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8/80

Existem dois grandes medos que lideram a vida de um escritor diante de uma folha em branco. Ele pode começar aos poucos e, palavra por palavra, ponto a ponto, acabar submetendo mais da sua alma do que esperava. Ou, então, enrolar por períodos, parágrafos e pontuações infames, até descobrir que realmente não havia nada que precisava ser escrito. Quanto a mim, que ainda estou tentando descobrir qual caminho quero seguir para tentar chegar ao que eu acredito que deva ser dito, eu não sabia por onde começar. Uma indecisão que, por si só, resumiu exatamente o conflito que aqui reside: a insustentável leveza dos meios-termos. A noção de que as coisas, as pessoas e os lugares devem ser aproveitados ao máximo, ou então não há pra quê dar uma chance a eles. Enquanto a vida que pode ser vivida em equilíbrio entre um extremo e outro parece morna demais para valer a pena.

Para você que está lendo e pensando “Uau, eu sou muito assim, 8 ou 80!”, pare. Você não é assim. Você nem faz ideia do que é ser assim. Mas este sou eu, caindo em hábitos extremos mais uma vez, pra variar. Esvaziando o valor do que outras pessoas pensam, por já me considerar a pessoa mais quebrada do mundo. E também não há lugar no pódio para você. As outras posições já estão ocupadas pelas pessoas que eu mesmo quebrei pelo caminho.

Eu penso nisso todos os dias, o tempo todo. Desde a primeira xícara de café do dia, até os questionamentos noturnos sobre porque estou indo dormir sozinho. Alguns anos atrás eu tive um pensamento parecido, envolvendo meu repúdio absoluto sobre o café com leite. Quando somos crianças, aprendemos que quem é rotulado como “café com leite” é considerado frágil, fraco, sensível. Incapaz de lidar com as regras impiedosas do jogo da vida e, por isso, precisam ter algumas vantagens especiais para conseguirem acompanhar os outros. Eu já fui a criança café-com-leite e odiei cada experiência do tipo. Mesmo quando tentava jogar conforme as regras padrões e descobria que os outros tinham razão.

Alguns feitos, e algumas situações, não foram feitas para todos nós. E não há nada de errado em admitir derrota, aceitar ajuda, ou pedir um tempo. E se não fosse pelo mundo ao nosso redor, constantemente nos lembrando de que é preciso ser sempre o melhor, independente e invencível, talvez as memórias da infância não nos assombrassem até hoje.

O meio que eu encontrei para ter paz sobre isso foi aceitar o fato de que às vezes quem faz o café, o faz muito forte. Às vezes é o meu pai, às vezes é a moça da firma, e, às vezes, a própria vida. E adicionar leite pode ajudar a suavizar as doses de cafeína que preciso para continuar operando normalmente.

***

Quando eu saí de casa, minha mãe me deu o abraço mais forte do mundo. O abraço que silenciosamente me pedia para não ir embora, mas eu fui. Talvez na maior demonstração de todas sobre como toda vez em que eu me deparo com amor, meu instinto é fugir por não saber lidar com ele. Oito anos depois, minha mãe ainda me liga todos os dias, sem falta e até mesmo sem assunto. Só para saber se eu estou bem, se estou vivo... Se consegui encontrar amor por aí. Em dias mais estressantes, minha ingratidão questionava o motivo das ligações diárias. Minha mãe, a santa, sempre diz que em matéria de amor, é melhor pecar pelo excesso do que pela falta. Eu acredito que ela tem razão. Eu também acredito que realmente não dou conta disso.

***

A expressão “8 ou 80” vem de um game show dos anos 70. Nele, os participantes concorriam a prêmios ao responder perguntas feitas pelo apresentador. Respostas parciais valiam 8 pontos; as completas valiam 80. Para aumentar o suspense, o apresentador puxava o bordão: “É 8 ou 80?!”. E foi assim que nós aprendemos que o 8 quer dizer pouco, o 80 deve ser a nossa meta, e qualquer número entre um e outro na verdade não vale nada.

Foi assim que deixei minha ansiedade tomar o melhor de mim em relacionamentos que estavam só começando – só para afugentar o amor de vez. Similarmente, outros optei por nem dar uma chance, acreditando que a longo prazo o resultado seria apenas o eco que causaríamos na vida do outro. Ou eu sinto muito medo ou muita dúvida para arriscar te dar um “oi”, ou a gente casa semana que vem. Se não for pra ser assim, fico sozinho. Eu sei lidar com os meus extremos quando estou sozinho. A questão ultimamente tem sido: isso é algo que eu quero fazer até o extremo da minha vida?

***

Quando começamos a conversar, eu te disse que existem dois grandes medos na vida de um escritor. Entre eles, eu sempre prefiro enfrentar o segundo. No mínimo, aprendo a lidar com algo que passa a semana adormecido em mim. Entre a correria do dia a dia, os deslocamentos entre um ônibus e outro, as segundas vias de boletos que preciso imprimir e pagar, e as idas ao bar que tem me mantido de pé. Agora, eu entendo também que a divisória entre o 8 e o 80 não é maniqueísta. O 8 pode ser pouco, mas não necessariamente ruim. O 80 pode ser muito, mas não necessariamente bom. São só duas pontas de um cabo de guerra onde quem decide se é possível achar o equilíbrio, ou acabar caído e arrependido em um dos lados, sou eu.

Eu não sei se encontrarei meu ponto de equilíbrio algum dia. E não sei se isso é bom ou ruim também. O que eu sei, com certeza, é que até a presente data não há como delimitar nenhum tipo de extremo para o meu 2017. Esse ano todo não tem passado de um exercício de desconstrução após o outro, onde tudo é possível e nada está a salvo. Isso não quer dizer que eu devo abandonar todo e qualquer sonho de alcançar um meio termo sobre quem eu sou, e quem eu ainda espero ser.

Só significa que, em meios termos de 2017, uma coisa é clara: não há mais regras.

***

Espero que isso te ajude a entender pelo menos porque eu vivo sozinho, na defensiva, cercado de sarcasmo e armado de olhares desconfiados. Entre tudo e nada, convenhamos: é mais fácil aprender a lidar com o nada.

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