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Os momentos definitivos


Exatamente às 12:58 daquela tarde, começou a chuva. Daquelas exponencialmente épicas e impiedosas, do tipo que vira guarda-chuvas do avesso e deixa pedestres reféns debaixo das marquises das lojas pela extensão da avenida principal afora. E foi daquelas mini-tempestades que duraram o tempo necessário para surpreender também trabalhadores que estavam tentando nadar contra a correnteza para voltar ao trabalho, alunos de auto-escola que se desesperavam a cada cruzamento que precisavam atravessar com seu para-brisa alagado e, é claro, eu. Eu que, inocentemente e despreocupadamente, saí de casa exatamente às 12:42. Por sorte, carregando um guarda-chuva desta vez.
   Entre enfrentar ventos e ondas de poças que se levantavam graças aos carros apressados, eventualmente eu me cansei da pista de obstáculos na qual havia se transformado o caminho até o centro da cidade, e me rendi ao abrigo de uma das tais marquises na avenida. Eu e um senhorzinho aparentemente atordoado que, por que não?, resolveu me contar a sua história de como foi parar ali. Quase sem pegar fôlego:

- Moro lá naqueles bairros quase saindo da cidade. Tive que vir aqui no centro, numa agência de banco, resolver uns problemas. Mas sabe como é, né? Fila de espera e das grandes! E ainda preciso ir buscar um outro documento meu, que ficou com meu irmão, em uma cidade aqui pelas redondezas. E quem disse que consigo chegar na rodoviária com esse tempo? Será que consigo uma carona?! Olha, rapaz, vou te contar; INSS é complicado, viu! Sem contar todos esses outros problemas por aí! Saúde, educação... Viu que hoje não teve nenhuma manifestação lá no centro da cidade? Cadê o pessoal que estava protestando?! Perderam a força por causa da chuva? Aliás, é para lá que você estava indo?
- Eu? Não, não...
- Ué, mas você não é professor?!
- Professor?! Não...

   E por um instante eu me senti indisposto com a provável próxima pergunta que o Sr. Atordoado iria metralhar em mim, porque o que eu iria dizer? Como eu iria responder caso fosse pego ainda mais desprevenido debaixo daquela tempestade toda: “e então o que é que você faz?” Felizmente, ele finalmente aproveitou a brecha na conversa para suspirar fundo antes de seguir seu caminho. Mas não sem antes me deixar com sua última pérola:

- Mas você tem uma cara de professor!

   Seguindo meu caminho oposto ao dele, eu me peguei pensando sobre a sua caracterização instantânea sobre mim. E sobre esses momentos na vida que acabam por nos definir que, geralmente, são esses que nos pegam de surpresa. Porque o que me tirou de casa às 12:42 daquela tarde foi uma ligação que recebi no dia anterior. A encomenda que eu havia deixado em uma livraria acabara de chegar – um livro que faltava para a minha pequena coleção particular – e só havia um exemplar na loja. Um exemplar que eles reservariam para mim por um dia. E aquele era o dia, fizesse sol ou chuva. Eu não era nenhum professor, mas estava com os tênis e metade dos jeans completamente encharcados à procura de um livro que eu já havia lido por sinal, mas que estava decidido a ter.
   Eu ainda não defini o que aquele momento quis dizer para mim, mas foi importante o bastante para que eu escrevesse sobre isso. Assim, para não deixar a inspiração espairecer e, por que não?, para admirar uma nova hipótese juntamente à minha estante de livros.

***


   Sabe quando você vai ao mercado com uma lista de compras, e acaba enchendo o carrinho de supérfluos e bobagens, e só depois que você sai de lá é que se lembra de que esqueceu do mais importante? Daquilo que te motivou a ir ao mercado em primeiro lugar? Pois então: ao fazer isso hoje pela qüinquagésima-nona vez, eu percebi: não existe metáfora melhor para a minha vida ultimamente do que esta.

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