Existem dois
grandes
medos que lideram a vida de um escritor diante de uma folha em branco. Ele pode
começar aos poucos e, palavra por palavra, ponto a ponto, acabar submetendo
mais da sua alma do que esperava. Ou, então, enrolar por períodos, parágrafos e
pontuações infames, até descobrir que realmente não havia nada que precisava
ser escrito. Quanto a mim, que ainda estou tentando descobrir qual caminho
quero seguir para tentar chegar ao que eu acredito que deva ser dito, eu não
sabia por onde começar. Uma indecisão que, por si só, resumiu exatamente o
conflito que aqui reside: a insustentável leveza dos meios-termos. A noção de
que as coisas, as pessoas e os lugares devem ser aproveitados ao máximo, ou
então não há pra quê dar uma chance a eles. Enquanto a vida que pode ser vivida
em equilíbrio entre um extremo e outro parece morna demais para valer a pena.
Para você que está lendo e pensando “Uau, eu sou muito assim, 8 ou 80!”, pare. Você não é assim. Você
nem faz ideia do que é ser assim. Mas este sou eu, caindo em hábitos extremos
mais uma vez, pra variar. Esvaziando o valor do que outras pessoas pensam, por
já me considerar a pessoa mais quebrada do mundo. E também não há lugar no
pódio para você. As outras posições já estão ocupadas pelas pessoas que eu
mesmo quebrei pelo caminho.
Eu penso nisso todos os dias, o tempo todo. Desde a primeira
xícara de café do dia, até os questionamentos noturnos sobre porque estou indo
dormir sozinho. Alguns anos atrás eu tive um pensamento parecido, envolvendo
meu repúdio absoluto sobre o café
com leite. Quando somos crianças, aprendemos que quem é rotulado como “café
com leite” é considerado frágil, fraco, sensível. Incapaz de lidar com as
regras impiedosas do jogo da vida e, por isso, precisam ter algumas vantagens
especiais para conseguirem acompanhar os outros. Eu já fui a criança
café-com-leite e odiei cada experiência do tipo. Mesmo quando tentava jogar
conforme as regras padrões e descobria que os outros tinham razão.
Alguns feitos, e algumas situações, não foram feitas para todos
nós. E não há nada de errado em admitir derrota, aceitar ajuda, ou pedir um
tempo. E se não fosse pelo mundo ao nosso redor, constantemente nos lembrando
de que é preciso ser sempre o melhor, independente e invencível, talvez as
memórias da infância não nos assombrassem até hoje.
O meio que eu encontrei para ter paz sobre isso foi aceitar o fato
de que às vezes quem faz o café, o faz muito forte. Às vezes é o meu pai, às
vezes é a moça da firma, e, às vezes, a própria vida. E adicionar leite pode
ajudar a suavizar as doses de cafeína que preciso para continuar operando
normalmente.
***
Quando eu saí de casa, minha mãe me deu o abraço mais forte do
mundo. O abraço que silenciosamente me pedia para não ir embora, mas eu fui.
Talvez na maior demonstração de todas sobre como toda vez em que eu me deparo com
amor, meu instinto é fugir por não saber lidar com ele. Oito anos depois, minha
mãe ainda me liga todos os dias, sem falta e até mesmo sem assunto. Só para
saber se eu estou bem, se estou vivo... Se consegui encontrar amor por aí. Em
dias mais estressantes, minha ingratidão questionava o motivo das ligações
diárias. Minha mãe, a santa, sempre diz que em matéria de amor, é melhor pecar
pelo excesso do que pela falta. Eu acredito que ela tem razão. Eu também
acredito que realmente não dou conta disso.
***
A expressão “8 ou 80” vem de um game show dos anos 70. Nele, os
participantes concorriam a prêmios ao responder perguntas feitas pelo
apresentador. Respostas parciais valiam 8 pontos; as completas valiam 80. Para
aumentar o suspense, o apresentador puxava o bordão: “É 8 ou 80?!”. E foi assim
que nós aprendemos que o 8 quer dizer pouco, o 80 deve ser a nossa meta, e
qualquer número entre um e outro na verdade não vale nada.
Foi assim que deixei minha ansiedade tomar o melhor de mim em
relacionamentos que estavam só começando – só para afugentar o amor de vez.
Similarmente, outros optei por nem dar uma chance, acreditando que a longo
prazo o resultado seria apenas o eco que causaríamos na vida do outro. Ou eu
sinto muito medo ou muita dúvida para arriscar te dar um “oi”, ou a gente casa
semana que vem. Se não for pra ser assim, fico sozinho. Eu sei lidar com os
meus extremos quando estou sozinho. A questão ultimamente tem sido: isso é algo
que eu quero fazer até o extremo da minha vida?
***
Quando começamos a conversar, eu te disse que existem dois grandes
medos na vida de um escritor. Entre eles, eu sempre prefiro enfrentar o
segundo. No mínimo, aprendo a lidar com algo que passa a semana adormecido em
mim. Entre a correria do dia a dia, os deslocamentos entre um ônibus e outro, as
segundas vias de boletos que preciso imprimir e pagar, e as idas ao bar que tem
me mantido de pé. Agora, eu entendo também que a divisória entre o 8 e o 80 não
é maniqueísta. O 8 pode ser pouco, mas não necessariamente ruim. O 80 pode ser
muito, mas não necessariamente bom. São só duas pontas de um cabo de guerra
onde quem decide se é possível achar o equilíbrio, ou acabar caído e arrependido
em um dos lados, sou eu.
Eu não sei se encontrarei meu ponto de equilíbrio algum dia. E não
sei se isso é bom ou ruim também. O que eu sei, com certeza, é que até a
presente data não há como delimitar nenhum tipo de extremo para o meu 2017.
Esse ano todo não tem passado de um exercício de desconstrução após o outro,
onde tudo é possível e nada está a salvo. Isso não quer dizer que eu devo
abandonar todo e qualquer sonho de alcançar um meio termo sobre quem eu sou, e
quem eu ainda espero ser.
Só significa que, em meios termos de 2017, uma coisa é clara: não
há mais regras.
***
Espero que isso te ajude a entender pelo menos porque eu vivo
sozinho, na defensiva, cercado de sarcasmo e armado de olhares desconfiados.
Entre tudo e nada, convenhamos: é mais fácil aprender a lidar com o nada.
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