Existe uma diferença bastante suave entre estabilidade e
estagnação. Tal diferença que eu só fui capaz de compreender mesmo quando
finalmente me peguei preso entre as duas coisas – e me sentindo perdido ao
mesmo tempo.
Eu entendo que as coisas acabam. Repeti isto
incansavelmente até que todas as coisas, bom, acabaram de fato. E assisti os
rostos pelos quais eu passava diariamente se dispersarem nas multidões do mundo
afora, enquanto nossas lembranças se espatifaram no chão a medida em que cada
um de nós decidiu trilhar um caminho diferente após o apocalipse de luz e fúria
chamado de formatura pelo qual nós esperamos por tantos anos, e pagamos tantas
parcelas de carnês, só para descobrir que estávamos mesmo mais desprevenidos do
que poderíamos imaginar. Quanto a mim, a minha imaginação só conseguiu ir até a
definição de qual música eu escolheria para tocar na minha entrada para a
festa. Algo épico, grandioso, lendário. E, por conseqüência, definitivo.
Até aí eu já escrevi bastante. Eu saí por aí
e fiz o que qualquer adulto é obrigado a fazer: forcei o limite da minha resiliência
até encontrar bases o suficiente para que eu pudesse me sentir normal de novo.
Mais do que normal: seguro. O que, eventualmente, tornou-se o ponto de
equilíbrio entre o que você quer e o que você pode ter desta vida.
Mesmo sem perceber, eu sempre tive esta
capacidade em mim de transformar matérias primas aparentemente dizimadas em
patrimônios históricos. Ao empurrar um sofá velho ao encontro de um papel de
parede que nunca me agradou muito, eu criei um cenário perfeito para os meus
retratos de família. Ao teimar por querer ter duas cadeiras na sacada lá fora,
eu fiz daquele pequeno espaço a céu aberto um grande santuário. E ao permitir
que certas pessoas tomassem a liberdade de tratar a minha casa como se fosse
delas mesmas, eu aprendi que mais valia a pena compartilhar uma vida do que
escondê-la.
Claro que eu também tive a minha dose de
descontentamento. As vezes em que eu chorei pelos cantos, ou que me peguei
sentado no chão da cozinha, me perdendo no limite do vazio do apartamento e do eco
da minha própria existência. Quando ainda não havia em quem me apoiar, ou para
quem eu pudesse dizer tudo o que pairava em mim sem moldura ou sentido, e que por
parecer não se encaixar em nada nem com ninguém, também acabava esparramado
pelo chão junto comigo.
Durante a maior parte do tempo, eu não soube
o que fazer. E por muitas noites eu tive medo. Medo, culpa e dúvidas. Será que
eu fiz a escolha certa? Será que era preciso mesmo ir embora? E se eu tivesse
ficado? E se eu voltasse? Alguém sabe me dizer? Não. Ninguém soube. Até porque,
por muito tempo também, não houve mais ninguém. Ao entrar por aquela porta
depois de mais um dia de trabalho, ela se mantinha trancada até o dia seguinte.
Ninguém tinha chance.
Ouve-se falar muito sobre zonas de conforto.
Ironicamente, as minhas sempre fizeram jus à bagunça que a própria expressão
insinua. Meus pensamentos, sempre aleatórios. Minhas metáforas, sempre me
cercando. Minha insegurança, sempre latejando. E o meu coração... Bom, por mais
tempo do que eu deveria ter permitido, ele optou mais por escrever sobre o
caminho trilhado, do que prestar atenção ao que estava adiante. Foi assim que
muita gente passou batida, e muitas oportunidades foram jogadas ao vento. Meu
Deus, como eu sentia medo até de ter medo. Adultos não poderiam se sentir
assim... Podiam?
Enfim, chega a hora em que a gente aprende.
Geralmente, são momentos em que a gente se permite não pensar só para variar um
pouco, e decide pular sem olhar se existe algum apoio para nós lá embaixo. Eu
fiz isso uma vez e foi aterrorizante – e demorou muito para que eu me sentisse
capaz de levantar do chão frio da cozinha para enfrentar o mundo lá fora de
novo. Mas eu fui – eventualmente – e tudo ficou bem. Cá entre nós, eu nunca
soube se tudo ia mesmo ficar bem. Era só algo que eu gostava de repetir, porque
eu precisava acreditar.
Sair de uma zona de conforto é assim: bagunçado
e impiedoso. Abrir mão do conhecido para pular do abismo, sem rede de proteção.
Da última vez que eu fiz isso, uma cidade inteira ficou para trás – assim como
muitos rostos conhecidos e lembranças de ruas e avenidas pelas quais nós
costumávamos passar. E é exatamente este o segredo: deixar passar. Construir,
demolir, reconstruir. É o próprio fluxo natural da vida, mas por que é tão
doloroso para nós admitir que as coisas são finitas. Que estabilidade é boa, mas
que estagnar-se é o fim. Por muito tempo eu não me senti estável, ou seguro, ou
acompanhado. Mas eu segui em frente, porque era o que fazia sentido. Era o
normal a ser feito. Não era necessariamente o que eu queria fazer, e
definitivamente não foi confortável. Mas eu fui, e deu no que deu: eu fiquei
bem. As coisas não acabam; elas mudam. E eu nunca me senti tão vivo quanto
aqueles dias, em que o amanhã parecia tão especial. Tão esperançoso. Tão cheio
de... Possibilidades.
E é por isso que eu vou embora. De novo.
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