Existem três caminhadas
marcantes na vida de um homem. Há o trajeto que ele faz em direção à garota com
quem marcou o primeiro encontro, seguido pelo percurso que fazem de mãos dadas
no shopping - já com um compromisso firmado – até finalmente os passos que ele
dá em direção ao altar, e aguarda pelos passos da sua futura esposa irem de
encontro a ele. Olhando em retrospectiva, talvez seja daí que tenha surgido o
meu gosto por caminhadas, e sua eventual escalada em velocidade até tornarem-se
corridas. Sempre estive ansioso pelos passos marcantes em direção à vida que eu
sempre quis.
Talvez também seja daí que surjam meu fascínio e frustração, ambos
na mesma proporção, por relacionamentos imaginários – mais conhecidos agora pela
modalidade de envolvimento à distância (EAD). E eu sei que você sabe do que
estou falando, porque ao mesmo tempo em que está lendo isso, está esperando seu
mais recente contato do Tinder responder sua última mensagem. Ou pior: está
esperando que ele dê sinal de vida.
Sou um discípulo do amor por EAD há mais tempo que gostaria de
admitir. E o motivo disso talvez também tenha a ver com as caminhadas da vida
de um homem: há algo de atraente em começar a conhecer alguém de longe. E ao
sinal de que ela pode ser mais interessante ainda em pessoa, dois estranhos
decidem atirar-se na empreitada mais desaconselhável, arriscada e inconsequente
possível: o primeiro encontro. A porta de entrada constrangedora que
eventualmente leva a outras drogas, como a mensagem de “bom dia” e o
desequilíbrio emocional por não querer assumir um compromisso agora, nem querer
que ela se sinta livre para encontrar-se com outros.
Ainda assim, é incrível a sensação de querer alguém por perto, que
você recém conheceu e só possui mensagens instantâneas, fotos e perfis de redes
sociais para se amparar. Mais incrível ainda é quando o EAD se torna
presencial, e as mensagens instantâneas se tornam assinaturas registradas em
cartório. Mas há um longo caminho a ser percorrido entre os dois pontos, e não
há outro jeito a não ser atravessando-o.
Sim, eu já conheci mulheres pelo Tinder. Tive, inclusive,
relacionamentos que nasceram de uma mensagem opaca em um bate papo turvo, que
vive travando e que te dá de mão beijada o pretexto para pedir pelo número dela
para que continuem conversando pelo WhatsApp. Há uma linha tênue entre a teoria
da modernidade líquida de Zygmunt Bauman e a realidade Black Mirror de Charles
Brooker, e é a mesma pela qual todos estamos tentando nos equilibrar nesta
terra estranha de inseguranças gigantes e tecnologias em miniatura chamada Pós
Modernidade.
Minha mãe ainda chama essas façanhas de “encontros por internet”,
e me alerta do quanto isso é estranho e perigoso. Mas qual a real diferença
entre ela e meu pai, que eram vizinhos, e o aplicativo que faz uma busca por
pessoas próximas de mim? A não ser pela ausência de uma vizinha aparecer na
janela e gritar “Não há ninguém perto de você!”, a natureza efêmera da coisa é
a mesma.
Por que estou divagando sobre isso, afinal? Pelo mesmo motivo de
sempre, desde que o desastre chamado 2018 começou. Meu último relacionamento,
fruto de uma conversa de Tinder, me roubou toda a perspectiva de percorrer qualquer
um dos caminhos que levassem em direção à vida que – devido às circunstâncias –
eu sequer sabia se ainda queria. Por isso, recentemente, tomei
a decisão de voltar a caminhar sozinho, entre outros esportes feitos para dois.
Mas algo aconteceu desta vez. Similar ao
dia em que decidi tomar de volta a música que havia dedicado a “nós” – com um
uso justificado de aspas, porque ao julgar pelo desenrolar da história, ela e
eu sempre estivemos separados. Hoje decidi sair por aí não só com o intuito de
queimar calorias, liberar adrenalina e poupar mais uma troca de roupa de cama:
hoje eu voltei pela primeira vez ao shopping por onde “nós” andamos de mãos
dadas.
Relacionamentos deixam traumas que só podem ser superados ao
aceitar que a vida continua, mesmo sem ela. E ao contrário das crenças
populares, aceitação não surge quando você, bêbado, stalkeia o perfil dela às
três da manhã para ver se já consegue ver sem chorar as fotos dela com outro. A
aceitação vem mesmo quando você toma de volta a vida que havia em si, antes
dela. Foi o que eu fiz com a “nossa” música, e foi o que eu fiz com o “nosso”
lugar. E pela primeira vez em um bom tempo, eu finalmente senti que estava
caminhando novamente rumo à direção certa. Rumo à vida que, felizmente, eu
ainda quero para mim e alguém que ainda não encontrei.
Eu não sei se o Tinder funciona ou não. Não sei se amor em EAD
pode ser real. Não sei se os meios interferem no fim, ou se a lógica
Maquiavélica só é falha quando é usada para o mal. Não estamos todos só
tentando ser felizes? E quanto à nós que queremos ser felizes com alguém; não
estamos apenas tentando descobrir com quem isso pode ser possível?
Se estamos todos vivendo na Pós Modernidade, onde o amor não
necessariamente mora ao lado, e a liquidez e o imediatismo substituíram em
parte a cautela e o critério ao escolher arriscar-se com alguém, talvez só o
que nos reste seja mesmo continuar seguindo em frente.
Eu não tenho as respostas. Só me sinto feliz por finalmente ter
certeza de novo sobre aonde quero chegar.
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