Algum tempo
atrás, meu computador foi infectado por um vírus. Os acessos que levaram a isso
não vem ao caso agora... mas, sim, foi por um daqueles sites. Acontece. O tempo livre, a rotina cansativa... Quem
nunca? Mas não é disso que quero falar, e provavelmente não é sobre isso que
você veio ler.
O que quero dizer é o que houve depois do acesso, e do vírus se
hospedar no meu disco rígido. Por um tempo os sintomas pareciam inofensivos: a
máquina, que não é nova, passou a travar um pouco mais; os acessos a outros
sites demoravam a carregar... Até que um dia o inevitável aconteceu: o vírus se
alastrou pelos arquivos, corrompendo-os por onde passava, até bloquear
totalmente o acesso à internet.
Depois de uma breve pesquisa, descobri que tratava-se de um tipo
de “Ransomware”; traduzido livremente
do inglês, é um tipo de vírus que sequestra seu computador e te bloqueia para
fora dos acessos. Nenhum dos anti-vírus que eu conhecia foi capaz de
identificá-lo, mesmo depois de inúmeras varreduras. E os fóruns da internet em
que procurei ajuda, usando um notebook empresado, eram unânimes sobre a
solução: formatar a máquina. O que implicaria na perda permanente dos meus
arquivos que não existem em nenhum outro backup reserva.
Uma pessoa normal simplesmente levaria a máquina para um técnico.
Ele faria o possível para recuperar o máximo que pudesse dos meus arquivos
pessoais e formataria o computador em seguida, definitivamente livrando-o de qualquer
vírus que estivesse instalado. É o que uma pessoa centrada, madura, com
recursos e capacidade de solucionar problemas por meio deles, faria. Não
haveria um minuto de dúvida sequer sobre isso.
O que eu fiz foi passar três dias obcecado por aprender sobre a
remoção de ransomware, esperar pacientemente pelo download de diversos tipos de
anti-vírus e por suas respectivas varreduras, até me desesperar por completo e
quase perder todas as esperanças. Até meu pai brigar comigo, dizendo que
levaria o computador para o conserto, independente do custo. Até eu amanhecer e
anoitecer em frente ao notebook emprestado, estudando, pesquisando e aplicando
diferentes técnicas para remover o vírus e recuperar o meu disco rígido.
Totalmente rígido e determinado a realizar a manutenção que fosse necessária
por contra própria, independente do tempo que levasse, só para provar a mim
mesmo que não seria vítima das minhas escolhas ruins e acessos descuidados. E
se um dia você já sentiu algum estresse diante de um computador lento, ou que
não estivesse operando como deveria, multiplique a sensação por 72 horas.
Não havia nada de “Black Mirror” no que há armazenado aqui. Apenas
textos e fotos antigas com valor sentimental, somados à incapacidade financeira
de comprar um computador novo e, convenhamos, minha incorrigível teimosia
diante de situações adversas que requerem ajuda. Ou eu resolvo esse problema
sozinho, ou ateio fogo a essa máquina no terreno baldio na frente de casa. Não
sou nada senão um exemplo de auto-suficiência e maturidade.
E depois de três dias, incontáveis anti-vírus, procedimentos de
reinicialização, e a descoberta de algo revolucionário chamado “ponto de
restauração” – que retorna seu disco rígido às condições em que ele se
encontrava antes de ser afetado por qualquer ameaça – eu consegui. Meus acessos
voltaram, minha máquina foi consertada, e meu orgulho permaneceu intacto. É
como eu sempre digo: não é a fé que move montanhas, mas a teimosia. Deve ter
sido preciso só um olhar incrédulo para aquele monte intransigente, para Maomé
declarar: “Duvido que isso não sai do
lugar!”.
***
Por que estou te contando isso? Porque se num futuro não tão
distante, a realidade “Black Mirror” realmente tomar conta da humanidade, esses
são alguns conceitos que eu acredito serem importantes para a nossa
sobrevivência. E não, eu não estou exagerando.
Um dia você irá conhecer alguém. E irá permitir que ela acesse
livremente o seu banco de dados, as senhas das suas inseguranças e todo o seu
histórico de navegação. E sem que você perceba que está envolvido em uma rede
insegura, ela irá te infectar. Sequestrando toda a segurança que você conhece,
e te bloqueando para fora. Tornando-o incapaz de retomar seus procedimentos padrões
que costumavam ser tão rotineiros, até que ela se hospedasse na sua casa e se instalasse
no seu coração. E entre o desespero e a sensação de impotência, você irá pensar
que não há mais nada que pode ser feito. Temendo que não há mais como viver, a
não ser bloqueado de sentir que pode confiar ou amar alguém de novo.
É assim que irá parecer: ela se apossou da sua placa mãe – seu coração
– e te fará sentir que é possível simplesmente substituí-la ou mandá-la para
uma assistência técnica. Mas não. Ele é único, insubstituível e vital para a
sua saúde. É a fonte de todos os acessos que você pode ter para o mundo lá
fora, e é o que também te traz de volta. E eu penso muito nisso, não só porque
meu computador nunca mais foi o mesmo – ainda operando aos travamentos e fadado
a lentidões temporárias – mas porque eu também nunca mais serei.
Talvez você não seja a pessoa mais experiente, assim como eu, em
se tratando de tecnologia ou relacionamentos. Mas entre tentativas e erros,
suportes técnicos e emocionais, eu estou reencontrando aos poucos o meu ponto
de restauração. Ainda não tenho toda a minha autoconfiança de volta, mas estou
chegando perto. É um processo de reinicialização, e às vezes pode mesmo demorar
um pouco, mas eu vou voltar. E eu sei que estarei perpetuamente quebrado, em
partes, para operar 100% de novo. Mas o meu orgulho por saber que fiz sempre a
coisa certa, por nós, permanece intacto.
***
E o motivo pelo qual estou escrevendo isso é simples: haverão outros
acessos mal impensados, ameaças indetectáveis e relacionamentos capazes de me sequestrar
de novo. Este é o meu novo ponto de restauração. Um backup recomendável para
que eu me lembre de que, independente do que acontecer, eu ficarei bem.
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