Janeiro é um mês estranho. É o prólogo de um ano novo enfim
em prática, e ao mesmo tempo o período em que absolutamente nada parece
acontecer. Entre os recessos legislativos e a crença popular de que o país só
volta mesmo a colocar seus protocolos em dia após o Carnaval, só nos resta a
decadência das nossas resoluções sobre emagrecer, o tédio existencial e as
chuvas de verão. E se você me perguntar qual desses é o pior, sem dúvida são as
chuvas.
Hoje mesmo, durante aquela longa estrada da
vida entre a saída do trabalho e a tradicional parada no mercado para descobrir
qual refeição congelada me aquecerá no jantar, ela caiu. Nem forte o suficiente
para que abrir um guarda-chuva se faça coerente – se você por acaso estiver com
um – nem fraca o bastante para te poupar de parecer encharcado e triste para
outros membros motorizados da sociedade que passam por você nos cruzamentos. E
como pouca desgraça não existe, uma música triste tocava nos meus fones de
ouvido que não podiam ser guardados sem arriscar estragá-los com a umidade.
Geralmente não me incomoda ser a personificação
de um clipe musical melancólico, mas tudo tem hora. Olhando para o horizonte
enquanto tento me distrair em um ônibus lotado que parece nunca chegar ao meu
ponto: sim. Voltando para casa após
o trabalho, cheio de sacolas, com uma mochila nas costas e sem possibilidade de
permanecer sério ou seco: não.
Mas as chuvas vem e não perdoam ninguém. Nem
se importam em substituir a clareza de um céu ensolarado por cinqüenta tons de
cinza. Na forma de nuvens desengonçadas que derrubaram uma mini-tempestade na
minha cabeça pela duração exata de quarteirões que faltavam para que eu
chegasse em casa. Parece que é sempre assim: a gente pisa dentro de casa e a
tempestade cessa. Irônico, não?
***
Janeiro, com seu marasmo e suas frivolidades,
também demonstrou ser uma verdadeira provação desta vez. Há algo de diferente em
2017. Isto eu já posso afirmar com certeza. Agora se será bom ou ruim, ainda é
cedo pra dizer. Mas é diferente. Pode ser o tipo de ano a ser lembrado pelo
número de calamidades que trouxe, ou pelos caminhos tortuosos que me fez
percorrer até enfim sobreviver e brindar pelo fim de dezembro. E digo isso
porque, cá entre nós, os relógios não estão marcando apenas o último dia do mês
mais chato do calendário. Esta é uma bela linha de chegada que precisa ser refletida.
Ou, no mínimo, sentida. O que já é pedir demais da minha parte, se quiser
saber.
E é claro que você quer saber. É por isso que
estamos aqui.
Durante os primeiros dias do ano eu sofri
mais estresse, ansiedade, dores de cabeça, arrependimentos e dúvidas do que em
qualquer momento da minha vida que eu consiga me lembrar. Vi pessoas que
considero menos profissionais e definitivamente menos merecedoras do que eu,
conquistarem seu espaço em posições bem mais promissoras do que a minha atual
aparenta ser. Enquanto tive que fazer o possível e o impossível para dar conta
de recados pelos quais fui o único que restou para atender. E eu estou cansado.
Não do trabalho, mas da fadiga. E da insustentável sensação de que quanto mais
eu pareço produzir, contribuir, ajudar e responder às demandas que surgem, mais
invisível eu me torno.
Sim, é um desabafo. E eu mereço isso,
especialmente aqui e agora.
Nas últimas semanas passei por medos que
sequer imaginava que existiam em mim. Afinal quem é que tem tempo de lembrar
que somos meros mortais no meio da correria do dia a dia? Você pensa que tudo
pode acabar num piscar de olhos, enquanto tenta relembrar todas as pendências
que precisa resolver quando chega no escritório de manhã? Claro que não. E
talvez nem deveria, senão como iria viver? Mas foram os tipos de medos que,
depois que surgem uma vez, não te abandonam mais.
Eu nunca fui do tipo que tem medo de hospitais.
Por todas as vezes em que visitei algum, sempre imaginei que eu ficaria bem. Ou
pior: que o mundo ficaria bem, independente do que pudesse acontecer. Mas o
medo se formou da maneira mais inesperada: eu não me importo comigo mesmo tanto
assim, apesar de admitir que é o meu egocentrismo que me tira da cama todas as
manhãs. Eu me amo e às minhas neuroses, mas não tanto quanto amo as minhas
pessoas. E a idéia de que algumas delas poderiam ter partido...
Eu não sei como terminar essa frase.
***
A questão é que eu estou cansado. E se eu puder
ser sincero aqui, na falta de um ombro amigo por perto para me dizer que tudo
ficará bem enquanto pede para o garçom trazer mais uma rodada, eu não estou dando conta. E para
quem tem uma noção distorcida sobre pedir ajuda ser o mesmo que “admitir
derrota”, e um pavor absoluto de fazer isso, considere bem essas palavras. Por
favor: eu não estou dando conta. E
estou comemorando o fim de Janeiro como se significasse algo mais do que isso.
Como se 2017 já estivesse terminando, sem nem saber o que ele realmente pôde
ser para mim. E foi neste turbilhão de pensamentos que assombravam a minha
mente enquanto eu caminhava pela rua, ao som de uma música triste, a chuva
caiu. E me humilhou na frente de todo mundo que parecia ter adivinhado que o
tempo ia fechar, e que se preveniu em sair de casa com um guarda-chuva.
Eu só queria voltar para casa e me sentir
seguro.
E não me diga que é apenas ironia, depois de
pisar dentro de casa e pingar por ela toda, parar para ver lá fora e descobrir
que o sol voltou. Porque é assim que as chuvas de verão funcionam: elas surgem sem
aviso, criam um transtorno e se dissipam com a mesma facilidade com a qual
fecharam o céu em primeiro lugar.
Janeiro foi a minha chuva de verão. Ao menos
é isso que eu espero. Assim como espero me tornar uma pessoa mais humilde,
sensata e equilibrada quando meu mau humor e meu medo também se tornarem
rarefeitos. Mas por hoje e por um bom tempo ainda, eu continuarei sendo o Igor.
E sendo o Igor que sou, farei o que faço de melhor: vou brindar a mim mesmo e
às minhas neuroses, ao som de uma música triste, enquanto assisto o pôr-do-sol.
Amanhã é outro dia, de outro mês, com uma série de novos problemas para serem resolvidos. Felizmente, eu já estou em casa.
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