O mundo não é mais um lugar romântico. Algumas pessoas, no entanto, ainda são, e a elas cabe uma promessa: não deixe o mundo vencer.
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Depois de ler incontáveis romances, um homem aparentemente comum decide trazer de volta o cavalheirismo e reviver o sonho de um mundo justo e correto, duelando contra inimigos tiranos e salvando todos aqueles que se encontrem em apuros, acreditando que sua bravura será reconhecida e recompensada por aquela que ele considera como a mulher da sua vida. Esta é a trama do épico “Dom Quixote”. E o que me assusta não é conhecê-la tão vividamente sem sequer ter lido o livro, mas já ter passado alguns anos tentando recriá-la na minha própria vida.
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A adolescência é uma selva. Uma luta por sobrevivência constante – ou pelo menos é assim que a gente se sente, entre mãos tremulas durante apresentações de trabalhos, potes de cremes para espinha que parecem não funcionar magicamente da noite para o dia como nós precisávamos que funcionassem, e fantasias remotas com a garota mais linda da sala com quem nós absolutamente nunca realmente teríamos uma chance – então pra quê tentar? E é nesse contexto em que traços marcantes da nossa futura personalidade adulta começam a ser desenhados. Traços definitivos que ecoaram pelo resto da nossa eventual maturidade, sejam eles originados por traumas do que fizemos, ou por arrependimentos do que poderíamos ter feito. Tanto um quanto o outro podem ser justificados pela nossa própria natureza, invariavelmente despreparada para responder às exigências do mundo real na maioria das vezes.
O problema é o seguinte: mais cedo ou mais tarde, todos nós crescemos. O próprio tempo nos empurra pra frente a cada dia. Os tremores se acalmam e as espinhas secam, mas os sonhos... Bom. Alguns sonhos permanecem. E ao contrário das roupas e calçados, nem sempre é evidente quando alguns sonhos já não nos servem mais. O que me leva a admitir algo que há anos vem sendo esquivado ou desconversado por mim mesmo, entre posts sobre louça suja e as lamúrias da existência.
Meu nome é Igor e eu ainda sonho com a mulher da minha vida.
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Eu me lembro de ter 14 anos e passar dias e noites escrevendo sobre amor. Um amor, ainda que na sua forma bruta e contraditoriamente mais pura, que eu considerava existir na forma da Dulcinéia – a garota mais linda da primeira série do colegial. E por muito tempo eu tentava conquistar a Dulcinéia com as minhas façanhas literárias, declarando sempre que era ela a minha musa inspiradora, e que não haveriam obstáculos que não poderiam ser conquistados caso ela me concedesse uma chance de provar que eu poderia ser o seu cavaleiro. Vale ressaltar aqui também que não há muita diferença entre o colegial e a Idade Média – em escala emocional, é claro.
Mas independente dos meus apelos e dos gigantes que eu estava disposto a enfrentar para ficar com ela – desde a minha mãe, que sempre achou que “aquela menina não é boa o bastante para você”, os meus amigos que tentavam me lembrar de que ela tinha outros pretendentes bem mais bravos e belos, até as amigas dela que tentavam me consolar ao confessar as palavras que Dulcinéia havia repassado a elas: “Ela não vê você de uma maneira romântica...”
Era inconsolável e irremediável o quanto eu não queria desistir. Ou o quanto eu sentia que não podia desistir. O que me levava a escrever inúmeras cartas de amor, e a traçar a épica jornada que parecia haver entre a minha casa e a dela, para que eu pudesse entregar tal mensagem diretamente ao seu castelo, e rezar para que os meus apelos fossem aceitos. Para que a sua misericórdia fosse tão majestosa quanto a sua beleza. Um apelo que, por fim, nunca foi aceito.
Anos depois, eu me mudei para um novo condado e aos poucos deixei de receber notícias sobre Dulcinéia. Meu amor por ela, no entanto, parecia só aumentar com a distância. A saudade é o combustível mais potente que existe para inflamar chamas que, vez por outra, causariam menos estragos se fossem apagadas de uma vez.
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Tudo isso parecia muito épico e grandioso para mim, dez anos atrás. A verdade é que durante todo o colegial eu fui apaixonado por uma garota da minha sala, e que partiu meu coração ao dizer que só me via como um amigo. Hoje, até onde eu sei, ela está casada, tem um filho, e está bem feliz ainda na mesma cidade em que nos conhecemos. Seu nome não era Dulcinéia; este é o nome que Miguel de Cervantes usa em sua obra, “Dom Quixote”, para construir a imagem do amor inatingível que motiva o seu protagonista a uma busca incansável por ela através de duelos contra o que ele considera ser gigantes inimigos, mas que não passavam de alucinações criadas de imagens distorcidas de moinhos de vento.
E no final da história que serviu de base para os anos formativos da minha imaturidade e minha literatura, também não poderia haver uma metáfora melhor para ilustrar o que eu preciso fazer agora. Não existem amores inatingíveis ou gigantes que nos impedem de alcançá-las; apenas pessoas ordinárias e moinhos de vento. Assim como dizia o nome da canção que Dom Quixote dedicava à sua Dulcinéia, é preciso finalmente admitir o inevitável: mais cedo ou mais tarde, todos nós precisamos crescer – até mesmo emocionalmente. E alguns sonhos, infelizmente, são mesmo impossíveis.
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O mundo não é mais um lugar romântico. Algumas pessoas, no entanto, aprendem a se adaptar a ele. E talvez na saudade de um sonho, ainda perdure uma promessa.
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