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O monstro de olhos verdes


Shakespeare me entenderia. Mesmo depois de 400 anos desde a sua morte, o legado dramatúrgico que deixou para a humanidade nos persegue até hoje. Foi feliz ao comparar um dos sentimentos mais antigos do mundo com aquele de um gato que brinca com sua presa antes de devorá-la. Não porque está com dificuldades em prendê-la, mas por esporte. Zombando-a com seus olhos verdes e insensatos, pois sabe que toda a sua liberdade e agilidade não foram páreos para a sua astúcia. Talvez não haja melhor definição de inveja como esta.

Se a vida for mesmo a competição constante que eu imagino que seja, as alternativas são definitivas: haverá vencedores e haverá perdedores. E enquanto aos vencedores serão entregues os espólios, os perdedores devem assistir com amargura em seus olhos e uma dolorida salva de palmas que reverbera em seus egos feridos. Não há nada mais dolorido do que admitir que você não é a melhor pessoa do mundo. E eu sei bem: faço isso todos os dias.

Antes que você me julgue ou saia em uma missão de socorro pelo meu orgulho infame, aceite primeiramente que estou aqui tentando admitir uma dificuldade. Shakespeare compara a inveja a um monstro de olhos verdes, fazendo alusão da cor com aquela da muda de uma planta que ainda tem muito para crescer. Uma clara metáfora sobre imaturidade. Então, é: eu sei que está na hora de amadurecer.

Não há nada mais sensível em mim do que o meu ego. Palavras mal ditas e interpretações mal feitas já serviram de catalisadores para meu abandono de certas pessoas, lugares e hábitos que colocavam meu orgulho em risco. Estar certo a todo custo, mesmo que a única alternativa que restasse fosse a autodestruição de relacionamentos. Admitir derrota nunca foi uma opção.

Entende agora quando digo que sou um monstro?

***

Mas parte do amadurecimento vem com a aceitação de que, por incrível que pareça, ninguém está certo o tempo todo. E por mais que a vida não seja uma competição, ainda há quem ganhe sem merecer e há quem perca por falta de mérito. Ninguém disse que faz sentido, mas as regras do mundo real não existem para favorecer o seu conforto. Elas só... São. E você pode ficar emburrado no canto de um quarto escuro, chorando em posição fetal, ou pode tentar dormir e acordar para tentar mais uma vez no dia seguinte.

De todos os meus pecados, a inveja definitivamente não é minha favorita. E embora não seja possível perceber, estou me movimentando para melhorar. São esforços microscópicos – eu confesso – mas é o que posso oferecer no momento. E não são para você – são por mim. Mas eu ainda chego lá!

Não me agrada ser alguém com um instinto assassino que cobiça as conquistas alheias, ou as julga como injustas quando acontecem com pessoas fora do meu círculo de confiança. Mas e daí? Isto não irá impedi-las de acontecer, e o pior: pode impedir de que aconteça comigo também.

***

Pare de me olhar assim! É um defeito, eu sei. Assim como todos os outros na minha coleção, que deve ter muito em comum com a sua. A diferença é que esta é uma admissão pública de culpa para que, quem sabe, da próxima vez eu saiba agir com mais maturidade perante as vitórias alheias. Eu ainda gosto de pensar que sou uma pessoa justa – mesmo que a minha bússola ética me aponte para direções distorcidas e maquiavélicas. Mas nem sempre sei lidar da melhor maneira com alguns acontecimentos ao meu redor. Com relacionamentos que não se materializam, promoções que não são ofertadas, e esforços que não são reconhecidos...

Provavelmente deve haver olhos verdes cuidando dos meus movimentos também. Admirando as oportunidades que já tive na vida, e se contorcendo pelo meu descaso perante elas. Eu só não os percebi porque estava ocupado demais tentando proteger o meu ego dos absurdos ao meu redor – especialmente dos que eu mesmo digo e faço.

Eu costumava pensar ainda que isto era bom: ser autêntico na minha malevolência. Ser sincero na minha grosseria. Ser verdadeiro perante os meus desgostos. Mas acho que esta é só a melhor maneira de se tornar cego diante da felicidade: desacreditando as dos outros, até negar a sua própria.

É a vida como ela é, na sua mais pura essência. O problema é que estamos acostumados a sermos o gato, em vez da presa capturada pelos olhos verdes. E se isso for mesmo uma competição, acho que eu finalmente aprendi minha lição: não há como vencer. Vale mais a pena bater palmas sinceras pela vitória alheia, do que morrer engasgado no próprio orgulho ao ser o segundo a cruzar a linha de chegada.

Shakespeare me entenderia. Não concordaria, mas entenderia...

Comentários

  1. Admitir os próprios defeitos nunca foi e nunca será uma tarefa fácil. Mas, pelo jeito, o primeiro passo foi dado e isso já é uma vitória.

    Beijo.

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