Fui ali e voltei.
Esta é a
melhor maneira de explicar por onde andei. Claro, você provavelmente chegou a
me encontrar naquele mesmo bar perto da faculdade, ou então cruzamos olhares
enquanto eu me servia de mais uma xícara de café em uma manhã qualquer no
trabalho, ou quem sabe nós nem realmente chegamos perto de nos vermos. Não
seria a primeira vez. Nem a última, por sinal.
Eu andei por
aí, silencioso, porque não sabia mais o que dizer. Talvez eu nunca realmente
soube. E não senti vontade de continuar preenchendo linhas em vão, ainda sem saber
o que queria dizer. Ou então, não sabia para quem queria dizer. Foi aí que as coisas começaram a ficar claras.
Já faz
alguns anos desde que isso começou. A maioria de vocês já conhece a história,
mas para quem desceu do ônibus agora, o resumo da ópera é simples. Um dia eu
saí de casa e passei a escrever sobre tudo e todos que encontrei por aí. Na esperança
de que os registros me ajudassem a voltar caso a vida lá fora não cumprisse
todas as promessas que fez. Mas, sobretudo, foi uma maneira de não me perder
pelo caminho.
Bom, eu
estive percorrendo este caminho pelos últimos oito anos. E por ele já se
passaram três cidades, alguns apartamentos, momentos especiais (e outros nem
tanto) em família, incontáveis relacionamentos (reais e imaginários), os dramas
cotidianos que compõem a grade curricular de uma faculdade e meia, e as trilhas
sonoras que tocavam nos meus fones de ouvido enquanto estive por aí. Andando,
correndo, falando, rindo, brigando, amando, pedindo desculpas e tentando
aprender a simplesmente abrir mão da bagagem que não precisa ser levada adiante.
Vale ressaltar que os dois últimos aspectos da lista ainda são um trabalho em
progresso. Assim como eu. Assim como você.
A questão
agora não envolve por onde andei, quem encontrei, o que tudo isso me fez sentir,
ou quais músicas foram inspiradas ou arruinadas pelo que houve. O que importa
agora é isso: eu não sei mais o que quero dizer. E a principal consequência
disso é evidente pra quem está acompanhando mais de perto: eu não sei mais para
onde ir. E é nisso que estive pensando enquanto tornei meus registros aqui
inacessíveis para quem estivesse interessado em ler. Coisa que, confesso, vai
além de toda a minha compreensão.
Por que você
está lendo isso?
Tudo bem; eu
avisei que havia algo novo a ser lido. Mas o que te realmente te trouxe até
aqui? Você queria saber como eu estava? Poderia ter me perguntado. Queria saber
por quem estou sofrendo por amor? Faz diferença a essa altura, ou só queria
saber se ainda era por você? Queria saber qual música ando dando replay ao ponto
de encaixar sua melodia aqui? “Evidências”.
É sempre “Evidências”.
***
Dia desses,
eu estava andando por aí – porque às vezes parece que é só isso que eu faço
mesmo; a pé, de ônibus, na rua, na chuva, na fazenda... – quando um malabarista
de sinaleiro me parou. “Você tem um limão?”, ele perguntou. “Não, desculpe. Por
que?”, eu disse, inexplicavelmente me engajando nesse diálogo infame e me
desculpando por não dar a resposta que ele esperava. “Por que essa cara de
azedo então?”, ele respondeu. E enquanto ele seguiu seu caminho, eu fiquei
parado por alguns instantes, em dúvida sobre qual caminho eu mesmo deveria
seguir agora: refletir sobre a cara de azedo que estava inconscientemente
exibindo, ou sobre quais repercussões sociais eu enfrentaria caso puxasse briga
com um malabarista de sinaleiro. Optei por seguir em frente, porque já estava
atrasado para meu próximo compromisso, que provavelmente também envolveria
diálogos sarcásticos desse tipo.
Vale
ressaltar também que, pouco tempo depois, eu fui parar naquele mesmo bar perto
da faculdade.
Eu não sei
porque estava com cara de azedo. E o malabarista não era sequer o primeiro
naquele dia a apontar isso para mim. Era uma sexta-feira, era quase happy hour, era o princípio de mais um
fim de semana que poderia incluir desde a escrita de trabalhos acadêmicos
atrasados até uma soneca de dois dias. Eram todas as possibilidades do mundo, e
eu estava com cara de azedo. Talvez porque não estivesse escrevendo há algum
tempo. Talvez por algum perfume que me lembrou de uma decepção amorosa. Talvez
porque eu sabia que alguns boletos só seriam pagos em atraso no próximo mês. Ou
talvez eu só estivesse cansado de tudo: da semana, das pessoas, dos horários
dos ônibus, dos trabalhos acadêmicos atrasados, e por lembrar que não havia
limões em casa para fazer uma caipirinha.
E diante da
falta de escrever, de um amor, de dinheiro para quitar as contas e de limões
para um drink, pensei na vida que
estava teoricamente em andamento, mas aparentemente sem chegar a lugar algum. A
não ser com faltas e cara de azedo para mostrar.
***
Dias depois,
em uma manhã preguiçosa de domingo – muito parecida com a manhã que inspirou o
último texto que deixei aqui – passei horas na cama pensando sobre porque não
havia ninguém deitada ao meu lado. Será que depois de anos de relacionamentos,
haveria ainda um motivo para explicar porque nenhuma delas estava ali?
Infelizmente, eu não soube dizer. Felizmente, a vontade de escrever sobre mim,
e para mim, me motivou a colocar a cafeteira e minhas palavras para
funcionarem.
Não sei
quanto a você, que inexplicavelmente ainda está aí, mas eu senti a minha falta.
Anos atrás,
quando decidi que iria escrever sobre tudo e todos que encontrasse por aí, foi
a primeira decisão sensata que senti que havia feito por mim. Foi o que senti
vontade de fazer para viver. Para trabalhar, para amar, para seguir adiante
quanto tudo mais falhasse. Quanto tudo mais faltasse. Claro que eu me divirto
quando escrevia sobre você e nossa vida que poderia ter sido, mas não foi. Faz
com que eu me sinta melhor sobre você não estar aqui agora, e me ajuda a ter ideias
para o próximo capítulo da minha vida que ainda será escrito. E essa motivação,
essa superação, essa inspiração toda, é bonita...
Talvez seja
por isso que eu ame escrever. Talvez seja por isso que você ame ler. Talvez
seja por isso que a gente insista em adorar o amanhã. Eu não sei. Por um tempo
eu não tive as respostas, e não sei se as tenho agora. Mas a falta de vontade
de perguntar quase me matou. No mínimo, me deixou com cara de azedo. Pode não
fazer sentido, pode ser baseado em fatos irreais, e pode ou não sofrer com a
influência do álcool, mas minhas palavras são a melhor coisa do mundo. Meu
mundo, ao menos. Se forem do seu também, vamos conversar. Mas vamos deixar algo
claro, isto não é sobre você. Nunca será sobre você. Isto é sobre mim, e para
mim. Talvez nada disso irá mudar o mundo lá fora, mas faz um bem imensurável a
mim aqui dentro.
Eu ainda não
sei para onde estou indo, mas antes recuperar o fôlego para seguir adiante do
que desistir até mesmo de olhar para trás e questionar a viagem inteira. Talvez
eu não precise das respostas. Talvez eu só precise continuar me movendo.
Fui ali e
voltei.
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