Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção desde a primeira vez que visitei Foz do Iguaçu foram as placas de trânsito pela cidade escritas em inglês. Por algum motivo eu achei incrível a ideia de morar em um lugar onde até mesmo o trânsito possui caráter internacional. E como algumas pessoas já me disseram, é possível encontrar gente de todos os lugares possíveis por aqui. Como os turistas americanos que sempre me param na rua para perguntar aonde fica o terminal central, ou a vez em que liderei uma família japonesa ridiculamente entusiasmada até uma churrascaria por não conseguir simplesmente lhes informar que era só seguir em frente mais algumas quadras da onde estavam. Enfim, são coisas que eu imagino que só devem acontecer por aqui.
Entre o Brasil e a Argentina existe uma que sinaliza o “trânsito fronteiriço” que se forma nas aduanas, pouco antes da ponte Tancredo Neves até o caos que se instala próximo a entrada para o Duty Free em Puerto Iguazú – e é uma expressão que nunca parei para conceber antes. Mas trocando em miúdos, é assim que Foz do Iguaçu talvez possa ser definida: um trânsito fronteiriço entre o Brasil e o resto da América do Sul. Claro que também é possível cruzar a fronteira pelo Rio Grande do Sul, mas não me parece ter o mesmo status que a travessia Iguaçuense. Para mim existe algo mais tradicional em Foz do Iguaçu, mas as memórias tem mesmo essa propensão de serem supervalorizadas pelo afeto que associamos a elas. Isso, e o fato de que as minhas referências gaúchas se resumem a chocolate, vinho, e um frio absurdo.
Enfim, entre travessias e vistorias pela alfândega, parte da minha mudança para Foz do Iguaçu – assim como a maioria das minhas decisões na vida – foi por afeto. Aquelas placas que diziam que a Argentina fica à esquerda, o Paraguai à direita e o centro da cidade seguindo reto passavam mesmo uma impressão de que existe um mundo maior do que eu podia imaginar até então. Maior do que Londrina, Cascavel ou qualquer outro projeto que eu pudesse ter que sempre parecia se limitar a um só município nacional. Não que a minha ambição esteja mirando em metas que vão além do rio Iguaçu, mas... Por que não?
A psicologia define personalidades do tipo “borderline” como aquelas que estão perto de romperem com a lucidez que nos permite viver saudavelmente em sociedade. E a ficção, aqui representada pelo Coringa, descreve que a loucura é como a gravidade; só é preciso um pequeno empurrão para que alguém passe do limite. “Borderline”, do inglês, traduz-se literalmente como “a linha da fronteira”, e é nisso que eu tenho pensado ultimamente. Porque apesar de já morar em Foz do Iguaçu há algum tempo e de já ter seguido as placas de trânsito em direção aos países vizinhos, existem certas fronteiras que eu ainda não consegui atravessar.
Acho que todos nós devemos ter nossos limites, e talvez sejam resquícios de grandes mudanças. Depois que a poeira abaixa, nós lentamente procuramos uma nova rotina e nos prendemos a ela a ponto de que algo pareça familiar de novo. Eu já conheço bem alguns caminhos da cidade e há algo de reconfortante em saber como dar direções corretamente para turistas perdidos que me param na rua para perguntar como chegar ao Marco das Três Fronteiras ou ao Museu de Cera. Mas a essa altura o que eu preciso mesmo é de uma familiaridade que vá além da geografia. Algo que vá além das placas de trânsito e paradas de city tours. Aliás, não algo... Alguém.
No fim não importa realmente se você sabe ou não o seu próprio CEP. O limite mais assustador de todos a ser atravessado sempre será aquele entre você e outra pessoa que você deseja conhecer. É isto que faz de todos nós personalidades “borderline”.
Loucura mesmo é nunca tentar atravessar.
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