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Uma chamada perdida


Já deve ter acontecido com você. Estar caminhando pela rua a esmo quando toca o celular. Você o tira rapidamente do bolso com duas expectativas diferentes: de que seja o amor da sua vida, que finalmente encontrou o número do seu telefone, ou a sua mãe pedindo que você passe na padaria a caminho de casa porque acabou a farinha de rosca. Mas quando você encara o visor, se depara com um número aleatório qualquer, que disparou o seu ringtone no volume máximo - afinal, você estava esperando o amor da sua vida finalmente te ligar, e interromperia qualquer coisa para atendê-la. O que você faz agora?

a) Atende sem compromisso para descobrir quem está do outro lado da linha, caso contrário a curiosidade e o temor do desconhecido acabariam por envenenar as suas noites pelo resto da vida.
b) Não atende, pois caso não seja alguém cujo número você já tem salvo, então se trata de alguém com quem você não deseja falar - porque, afinal de contas, você tem o número do amor da sua vida salvo na sua agenda e saberia se fosse ela.
c) Atende, mas se identifica como outra pessoa, porque caso seja algo com você que não lhe agrade no momento, é melhor anotar o recado para si mesmo e depois fingir que esqueceu de passar adiante.

Eu sou do tipo que atende. Aliás, eu sempre fui do tipo que atende. Em todas as circunstâncias possíveis, tanto empíricas quanto experimentais. E já tirei várias conclusões sobre isso - carência, desafeto, controle, solidão - mas nenhuma me satisfez até aquele dia em especial. O dia em que eu não atendi.
Antes de qualquer significação futura, eu preciso confessar que sempre fui do tipo que atendia, porque gostava de ser aquele com quem você pudesse contar. Aquele que está sempre disponível para o que der e vier, para ir até o bar mais próximo com você em cima da hora porque você terminou o seu namoro, ou brigou com os seus pais, ou precisa reclamar do seu trabalho, ou simplesmente está te faltando algo que você nem sabe o que é, mas que seria mais fácil refletir sobre isso se estivermos sentados na sacada, cada um armado com um copo de veneno que preferir, e aquele velho DVD dos Engenheiros do Hawaii tocando melancolicamente ao fundo. E o que me motivava a continuar sendo aquele que sempre atende, é o mesmo instinto que me posiciona em frente a uma tela em branco do Word para divagar sobre qualquer detalhe rotineiro que desperta em mim uma metáfora que precisa ser explorada - neste caso, representando as chamadas que, eventualmente, irão acabar.
Estar de partida me deu uma nova perspectiva mais privilegiada a respeito da vida que eu levo. Ou, então, a vida que eu costumava levar em Cascavel, antes de jogar tudo no ventilador e sair correndo em direção à fronteira do Paraguai. Me fez pensar no que realmente importa, e em quem realmente importa. E em como cada dia que se passa, é um dia a menos para sentarmos na sacada para afogarmos nossos relacionamentos, nossos pais, nossos deveres e nossas crises existenciais que nos tiram do sério às vezes. O que significa que eu não tenho mais tempo a perder com as promoções que a moça da Tim tem para me oferecer.
Se você é importante para mim, e se marcou a minha vida de alguma maneira nos últimos anos, você definitivamente tem seu número salvo entre os meus contatos. Até quem um dia foi importante e já não é mais ainda continua infestando o meu exclusivo espaço de armazenamento interno portátil, assim como permanecem disponíveis para que eu faça uma ligação pelo WhatsApp para você sem querer. Mas caso você não esteja entre estas duas categorias do seleto grupo de contatos que salvei ao longo dos anos, você definitivamente não será atendido agora.
Quando o desconhecido chama, talvez valha a pena aceitar o que poderá vir. É em direção a isto que eu estou indo, mais uma vez, com a vaga noção de que as coisas darão certo. Mas às vezes o desconhecido não vale a pena ser atendido. Não ao custo do meu precioso tempo, e muito menos dos meus créditos.

Pelo menos não durante os próximos 11 dias.

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