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O soneto da separação


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O soneto da fidelidade” (parte 1parte 2)

É o que eu sempre digo: ironia nunca é por acaso, é destino. No meu caso, foram anos observando de longe a minha mãe, atenta e dedicada, sentada à mesa da sala com seu pequeno caderno de anotações em mãos, reescrevendo o que, em sua sincera opinião, foi a magnum opus do Vinicius: o soneto da fidelidade. Ela o fazia porque o considerava inspirador ao ponto de se tornar dogmático, e talvez até mesmo fosse - visto que foi o que originou a minha empreitada ao longo de outros poemas, contos e crônicas nas quais eu passei a basear não apenas o meu tempo livre, mas toda a minha vida ao redor dele. O máximo que pude, ao menos, dentro dos limites do bom senso e da licença poética.
Voltando ao destino, que é um gozador com péssimo senso de humor, foi este quem me levou ao encontro do que viria a ser a contracapa da história de como decidi tornar-me um escritor (assim espero) ao me deparar com a peça final deste quebra-cabeças com o tema "o que estou fazendo com a minha vida?!" da única forma que poderia chamar a minha atenção: outro soneto. Do Vinicius, é claro.
Muito tempo atrás, durante a renascença do meu sarcasmo (conhecida formalmente como a época do ensino médio), o destino (conhecido formalmente neste contexto como o MEC) determinou que na nossa lista de livros a serem adquiridos para aquele ano constariam clássicos da literatura como forma de trabalhar interpretações de texto nas aulas de redação para preparar os alunos para suas futuras provas de vestibulares. E que entre os clássicos deveriam constar lendas como Eça, Clarice, Caio, Érico e - surpresa! - Vinicius.
Não me pergunte em que ano foi isto, ou quantos anos eu tinha, nem aonde eu morava e quais eram os meus planos para o futuro. Só o que posso dizer é o que aconteceu no último final de semana, quando visitei a casa de mamãe e, remexendo os armários em busca de livros e DVDs que haviam ficado para trás durante as várias cargas que levei quando saí de casa, encontrei aqueles livros no fundo da porta mais alta do guarda-roupa, equivalentes a tesouros enterrados da minha adolescência que, como era de se esperar, finalmente vieram a tona para simbolizar o fim da minha fase infanto-juvenil (emocionalmente falando) e o início da minha tão esperada maturidade. Esperada pelos outros, é claro, porque se dependesse de mim, permaneceria teimoso, insensato, do tipo que aperta-campainha-e-sai-correndo, mostra-a-língua-quando-é-contrariado e prende-a-respiração-até-conseguir-o-que-quer para sempre.
Sabe aqueles momentos em que você redescobre pequenas pistas que deixou para si mesmo anos atrás, mas que precisavam ficar escondidas até você se dar mal o bastante na vida para entender como interpretá-las? Pois foi exatamente aquilo que acon... O que? Não sabe? Isso nunca aconteceu com você? É só comigo? Meus pêsames. Enfim, eu tirei meus livros do armário em que ficaram afastados do mundo por seis anos - desde que saí de casa - mas que de alguma forma ainda pareciam tão novos quanto quando foram obrigatoriamente comprados para (ironicamente) fins interpretativos de aulas de redação. E entre eles estava a reedição do Vinicius, a "Nova Antologia Poética", completa com duas anotações do seu dono negligente na contracapa: "pág.40" e "pág.93". que levavam, respectivamente, ao "soneto da fidelidade" e seu antagonista literário, "o soneto da separação":

"De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente."

Agora, eu poderia discorrer sobre todos os desdobramentos possíveis das interpretações egocêntricas que fiz a partir da descoberta de que eu mesmo, há anos, me peguei inspirado pela fidelidade do Vinicius ao seu amor hipotético e às suas rimas ricas e, anos depois, fui delimitado pelo mesmo autor que foi capaz de descrever com a mesma métrica o quanto de repente, não mais que de repente, este mesmo amor acabou. Mas não farei isto, porque o Vinicius já se foi, assim como aquelas aulas de redação e o mistério do quebra-cabeças da minha vida. Os anos de formação terminaram; está na hora de ser alguma coisa. E foram com estas mesmas estrofes que eu interpretei o fim desta parte da minha história - do amor por Cascavel e tudo o que construí por aqui ao longo dos últimos seis anos, para ser fiel a uma nova antologia poética mais uma vez.

Serei um escritor, e que seja eterno enquanto dure.

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