Dedicado a todos com quem eu fui menos gentil do que deveria. Não quero que esta seja a minha natureza a ser lembrada.
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De todas as interpretações possíveis que poderiam ser tiradas desta história, eu nunca me preocupei com sequer uma delas. Particularmente falando, sempre achei fábulas muito chatas durante a minha infância. Tão previsíveis e sentenciadoras com suas morais ao final... Em se tratando de histórias, eu só queria escutá-las e ser entretido. Não queria aprender, muito menos refletir. Mas aí a gente cresce e invariavelmente desenvolve aquela parte de nós que é definitiva e revolucionária para separar as crianças dos adultos: um negócio chamado consciência. Depois de adquiri-la, você nunca mais é o mesmo, e com ela você aprende a enxergar suas crenças e atitudes de um modo diferente. E por “diferente”, entenda “categórica”.
Não que eu não tenha meus momentos de ambivalência – e como eu os tenho! – mas parece que depois de um tempo, as coisas precisam ser mais bem definidas para que o nosso estado de espírito faça... Bom... Sentido. As coisas precisam ser boas ou más, certas ou erradas, ajustadas à esquerda ou à direita, e por aí vai. E para isso nós buscamos entender cada vez mais sobre nós mesmos, os pensamentos que nutrimos e as maneiras como agimos pela vida afora. Sempre pensando se aquilo foi mesmo o certo a ser feito, ou algo que precisará ser remediado e dolorosamente arrependido, sujeito a contrição e pedidos de desculpas.
É a tragédia humana, no final das contas: quanto mais procuramos aprender sobre a nossa natureza, mais classificações nós descobrimos para nos apoiar. E uma vez que solidificamos as fundações que encontramos para nós mesmos, não há nada que nos derrube. Isto é, a não ser nós mesmos, quando acabamos por ser... Bom... Nós mesmos.
Eu gostaria de ser uma pessoa melhor. Menos grosso, mais paciente. Menos sarcástico, mais gentil. Menos prepotente e mais simpático. Eu pelo menos gostaria de sorrir mais e franzir menos a testa diante de situações em que todos seriam mais felizes se eu guardasse para mim toda a minha ironia e senso de desorientação. Mas não; elas vivem estampadas na minha testa para quem quiser ver. Se você me conhece, já sabe discernir em quais momentos pode se aproximar de mim ou não. Quando estou amigável ou quando estou mal humorado. E se você não me conhece, provavelmente nem irá se aproximar. Nem sempre eu gostaria que meu humor fosse tão transparente, ou que minhas palavras fossem tão ríspidas e dolorosamente verdadeiras, mas eu não posso evitar. É a minha natureza...
Parece uma desculpa tão infame. Como se eu não fosse capaz de mudar se eu quisesse. Como se a minha vida não pudesse ser de qualquer outro jeito que eu pensasse em torná-la, se me empenhasse um pouco em cuidar com o modo como as coisas que quero dizer saem de mim para chegar até você... Mas, psicologias à parte, eu também gosto de me apoiar um pouco em outros tipos de crença. Independente das críticas ou até mesmo da veracidade delas.
Mas a profissão que escolhi agora – e que movi céus e montanhas para torná-la realidade, provando que sou sim capaz de mudar – me leva a ler dezessete tipos de jornais por dia, no mínimo. E em alguns desses jornais existe uma sessão em particular que faz uso de uma classificação tão antiga e mística que, mesmo que você não acredite, às vezes também não consegue deixar de ver se o que está ali, bate mesmo com quem você é. Um negócio chamado horóscopo...
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Talvez a minha natureza seja mesmo irônica, e inquieta, e quem sabe até um pouco perigosa. Assim como a sua, porque pertencemos à mesma classe e ao mesmo ecossistema – apenas surgimos de constelações astrais diferentes. Mas não quero assumir certas partes da minha natureza baseado no que fábulas e colunas de jornal indicam que eu seja. Não quero ser iconicamente maquiavélico, utilizando pessoas como meios para algum fim em especial, nem quero morrer de arrependimento por coisas que não disse ou por lições que não quis aprender. Eu admito que existem partes de histórias a respeito do meu suposto caráter mítico que gosto de ter: a fama de sedutor, de cativante, de envolvente... E antes que você pense em dizer o contrário, poupe-se. Se eu não fosse ao menos um pouco assim, você não estaria lendo isso.
Apesar de tudo, é sempre bom procurar aprender o máximo que podemos sobre nós mesmos. Toda fonte é válida – dos horóscopos aos contos infantis. Mas no final das contas, quem saberá dizer do que você é feito, ou o que é capaz de fazer nesta vida, é você mesmo. Em último caso, procure as pessoas ao seu redor e arrisque perguntar o que pensam sobre você. Se deveria mudar ou se desculpar por algo que passou despercebido pelo seu ego inflado. Escute o que elas tem a dizer, e faça algo a respeito se for preciso.
Minha natureza é irônica, arrogante e volátil. Mas também é acolhedora, prestativa e justa. A vida se torna intrinsecamente mais fácil depois que você descobre exatamente em quais adjetivos você se encaixa. Especialmente a vida de um escritor.
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