brava em questão de minutos e comprimidos de Engov, porque precisa
que a sua dor de cabeça passe para conseguir ir trabalhar bem. Depois de uma
noite de risadas e rodadas de chopp com os amigos que finalmente conseguiu
reunir, porque estamos todos ocupados e atarefados demais.
Nossos horários, bem como
nossos corações, não são mais tão abertos ou flexíveis. Consideramos todas as
variáveis antes de nos comprometer a algo ou alguém. E se sentirmos que não
daremos conta, ou que não chegaremos a tempo, ou que não poderei amar você do
jeito que você e eu merecemos em um relacionamento, então recusamos a oferta.
Porque nós não temos mais tanto tempo a perder, e nem temos mais tanta energia
para nos dispor a arriscar algo que não nos passe o mínimo de segurança. O que
foi que aconteceu comigo nos últimos seis anos? Bom, eu cresci. E a cada passo
adiante que dei na minha estrada, devo ter deixado cair alguns sonhos pelo
caminho e só me dei conta disso agora que alcancei mais uma encruzilhada e
coloquei as mãos nos bolsos para ver se encontraria algo para me ajudar a
decidir para onde ir. E como se isso não bastasse, a bagagem que eu juntei está
machucando demais as minhas costas.
Eu sei que eu sou jovem.
E que talvez passar uma tarde chuvosa de Domingo remexendo na bagunça do meu
passado seja melodramático demais para quem tem só 23 anos e um resto de vida
toda pela frente. Mas hoje é um aniversário, entende? O aniversário da maior
mudança que eu já fiz na minha vida, até o fim dessa semana pelo menos. Porque
tem uma colação de grau se aproximando; um cerimonial que deverá ser ensaiado e
organizado, e que receberá muita gente de fora para presenciar o fim oficial de
mais um ciclo. E, conseqüentemente, a continuidade da espiral de ansiedade em
que eu ando descendo.
Talvez seja só aquele
negócio de crise dos 20 anos. Ou sobre o fato de que ter todas as
possibilidades do mundo nas minhas mão seja algo monstruosamente assustador,
considerando a ausência de um rumo para tomar. Ou talvez seja só ócio criativo
mesmo. Coisas de tardes de Domingo chuvosas em casa. Eu não sei. O que eu sei é
que, pelo menos por enquanto, eu não vou me sentir tão aconchegado aqui. Nada
contra a cidade, porque depois de seis anos nosso relacionamento está começando
a ficar sério; eu até decidir ficar aqui. Já é alguma coisa. Mas enquanto eu
não encontrar uma moldura para esta vida pós-faculdade, o meu novo normal será
sempre assim: ansioso, inquieto, preocupado. E não perca o seu tempo para me
perguntar se está tudo bem. Não direi nem que sim nem que não, só te encaminharei
para este post. Se estiver mesmo preocupado comigo, leia, pondere e me dê uma
boa indicação de música para escrever outros textos. Porque de idéias,
conselhos, sugestões e contatos para encaminhar o meu currículo, eu já estou
cheio.
O que eu queria mesmo era
isso: parar para pensar sobre o que estes últimos seis anos significaram para
mim. E para falar a verdade, foram incríveis. Os momentos bons ficaram na
memória e os ruins serviram para inspiração. E por mais vezes do que eu
esperava antes de chegar aqui, eu me diverti. Com mais pessoas do que eu também
esperava conhecer. Então talvez eu fique mesmo bem.
É... Eu vou ficar bem.
Estou em casa.
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