Eu quero acreditar
que funciona. Casamento, parcerias, envolvimento, intimidade. Mesmo tendo em
mente que absolutamente todos os relacionamentos da minha vida são
disfuncionais, de alguma maneira. E que não é preciso pensar muito para chegar
à conclusão de que eu sou o denominador em comum entre eles. Alguns eu desequilibrei
pela falta, outros pelo excesso. Há ainda os que nunca conheceram a luz do dia por
insegurança de ambas as partes. Por pensar demais em toda a estrada adiante de
nós, e nos assustarmos em tentar dar sequer o primeiro passo. Acontece. Quando
tudo desmorona e todas me abandonam, independente do que ocasionou o
deslocamento, eu ainda continuo aqui. Perdidamente apaixonado pela ideia de
que, apesar de todos os pesares, é algo que funciona.
Agora, não me peça para argumentar e tentar convencê-la disso. É
uma escolha. Algo que se dispõe perante mim a cada novo desastre que vem, vê e
me vence. Eu estou cansado. Quebrado. Ridiculamente perdido. Mas quero
acreditar que funciona, e é o suficiente para mim. Se não for o bastante para
você, fique longe de mim. Estou recuperando minhas razões para acreditar e
preciso de fidelidade, não pagãos. Amor existe.
***
Era um domingo. Acordamos cedo, mas levantamos tarde. Passamos um
bom tempo na cama, envolvidos nos lençóis, na preguiça, e em nós mesmos. Na
vida que estávamos começando a construir juntos. Até o dia anterior, já
havíamos passado por todos os estágios que levam à tão sonhada estabilidade
emocional em um relacionamento – as definições de status, as reuniões em família,
as declarações de amor. As implicâncias sobre com quem andar e para onde ir, as
descobertas sobre quais temperos eu poderia usar ou não na comida, e os
costumes aos quais ela se dispôs a lidar para ficar comigo. As mudanças de
humor dela e, convenhamos, as minhas também. E por fim, as mãos dadas no
shopping.
Caso esta não seja a sua primeira vez no meu mundo, você sabe do
que estou falando. Pra quem chegou agora, permita-me explicar mais uma vez. Até
porque, tem gente que não entendeu na primeira
vez, interpretou errado e pegou ódio de mim pelo resto da vida. Faz parte.
É por isso, crianças, que interpretação de texto é importante. Dominar figuras
de linguagem também. Se souber o que quer dizer e como manobrar as palavras
para fugir dos clichês, meus parabéns. Você venceu na vida. Literariamente, ao
menos.
É uma metáfora. As mãos dadas representam o compromisso, o relacionamento,
a aliança. O shopping é a sociedade. Você pode ter seus encontros aqui e ali –
tomar um café naquele lugar bacana no centro da cidade, ou simplesmente se deixar
levar no escuro da balada – mas a partir do momento em que estão andando de
mãos dadas no shopping, não adianta mais disfarçar as evidências. É o atestado
de mudança do estado civil, embora esse ainda não seja válido num tribunal. A
mensagem é simples – entre todas as pessoas, os esquemas, os “remembers” e as ligações para ex às
quatro da manhã, você a escolheu. Aquela pessoa é a sua pessoa agora. Para
amar e cuidar, honrar e respeitar, enquanto discutem sobre qual é o conjunto de
roupa de cama mais bonito da loja de departamentos, até que a validação do
estacionamento os separe. É a parte mais clichê, cansativa e cro-magnon de um
relacionamento. E era o meu sonho.
A tragédia embutida em qualquer sonho, no entanto, está sempre na
sua realização. E eu tenho todo o direito de criar minhas próprias teorias
sobre o amor, o mundo e as pessoas, com base nas minhas experiências.
Aquele foi o último domingo que passamos juntos. Tomamos café com
a família, almoçamos juntos, passamos a tarde na cama... Tudo bem caseiro,
cômodo, crente. Até chegar a hora dela voltar para casa. Algo que aparentemente
seria só mais um deslocamento, se não fosse pelo fato de que era ano novo. Trinta
e um de dezembro de 2017 foi o fim de muito mais que um ano péssimo para a
economia e a política da nação. Também foi o meu.
Ela realizou todos os meus sonhos, e os virou contra mim em
questão de suspiros. E pra quem já era desajustado, disfuncional e destrutivo,
o impacto veio em estágios. Depressão, raiva, barganha, depressão... E por
enquanto é só, pessoal.
Não é que eu não tenha aceitado o fim. Só não soube exatamente
como recomeçar ainda. Quando algo no qual você acreditou por anos deixa de ter
significado, o que resta?
Eu te odeio. Não pelo
fim, a traição, ou as mentiras encobertas. Odeio o sonho que você roubou de
mim. Porque eu não me vejo andando de mãos dadas no shopping com alguém de novo
tão cedo. Essa é a verdade que esteve borbulhando pelos últimos 30 dias. Eu não
quero um relacionamento. Não estou forte o bastante ainda.
E ao mesmo tempo, eu preciso
acreditar que funciona. É o que me faz sobreviver à vida quando ela se sobrepõe
em meus ideais, e é o que me leva a acreditar em outra pessoa de novo, mas não
estou lá ainda. Pelo contrário: estou perdido, acima do peso e alcoolizado. Só
não tenho certeza de que não sejam mesmo sinônimos de ser solteiro.
***
Por anos eu repasso
essa teoria aos amigos nas mesas de bar. Mesmo que não saibam, tudo o que
procuram é alguém com quem andar de mãos dadas no shopping. E de lá, seguem
adiante pelo resto da vida. É o que nos tira da cama de manhã, nos encoraja a
dar uma chance a alguém novo, e nos faz beber e reinstalar o Tinder todas as
vezes. O amor que pode vir a existir.
Risadas e
interpretações erradas à parte, tudo o que queria hoje era conseguir acreditar.
Relacionamentos vem e vão, mas o legado das mãos dadas no shopping é pra
sempre.
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