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Amor: um arquivo temporário


Existe uma pasta escondida nas profundezas do disco rígido do meu computador que quase nunca é acessada. Nem por mim, nem por ninguém. Não está protegida por senha, nem está nomeada para orientar quem passa por ela a estar ciente sobre o que está guardado ali. E o que há nela, bom... É algo embaraçoso, eu confesso. Algo que, admito, não deveria existir há um bom tempo. E mesmo assim, ela se mantém intacta, salva e arquivada em uma outra pasta que também não está escondida ou bloqueada para que terceiros vejam o que ela contém. Ela só está ali, imóvel, intacta e impiedosa, se eu precisar adjetivar o seu conteúdo também. E ela continua ali por um motivo, é claro. Só não me pergunte qual é, pois se não há justificativa para a sua criação, quem poderá dizer da sua permanência? Mas algo a mantém ali, e é nisso que eu parei pra pensar nesta noite.

Depois de estações passarem sem que ela fosse redescoberta, eu a encontrei mais uma vez em um fim de tarde de inverno. Só porque eu escutei uma canção tocar – uma que, assim como aquela pasta, eu procuro sempre evitar. Mas o modo aleatório pelo qual a vida se inspira é mesma configuração pela qual a minha playlist do iTunes opera. E com a primeira batida daquela música, eu me recordei do que costumava acompanhá-la. Ou melhor, de quem costumava acompanhá-la.

***

Dizem que amor de verdade só existe quando é compartilhado. E apesar de toda a minha ironia, sarcasmo e deboches com os quais eu normalmente me expresso pela vida afora, minha esperança em ser uma pessoa melhor, mais feliz e mais amável sempre residiu no que eu já fui capaz de escrever. Especialmente quando estava falando de outra pessoa.

Se eu já escrevi algo para você, direta ou indiretamente, e deixei que você soubesse disso, saiba também que eu te amo. E se nós não nos falamos mais, saiba que por um tempo considerável – o tempo que levei para organizar meus pensamentos em parágrafos e em uma trilha sonora para acompanhá-los – eu realmente amei sim. Mas a mesma profundidade que as palavras são capazes de expressar, também pode ser facilmente esvaziada por elas. Assim como algumas pessoas.

Eu ainda tenho guardado em um submundo de pastas digitais quase todas as homenagens que já escrevi nesta vida. Para amigos que estavam comemorando aniversários, casais que celebraram sua união e me convidaram para apadrinhá-los, ou amores que se esconderam debaixo da minha pele tão sutilmente que não havia mais como esconder o que eu estava sentindo. E a regra é clara: a única maneira de estar realmente sob o controle das suas emoções, é se rendendo a elas. Coisa que eu já deveria ter aprendido há anos também, depois de tantas palavras que já distribuí por aí. Mas algumas mensagens simplesmente passam em vão por nós. Assim como algumas pessoas, também.

O que aconteceu com a gente? Nós costumávamos ser amigos, ao menos.


***

O motivo pelo qual esta pasta não deveria mais existir é claro: algumas pessoas se foram, e as homenagens já não possuem mais o seu sentido original. O sentimento de comemoração por estarmos um na vida do outro foi pedido de algum jeito, em algum momento do tempo que passamos juntos. E quanto mais eu insisto em ignorar que esses textos ainda estão salvos aqui, acumulando espaço, poeira e saudade, mais frequentes se tornam os tropeços que eu sofro ao reencontrá-los.

Apesar de serem rascunhos de desejos de felicidade e promessas de amor eterno que não provocam mais nada a não ser eco, eu ainda os vejo como artefatos. Souvenires de um tempo mais feliz. Lembranças de algo que talvez nunca irá voltar, mas que por um momento pareceu ser absolutamente tudo o que importava no mundo.

Lembra de quando só o que importava era estarmos juntos? É, nem eu. Mas as provas estão aqui e são irrefutáveis. Por alguns minutos, enquanto você lia, eu te fiz feliz. E antes disso, por dias e horas que fiquei pensando em como poderia escrever exatamente tudo o que estava sentindo, com as palavras certas e a música certa para deixar como dedicatória, eu amei você. E compartilhei, porque queria que fosse de verdade.

Não é amor que ainda mantém todos esses arquivos salvos aqui, e não é saudade o que eu sinto quando crio coragem de rele-los. Só há, então, uma explicação: é o controle que eu ainda consigo manter sob o que restou de nós. E seja lá o que tenha acontecido para fazer com que eu perdesse o carinho em escrever o seu nome, de alguma maneira ainda estamos juntos.

Houve um dia em que tudo o que eu mais queria nesta vida era ser inesquecível para você. E de uma maneira pequena, infame e abstrata, eu consegui. Só não estou mais por perto para avisar que isto aqui também é sobre você.

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