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Meu já famoso desabafo infame


De todas as coisas que eu já fui capaz de escrever um dia, as marcações que mais se destacam são as frases batidas sobre sonhos e esperanças. Eu sempre gostei muito de ter um lado puxado para a poesia, mesmo que estivesse abastecido por egocentrismo e paranóia. É um lado que eu curti muito, e que me ajudou a superar varias das fases difíceis que eu tive na vida ao longo dos seis anos que já se passaram desde que eu decidi morar sozinho. E muito mais até, depois que eu aprendi a diferenciar o que era morar sozinho de viver sozinho – e a, irremediavelmente, optar por abrir mão do meu status quo. Porque eventualmente, queira ou não, você aprende que estar sozinho é muito bom sim, mas que isto só te leva até certo ponto. Eventualmente você vai precisar de outra pessoa com quem se possa trocar idéias e debater pontos de vista diferentes – ou, no mínimo, alguém com quem você possa brindar.
Mas à medida em que eu vivo e trabalho para manter o meu ego em cheque e as contas do meu apartamento em dia, eu percebi o quanto muito de mim ficou para trás em nome disso. A gente ouve muito dizer sobre o quando o mundo é cruel, ou que a vida é difícil, mas a realidade pós-formatura tem ido muito mais além do que eu esperava que fosse me custar.
Porque, sinceramente, às vezes parece que para que eu pudesse seguir adiante, partes de mim precisavam ficar para trás. Mas, calma; eu vou dar a você um instante para que possa entender isso.
Em termos poéticos, é como se aqueles sonhos e esperanças tivessem sido obrigados a ser esquecidos em prol de coisas mais importantes, como a árdua tarefa de simplesmente sobreviver. E em termos mais práticos, eu sempre soube que esta seria aquela fase de vida em que eu não faria o que eu quero por um bom tempo, até que as coisas se tornassem sustentáveis o bastante de novo. Eu só não tinha noção de quanto tempo exatamente isto levaria – ou o quanto o horário comercial parece ser interminável, e o quão rarefeitos parecem ser os minutos que me restam a cada fim de noite para que eu possa me concentrar em mim. Sem o peso das responsabilidades do trabalho, da casa ou de tudo mais que me cerca – o resto da minha vida, alheia às minhas horas de trabalho, que um dia parecia ser tão relevante, agora parece estar à mercê de feriados e finais de semana.
Isto é, depois que eu lavar, secar e guardar a louça acumulada na pia durante a semana. E de tirar o lixo negligenciado pelos cestos da casa. E de passar a pilha de roupas que eu ignorei até as meias limpas se esgotarem...
Quanto a estar sozinho, isto é algo que eu não posso alegar. Milagrosamente, já estou há dois meses sendo afagado em um relacionamento estável e feliz. Mas isto não muda o fato de que esta vida, em outros aspectos, tem se mostrado muito... pesada. Adulterada, até, pelos deveres e compromissos a serem cumpridos diariamente, até a luz do fim do túnel (representada atualmente como o período vespertino da sexta-feira) vir ao meu socorro.
E assim o meu lado poético foi tomado por outra parte muito significativa do meu ser: a melancolia. Porque por mais feliz que eu esteja, sempre haverá aquela brecha para olhar para o horizonte e questionar, “Para onde essa vida está indo?”. Assim como sempre habitará em mim o instinto de querer abandonar tudo para seguir viagem rumo a lugar nenhum sozinho.
Claro que a namorada, os amigos, os parentes e os leitores desavisados devem manter em mente que nada disto lhes diz respeito. Esta melancolia é minha, para fins recreativos apenas. Porque no final das contas, não há nada que você não possa escrever em forma de poesia que não parecerá, no mínimo, profundo. Mesmo que não haja nada de relevante a ser dito, há sempre uma necessidade de ser escrito.

E caso você não entenda isso, talvez esteja mais perdido do que eu. Ao menos eu tenho noção da minha futilidade literária. E de que quando se fala de sonhos e esperanças, por mais que você também já não saiba mais quais são os seus, ainda é algo que chama a atenção.

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