Talvez seja
porque eu peguei essa mania do meu pai,
que tem o espírito de administrador desde que eu o conheço por gente e não só
por progenitor. Eu me lembro bem daqueles rituais burocráticos a cada fim de
mês, pouco antes de fechar a loja e apagar todas as luzes, quando ele se
colocava a postos para imprimir bobinas inteiras de relatórios antes de
conceder aquele determinado mês encerrado, e para dar início a um novo período
de vendas. E eu me lembro de sofrer lenta e dolorosamente durante esse ritual,
porque nunca realmente parei para pensar no porquê de todo aquele cuidado, e
daqueles relatórios. Até que eventualmente, ao longo de um novo mês, ele dava
um jeito de me contar que estávamos crescendo – em porcentual é claro, porque a
curva da evolução da minha maturidade emocional para mim sempre parecerá
equivalente aos batimentos cardíacos de um sujeito em coma: constante, porém
arrítmico.
E foi pensando nisso que eu saí do trabalho hoje;
sobre como aquele nosso ritual a cada fim de mês já não existe mais, mas que
isso não necessariamente me impede de tirar um extrato mental do crescimento em
percentual que a minha vida tem demonstrado. Porque a exatamente uma postagem
de blog atrás, eu estava reclamando sobre o quanto eu não havia planejando a
minha vida até o dia seguinte à minha formatura. Eu simplesmente não sabia o
que iria acontecer ou o que seria de mim, e o quanto eu senti mais frustração por
mim mesmo do que medo pelo futuro. Eu deveria ter alguma carta na manga, ou
algum plano B, não deveria? Meu pai provavelmente teria, o que só faz da ironia
nisto ainda mais agridoce.
Mas pensando sobre os altos e baixos que eu
já tive neste ano que eu mal conheci mas já considero “pacas”, eu percebo o quanto fazer planos é invariavelmente infame.
Do que adiantou ter sonhos um dia, se eles acabaram mudando? De que serviu
imaginar o que eu faria em determinadas situações, se eu me pego agindo mais maleável
à mudanças do que eu sequer considerei que seria capaz um dia? Talvez esse seja
o segredo das vendas, bem como o da vida em si: pare de imaginar que as coisas
serão do jeito que você imaginou que elas seriam. Porque os relatórios do meu
pai, embora feitos de maneira minuciosa, sempre continham suas sequelas de
estornos e margens de erro. E com a minha vida não tem sido diferente.
Tudo o que o meu pai queria era estudar
aqueles relatórios e descobrir que as coisas estavam melhorando. Que a sua
procura por estabilidade estava cada vez mais perto de acabar, para que ele
finalmente pudesse relaxar e deixar de lado seus percentuais de vendas e sua
calculadora científica que eu jamais aprendi como funciona. Mas não foi assim
que a nossa vida se desenrolou. Pelo contrário; talvez a nossa felicidade
estivesse escondida nas pequenas anotações de rodapé de todos aqueles extratos.
Porque nem a loja nem os relatórios mensais existem mais, mas nós continuamos
aqui. Vivendo, aprendendo, crescendo e multiplicando nossos ganhos.
E então eu percebi que a minha procura por
estabilidade ainda não está nem sequer perto de terminar, e o quanto isso é
algo realmente bom. Porque eu nunca precisei depender de relatórios para saber
o quanto eu estava crescendo, e o quanto a minha felicidade sinceramente
depende das margens de erro das escolhas que eu faço. Foi assim que eu cheguei
até aqui, e é assim que eu sigo em frente.
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