Seis e
quinze
da manhã, toca o despertador. Levanto com os gatos chorando como se não fossem
alimentados há meses, quando na verdade faz só algumas horas. Entro na área de
serviço para abastecer o potinho e me deparo com sérias evidências de que eles
deveriam entrar em uma greve forçada de fome: um dos filhotes passou mal. Muito
mal. Pelo banheiro inteiro da área de serviço. No chão, nas paredes... E deixou
pegadas disso até a sala. Como se eu fosse esquecer o que aconteceu. Seis e
trinta e cinco. Banheiro limpo, definições de trauma atualizadas com sucesso, e
a dúvida pairando sobre tomar banho ou café antes de trocar de roupa e correr
atrás do primeiro ônibus que surgir, após eu perder o das 6h45. Há quem consiga
ser otimista diante de todas as situações adversas possíveis que possam surgir
pelo caminho. Eu não sou uma dessas pessoas. Mesmo sendo pessimista por
natureza, simplesmente não havia como negar: meu dia seria uma merda.
***
Algum tempo depois, eu fiquei pensando nas variáveis equivalentes
a uma zona na área de serviço, que têm acontecido ao longo de 2017. As brigas
com os amigos, os problemas de família, os transtornos no trabalho... O amor
que não encontrei. E que procurei, e procurei... Até continuar sozinho.
Magoado. Frustrado. E agora, graças ao episódio tragicômico mais recente, na merda.
Quando dias assim acontecem, é fácil distribuir mau humor,
sarcasmo, e culpa a todos ao seu redor. É assim que surgem as brigas entre
amigos, os problemas de família, os transtornos no trabalho... Mas, e o amor? O
que amor tem a ver com isso?
É a pergunta que carrego comigo há anos.
O que acontece é simples. Todo dia, às 6h15 da manhã, eu me
levanto pensando que talvez hoje possa ser o dia. O dia em que eu finalmente a
encontre. Talvez seja por uma amiga de uma amiga minha. Ou então, por uma
conhecida de alguém próxima da família. Pode até mesmo acontecer com uma colega
de trabalho. Eu não sei. Ainda é cedo pra dizer o que esse dia irá trazer. E eu
confesso que, por muito tempo, me senti envergonhado por esse tipo de
raciocínio. E sou assombrado por colegas próximos que insistem em me dizer que
amor não se procura; “ele simplesmente
acontece”.
Os mesmos colegas que, por acaso, já encontraram alguém. Não seja
essa pessoa. Não grite conselhos sobre como vencer a maratona para quem
ainda está correndo. Cada um tem sua velocidade. Cada pessoa é diferente.
Quanto a mim, já faz algum tempo que me conheço bem. Sou alguém à
procura de amor. Amor ridículo, inconveniente, consumidor, do tipo
um-não-vive-sem-o-outro. E mesmo quando os dias são bons, o fato de eu ainda
não tê-la encontrado faz de tudo... Bom, uma
merda. E é por isso que eu não preciso da metáfora materializada perante
mim, espalhada por todo o meu banheiro, às 6h15 da manhã. A vida já é difícil o
bastante.
Foi uma semana difícil. Em um ano muito complicado que já poderia
ter acabado há uns três meses, se dependesse de mim. Foi corrida, atarefada,
cansativa. Com horários a cumprir, compromissos a comparecer, provas a serem
feitas, ônibus a serem pegos e, como se tudo isso já não bastasse, merdas
a serem limpas.
***
Mas durante a maratona diária da vida, algumas coisas pelas quais
passei pelo caminho me vieram à mente. Algumas coisas que, por acaso, incluí em
um recente trabalho de faculdade – entre tantos que precisavam ser entregues
essa semana. Fiz o que precisava ser feito, do jeito que precisava ser feito, e
dediquei tanto amor àquelas palavras quanto pude, na falta de alguém que
estivesse disposta a recebê-lo.
Passei dias escrevendo, enquanto minha família cuidava das tarefas
de casa por mim. Passei horários de almoço no trabalho escrevendo, enquanto
meus colegas entendiam o motivo pelo qual não pude sair para comer com eles.
Passei noites escrevendo, enquanto meus amigos pediam ajuda para que pudessem
escrever o deles também. E quando chegou o dia de escrever as considerações
finais, salvar o arquivo e clicar em “imprimir” para enfim entregá-lo à
avaliação, o dia começou daquele jeito: com merda para tudo quanto é
lado. Definitivamente não parecia ser um bom sinal, mas o dia precisava
continuar.
Antes que eu te conte o que aconteceu no fim, preciso confessar
outra coisa. Viver em busca de amor não é mesmo saudável, nem aconselhável. Ele
realmente acontece, simples e leve, ao longo dos pequenos detalhes do dia a
dia. É o que acontece quando sua irmã mais nova comemora junto com você, quando
consegue escrever as quatro páginas de fundamentação teórica que havia jurado
pra si mesmo que escreveria naquele dia. É o que surge quanto seus colegas de
trabalho tiram um momento entre as brincadeiras e todo o serviço que precisa
ser feito, para te dizer que você escreve muito bem. E é o que existe quando
seus amigos pedem sua ajuda para que também possam fazer um trabalho bem feito,
porque confiam em você para ensiná-los.
E como se não fosse o bastante, amor é o que está envolvido quando
você chega em casa e encontra isso:
Amor é o que acontece ao seu redor enquanto você está ocupado
demais, distraído, alegando que ele não existe. Eu não sabia disso ainda, porque
estava concentrado em higienizar aquele banheiro, mas descobri quando recebi
uma mensagem da minha professora Elogiando meu trabalho e sugerindo que, se eu
tivesse vontade, poderíamos adaptá-lo para um artigo. Meu primeiro artigo
publicado.
Merdas acontecem. E fica difícil ás vezes enxergar o amor à sua
volta. Mas ele está logo ali: nos seus amigos, no seu trabalho, na sua família,
e no empenho que você coloca dia após dia para manter tudo em ordem. Aquelas
pessoas tinham razão, mas erraram em um pequeno detalhe. Não adianta viver a
vida à procura de amor, se você não sabe como enxergá-lo. E no maior dos
clichês – tão clichê quanto filhotes que bagunçam a casa durante a noite – eu percebi,
ao fim de uma semana difícil e de um ano muito complicado que ainda não acabou,
que o amor esteve aqui comigo o tempo todo. Compartilhado com você aí que está
lendo isso.
Faça um favor a nós dois, por gentileza. Leve-o adiante.
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